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Economista-chefe da Infinity alerta para “percepção errada de recessão”

Embora não acredite em crescimento negativo nos Estados Unidos, Jason Vieira vê sinais de desaceleração global se avolumando

Economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira pensa que solução para desaceleração da economia é o fim da guerra comercial (Acervo Pessoal/Acervo pessoal)

Economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira pensa que solução para desaceleração da economia é o fim da guerra comercial (Acervo Pessoal/Acervo pessoal)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 17 de agosto de 2019 às 08h00.

Última atualização em 17 de agosto de 2019 às 11h12.

O temor de uma recessão global deixou o mercado em pânico nesta semana, quando os rendimentos dos títulos americanos de longo prazo foram ultrapassados pelos de curto prazo pela primeira vez desde 2007. Alguns investidores veem isso como um sinal iminente de recessão. Um ano após o ocorrido, em 2008, o mundo assistiu aos mercados derreterem e bancos, como o americano Lehman Brothers, quebrarem.

As lembranças desses dias de caos ainda estão frescas. Economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira também se recorda, mas não acredita que a inversão da curva de juros dos títulos americanos seja uma predição de que a economia dos Estados Unidos vá entrar em recessão. Para ele, “essa distorção de mercado está levando a uma percepção errada”.

Embora descarte a possibilidade de os Estados Unidos entrarem em uma nova recessão após uma década, o economista disse que alguns sinais de desaceleração econômica estão se “avolumando”, como os indicadores de menor crescimento na China e na zona do euro. “A grande solução para todo esse problema é o fim da guerra comercial”, afirmou.

Jason também falou que o cenário de retração no Brasil ocorre, em partes, por conta da falta de injeção de dinheiro do governo na economia. “Dentro do contexto atual da atividade econômica o governo puxa o PIB para baixo”. Entretanto, o economista pensa que, com as reformas aprovadas, a economia tende a melhorar por aqui.

Sobre a situação da Argentina, Jason disse não ver saídas para a retomada da economia por lá e comentou que o atual presidente, Maurício Macri, tem se mostrado um “pseudo-liberal” e um “tremendo de um populista”. “O Macri não lançou nada de decente, e aqueles que colocaram a economia argentina num buraco estão prestes a voltar”.

Com mais de duas décadas de experiência no mercado financeiro, Jason Vieira, trabalha desde 2015 como economista-chefe da Infinity, gestora de fundos de investimentos com cerca de 650 milhões de reais sob administração. Antes de assumir um dos postos de maior prestígio da gestora, o economista formado na Universidade Mackenzie passou por diversas empresas do setor, como XInfinity Invest, UPTrend e Brazil Capital LLC.

Na quarta-feira (14), os juros dos títulos americanos de 2 anos superaram os de 10 anos pela primeira vez desde 2007. Alguns investidores entenderam isso como um sinal de uma recessão iminente. Como o senhor enxerga esse movimento?

Eles estão olhando para trás dentro de um quadro de causa e efeito. Já aconteceu isso no passado e pode acontecer agora. Se você pegar os indicadores [americanos] que foram divulgados nesta quinta-feira (15) relacionados ao varejo e à produtividade/mão de obra e custo/mão de obra – ainda que tenha uma produção industrial mais fraca que a expectativa – a história é completamente diferente. Ou seja, existe um problema, talvez de uma demanda muito acelerada pelos títulos americanos, que até explica uma queda dos [títulos de] 30 anos para abaixo de 1,9%. Por conta do efeito gangorra, o preço é invertido ao rendimento. Então, quando cai o rendimento, o preço está subindo, e quando o preço está subindo é porque tem a demanda acelerada. Essa distorção do mercado é o que pode estar levando à percepção errada de que há uma recessão - coisa que pode ser pensada em termos de outras economias centrais, que não a dos Estados Unidos.

O senhor enxerga espaço para os Estados Unidos voltarem a cortar os juros?

A questão de cortar juros nos Estados Unidos é bem mais complicada do que parece. O Fed tem uma pressão para que o corte de juros ocorra de novo. Essa pressão, em parte, vem do [Donald] Trump, porque ele quer manter ao máximo essa atividade econômica aquecida num ciclo acelerado, mas com o custo muito elevado, inclusive pela questão fiscal.

Isso está relacionado com as eleições?

É totalmente relacionado com as eleições. Você tem esse cenário porque o Trump está com problemas políticos relativamente graves nos Estados Unidos. E a gravidade desses problemas, de alguma maneira, dificulta sua reeleição. Aí vem a questão de como lidar com isso. Segundo ele, - dada a cabeça do Trump, de cara do ramo imobiliário - juros baixos são o que fazem a economia girar. Na cabeça dele, os Estados Unidos precisam manter os juros baixos. O Fed falou que está tudo bem, e que não tem tanta coisa para cortar juros, mas a guerra comercial pode ser um motivo para cortar. Aí a gente vê toda essa bagunça no mercado.

Caso os juros sejam cortados novamente nos Estados Unidos,que impacto isso pode ter para o mercado,?

É difícil [prever], porque ao mesmo tempo que você tem os juros cortados nos Estados Unidos, isso não tem significado menor demanda pelos títulos do tesouro americano. Aí a gente vê essa doideira que está acontecendo: eles cortam juros e os caras investem mais em juros, porque o corte de juros pode significar, em algum momento, uma perspectiva recessiva. É difícil. Estamos nessa situação porque os Estados Unidos não estão sabendo muito para onde ir.

A China e a zona do euro divulgaram resultados sobre a atividade econômica local e pareceu que a economia está desacelerando por lá. Isso não é um sinal de que tem uma recessão global se aproximando?

Alguns sinais vão se avolumando. Na China, os sinais dão a impressão de uma desaceleração. O problema é a gente começar a chamar a desaceleração de recessão sendo que não são, literalmente, duas coisas iguais. Então, a grande solução para todo esse problema é o fim da guerra comercial.

E como a guerra comercial está impactando essa situação?

A China tem demonstrado isso com o aumento de taxação e elevações de alguns custos. Outro ponto relevante em relação à China é que quando outros países, como os europeus, começam a crescer menos, eles são diretamente afetados. A taxação americana gerou um problema dentro dos Estados Unidos e um problema na China. Quando elevaram a taxação, houve o encarecimento de alguns custos para produtores americanos. Entre essa questão, o custo aumentou, diminuiu a demanda, e aí esse nervo sopra. Só que a capacidade dos americanos de absorver uma elevação de preços a curto prazo é muito maior do que a China.

Sem esse conflito, a economia global estaria se aquecendo?

Não sei. Uma outra dúvida que vem é até mais pertinente: estamos indo na direção de uma recessão? Estamos indo na direção de um crescimento mais fraco? Ou será que uma niponização da economia global é o novo normal? Ou seja, vão ser crescimentos mais fracos e com inflação baixa, mas relativamente constantes, que mantém a economia, ainda que em resultados numéricos mais modestos. São essas hipóteses que ninguém sabe. A dúvida grande com relação aos Estados Unidos é como eles vão continuar crescendo sem gerar uma reação em termos inflacionários. Aí vem dúvidas com relação à digitalização da economia, ao impacto de eventos disruptivos como Uber, Amazon, Airbnb. Isso ainda é um efeito muito americano, bastante localizado em termos de Estados Unidos.

Esses possíveis cenários podem interferir na cotação do dólar no Brasil?

Eles já interferiram. Temos o problema da cotação internacional da moeda e também temos um problema local relacionado à composição das operações do Banco Central nos últimos anos. Aí são duas coisas apartadas. Em relação a questão só da moeda em si, nós estamos em um contexto que não se tem muito o que fazer. Sofre internacional, a gente sofre junto. O problema é que temos alguns fatores aqui, que chamam a atenção. Um deles é que a gente pode estar sofrendo um carry trade [aplicação financeira que consiste em tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outra moeda, onde as taxas de juros são maiores] daqui de dentro. Então, esses leilões de linha e swaps cambiais reversos do Banco Central tem a perspectiva de encarecer o hedge cambial, que estava muito barato. E isso só se faz reduzindo o preço do cupom cambial e atacando o estoque de compromissada. Essa é uma questão pesada. É legal a operação? Sim, mas acaba descortinando uma outra coisa: mesmo nesses movimentos especulativos, dada a concentração bancária que a gente tem no Brasil, o sistema em si não é suficiente para a cobertura cambial. Daí a necessidade de o Banco Central estar operando em cima disso.

O Banco Central tem tentado, então, limitar essa alta do dólar?

Sim. Ele tenta limitar quando tenta subir o preço de hedge e limitar o preço do cupom. Quando o Banco Central vai contra o movimento, utilizando reserva e swap cambial reverso juntos, ele está chamando o mercado para ajudá-lo.

E as reservas estão saudáveis para conseguir fazer isso?

Sim. É até bom usar um pouco disso porque já estão ficando caras. Para evitar esses ataques especulativos, esses carry trades, e ajustar a liquidez, essa cobertura cambial que o Banco Central está fazendo agora é importante. Ele está indo na linha mais de reduzir a pressão no cupom cambial e diminuir o estoque de compromissadas. Quando ele reduz essa pressão, ele aumenta o custo de hedge, que estava muito barato. Ou seja, estava muito barato ficar comprado em dólar no Brasil.

O IBC-Br lançado nessa semana apontou uma recessão de 0,13% no segundo trimestre. A confirmação dessa previsão pode afetar os mercados aqui?

Provavelmente não vai afetar. Dada a revisão do IBC-Br anterior, isso já afasta um pouco a perspectiva de que vai haver uma recessão técnica. O Banco Central já sinalizou que vai continuar o ciclo. Ou seja, não vai mudar muito. O mercado já sabe o que pode acontecer. Ele tem a noção de que há a possibilidade de uma recessão técnica, mas ao mesmo tempo ele tem a noção de que o Banco Central já está agindo.

O que levou à recessão?

Tem dois pontos com relação a essa recessão. O primeiro ponto é a ausência do governo, sempre muito presente na atividade econômica brasileira. Sempre que você tinha a questão de proximidade de recessão, o fiscal era utilizado para tentar reverter esse contexto. Ou seja, era o governo injetando grana na economia para tentar fazer a coisa andar. Obviamente, a gente viu que passado uma década fazendo isso várias vezes, a gente quebra. Não foi só a gente que quebrou. Os países quebraram. A argentina está quebrada. E todos eles seguiram a mesma linha nesse sentido. O que acontece agora? Você tem um vácuo deixado pelo governo. E, dentro do contexto atual da atividade econômica, o governo puxa para baixo o PIB. Em alguns pontos da atividade econômica, você tem sinais de que a situação está melhorando, como o desemprego caindo e a criação de postos de trabalho. Mas o hiato do produto está muito elevado. E o fechamento desse hiato demora, porque não tem um governo cumprindo o papel que ele cumpria de uma maneira muito pesada - muitas vezes irresponsavelmente do ponto de vista fiscal, mas ele cumpria esse papel.

E o setor privado?

Está faltando o setor privado tomar o protagonismo nisso e preencher o vácuo que o governo deixou. É daí que vamos ter a atividade econômica pegando de novo. O setor privado também era muito viciado nesse auxilio de governo. Daí vem a importância da MP da liberdade econômica e todas as coisas que estão na linha de desburocratização.

As propostas do governo vão impulsionar a economia?

Passado a reforma da Previdência e avançando com a reforma tributária, e já passando esses eventos, como a MP da liberdade econômica, a tendência é que a coisa melhore. Mas boa parte dessas ações são de médio e longo prazo. Por isso, a gente não consegue ver as reações no curto prazo, mesmo porque no primeiro trimestre, em temos políticos, foi um desastre. O governo não entendia seu próprio papel. Entrou em discussões e brigas inúteis. Foi uma besteira atrás da outra. No segundo trimestre, os filhos do presidente foram contra o [Rodrigo] Maia – péssimo! A partir do segundo semestre, a tendência é que diminua esse ruído político, que causou problemas de confiança dos consumidores e investidores no primeiro trimestre. Com essa redução do ruído político, as pessoas estão começando a retomar confiança.

Nessa semana o mercado argentino enfrentou um caos, principalmente na segunda-feira. Como a situação da Argentina pode afetar o Brasil?

É mais um problema por causa de nossa proximidade com a Argentina, até porque parte dos investidores internacionais colocam tudo no mesmo saco. Em um segundo momento veem que estamos num momento o oposto do que está acontecendo na Argentina. Ou seja, o que o Macri não conseguiu fazer é o que o Bolsonaro, nesses oito meses de governo, está fazendo. E se pegar o que o governo Temer conseguiu fazer, estamos num ímpeto reformista no Brasil que não perdeu força nenhuma. Pelo contrário, está ganhando mais.

Bolsonaro está fazendo grandes acusações sobre a esquerda argentina. Como isso pode influenciar as relações comercias?

A coisa pode pegar no longo prazo com relação ao mercado aberto com a União Europeia. Isso é algo que a gente tem que relevar. Dentro desse cenário pode haver uma piora, porque o desalinhamento ideológico dos dois vai fazer todo mundo brigar. No curto prazo, a Argentina é ultra dependente do Brasil. Se começar com esse negócio de taxar importação, como fez o próprio Macri – o tal do pseudo-liberal, que de liberal não fez absolutamente nada e está se mostrando um tremendo de um populista - quem vai sofrer muito mais é a Argentina.

No horizonte de longo prazo a economia argentina tende a piorar?

O Macri não lançou nada de decente, e aqueles que colocaram a economia argentina num buraco estão prestes a voltar. Ou seja, não vejo nada que ajude a Argentina nem no curto nem no longo prazo.

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