Como a Suzano quer lucrar com a guerra ao plástico
Empresa busca conquistar parte do mercado petroquímico com produtos “verdes”. Para isso, vai subir o tom do discurso contra os materiais fósseis
Rodrigo Caetano
Publicado em 17 de fevereiro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 17 de fevereiro de 2020 às 06h00.
São Paulo -- Nos últimos 12 meses, oito estados brasileiros e o Distrito Federal aprovaram leis que restringem os chamados plásticos de uso único, como os canudinhos. O movimento é global. Ao menos 127 países proíbem algum tipo de produto plástico, segundo relatório produzido pela ONU no ano passado.
O Rio de Janeiro foi a primeira capital brasileira a banir os canudos, em junho de 2018. Na mesma época, a revista National Geographic publicou uma extensa reportagem sobre o problema da poluição dos oceanos, causada, em grande parte, por rejeitos de polímeros. A matéria incluía um vídeo no qual uma bióloga extrai um canudo plástico do nariz de uma tartaruga marinha.
“Esse vídeo fez o consumo de canudinhos cair 40% em 20 meses”, afirma Walter Schalka, presidente da Suzano, fabricante de papel e celulose. “A pressão social [pela redução do uso de plástico] é muito grande”.
Os protestos contra o plástico, um material poluente e de origem fóssil, soam como campanhas publicitárias para a Suzano. A empresa enxerga nesse movimento uma oportunidade para oferecer ao mercado produtos alternativos aos polímeros, produzidos a partir do eucalipto, que são biodegradáveis e de origem renovável.
Alguns deles são velhos conhecidos dos consumidores, como copos e canudos de papel. Outros, são novidades tecnológicas, como as fibras produzidas a partir da lignina, um subproduto da celulose, que podem substituir diversas resinas, entre elas o polipropileno e o polietileno, plásticos mais consumidos no mundo.
O potencial desse mercado, pelas contas da empresa, chega a 16 bilhões de dólares por ano, cerca de 65 bilhões de reais, duas vezes e meia o faturamento da Suzano em 2019, que foi de 26 bilhões de reais.
Cada golfinho fotografado com uma sacola plástica presa na barbatana favorece a estratégia da empresa. E os planos são de intensificar essa agenda por meio de uma atuação mais combativa. “No passado, fomos uma empresa no profile e passamos a ser low profile ”, afirma Malu Paiva, diretora de sustentabilidade da Suzano, em referência ao perfil discreto da companhia. “Não chegaremos a ser high profile, porém, seremos mais vocais a respeito de questões importantes para a sociedade.”
Para Schalka, as oportunidades da Suzano no mercado petroquímico não dependem, exclusivamente, de mudanças regulatórias ou culturais. “Nós já somos muitos competitivos em relação ao plástico”, diz o presidente. “Nosso custo de produção (de celulose), hoje, é da ordem de 170 a 180 dólares por toneladas. O do plástico, está na casa dos 1.000 a 1.200 dólares”.
A questão é transformar a celulose, ou, no caso, a lignina, em produtos finais, algo que ainda precisa avançar para que o plástico de eucalipto ganhe uma parcela importante do mercado. Uma estratégia inicial da Suzano será focar em materiais que tenham em sua composição uma mistura de polímeros e fibras de celulose, solução que pode ser aplicada em produtos como eletrodomésticos, utilidades domésticas e peças para automóveis.
Essa competitividade será importante para a Suzano fazer frente à indústria petroquímica, que está num momento de alta capacidade produtiva, o que pressiona os preços para baixo.
Nos Estados Unidos e na Europa, no final do ano passado, o preço do polietileno atingiu o menor patamar em uma década, segundo a ICIS, consultoria que monitora diversas commodities. Segundo um relatório da consultoria, há um descompasso global entre a oferta e a demanda de polímeros, cenário que será agravado pela entrada em operação de novas fábricas.
A brasileira Braskem, por exemplo, deve inaugurar uma unidade no Texas (EUA), neste semestre, cuja capacidade será de 450 mil toneladas por ano.
Ainda que confie na competitividade da empresa, Schalka demonstra vontade de adotar uma postura mais combativa em favor de políticas que reduzam o consumo de plástico. “Vamos aumentar a cobrança junto aos governos”, indica o executivo. “A sociedade vai ter de mudar, não podemos conviver com esse nível de poluição”.
Essa maior pressão da Suzano por políticas ambientais efetivas deve incluir, também, o mercado de carbono. As florestas da Suzano são grandes sequestradoras de emissões, o que garante à empresa um enorme potencial para se beneficiar dos créditos de carbono. A regulação desse mercado, em caráter global, é uma das premissas do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário.
Em dezembro do ano passado, durante a Conferência do Clima da ONU (Cop25), havia a expectativa de um acordo para viabilizar a comercialização dos créditos, o que não aconteceu. O governo brasileiro se posicionou contra as regras propostas, principalmente, pela União Europeia.
“Chegará um momento em que o carbono terá um preço no mercado, o que vai gerar muito valor para nós”, diz Schalka. “E, à medida que mostramos ao consumidor que aquele potinho ou o lego do seu filho pode ser feito de um material biodegradável, ele vai pressionar por mudanças. Esse mercado enfrentará um tsunami nos próximos anos”.