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Apresentado por YPO

Moradia econômica no Brasil: um luxo para poucos

O sonho da casa própria é limitado a poucas pessoas e cidades, e ainda longe da realidade da maior parte da população

 (Leandro Fonseca/Exame)

(Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 26 de maio de 2023 às 18h33.

Última atualização em 26 de maio de 2023 às 19h10.

Ao todo, 30% vezes R$ 2.715 é igual a R$ 814, 50. Entendeu? Explico. O valor de R$ 2.715,00 foi a renda média da população brasileira em 2022, segundo o IBGE/Pnad divulgado em 2023). Com isso, R$ 814,50 seria o valor máximo de prestação que a média da população brasileira poderia arcar para aquisição da casa própria.

Além disso, esse comprador precisará encontrar um imóvel que comporte sua família e atenda as suas necessidades, seja novo (pois, se for usado, somente poderá financiar 50%), com valor abaixo de R$ 169.000, e deverá ter poupado um valor significativo para pagamento da entrada e documentação do imóvel, itens não financiados pela instituição financeira.

Se você conhece um pouco da realidade financeira da esmagadora maioria da população brasileira, sabe que esse cenário detalhado acima beira a ficção. Então, quando todos os brasileiros terão a casa própria? Por que morar custa tão caro?

Eu me deparo com essas questões e outras similares em diversos eventos relacionados ao mercado imobiliário. Se fácil fosse respondê-las, resolvido estaria um dos maiores problemas sociais brasileiros, o déficit habitacional. Neste artigo, vou explorar o porquê de o imóvel econômico não ser tão econômico assim. Em seguida, expor reflexões sobre como poderíamos impactar positivamente o tema abordado. Então vamos lá.

O que afeta o custo da casa própria no mercado de baixa renda no Brasil?

Concentração econômica e plano diretor das cidades. Em cidades, em que o mercado de trabalho está superaquecido, temos um efeito nocivo no preço dos imóveis pela ótica do comprador/morador.

A alta demanda acaba ocasionando escassez de produtos (imóveis), consequentemente a elevação dos preços. Com isso, as habitações mais econômicas acabam sendo arrastadas para bairros/cidades mais periféricos.

Tudo isso em virtude da matéria-prima-base do imóvel: o terreno. Pois somente em cidades/bairros ainda não desenvolvidos, é possível encontrar viabilidade para empreendimentos habitacionais econômicos, na ótica do incorporador.

Esse fenômeno pode ser claramente evidenciado em regiões do nosso país, como a cidade de São Paulo que encabeça o ranking de participação no PIB nacional. O mercado de trabalho extremamente dinâmico e pujante da cidade, somado à concentração econômica, sem dúvida impacta fortemente os preços dos imóveis econômicos.

Então, como contribuir de forma positiva nesse tema? A resposta curta e simples seria, com uma boa política de urbanismo e fomento econômico. Deixe me explicar através de um exemplo positivo e um negativo.

Na minha opinião, o governo pode e deve atuar para atenuar as consequências geradas por grandes polos econômicos. Uma grande variável que o governo pode influenciar é o modelo do desenvolvimento urbano da cidade. Através de um bom plano diretor, o município é capaz de impactar diretamente na qualidade e acesso a moradia de seus habitantes. Vou dar um exemplo real e claro do impacto que tal gestão pode ocasionar.

A cidade de São Paulo, pouco tempo atrás, apresentava baixo percentual de habitações econômicas em seus lançamentos. Através de planejamento bem estruturado do plano diretor, se reverteu esse cenário. Entre 2017 e 2022, São Paulo colocou no mercado mais de 137 mil unidades residenciais econômicas (Minha Casa Minha Vida). Esse número representou, em 2022, 12,9% do total de domicílios do município com renda entre R$ 2.544 e R$ 5.722.

Com isso, foi possível reurbanizar bairros antes decadentes, prover melhor qualidade de vida a habitantes antes destinados a viver em bairros e/ou municípios periféricos por falta de acesso a imóveis acessíveis. Sem dúvida, gerando impacto positivo na arrecadação da cidade, diminuição da favelização e moradias irregulares, além de aumento significativo na qualidade de vida desses habitantes por estarem mais perto do seu trabalho e conveniências em geral.

Por outro lado, temos cidades que foram na contramão desse tipo de medida, por exemplo, Curitiba. Atualmente considerada uma das cidades com plano diretor menos adequado à inclusão de moradias econômicas. As regras exigidas em Curitiba tornam praticamente impossível o desenvolvimento de habitações econômicas, fazendo com que do total de lançamentos da cidade entre 2017 e 2022 fosse de apenas 2% para o mesmo perfil das habitações acima citadas no exemplo da cidade de São Paulo (4.938 unidades).

Esse fato ocasiona uma severa escassez em imóveis econômicos na cidade, levando a população economicamente menos favorecida a residir na periferia, ou em cidades da região metropolitana.

Além disso, esse fenômeno gera uma tendência no aumento de invasões e favelização do município.

Por último, os habitantes que são obrigados a morar nas cidades satélites acabam as usando apenas como dormitório, e vindo à cidade-mãe para trabalhar, utilizar-se de hospitais, transporte público e similares, gerando uma sobrecarga ao município sem a geração de impostos que residir na cidade poderia gerar.

Mas como o plano diretor afeta o preço do imóvel?

Vou citar dois rápidos itens regrados pelo plano diretor e que impactam diretamente o valor de venda de um imóvel econômico.

Vaga de garagem. Um dos itens mais custosos de uma habitação econômica, podendo seu preço de venda ultrapassar 25% do valor do imóvel. Então, uma cidade como Curitiba, que tem em seu plano diretor baixa flexibilidade quanto à exigência de vagas, gera uma barreira muito grande para o desenvolvimento de habitações econômicas.

Áreas mínimas exigidas. A exigência de cômodos com tamanho mínimo acima do padrão de normas técnicas, ou fora da realidade financeira do público econômico, é outro item que impacta direta e fortemente o preço dos imóveis econômicos.

Por exemplo, se considerarmos a metragem mínima exigida em São Paulo para sala de estar, primeiro e segundo dormitórios, cozinha, área de serviço e banheiro, é possível se ter um imóvel de 25,8 m². Em contraste, em Curitiba esse imóvel precisaria ser no mínimo 51% maior (39 m²). O impacto disso no preço e, consequentemente, na aquisição pelo público menos favorecido, é brutal.

Juros elevados. Esse tópico é praticamente autoexplicativo. Sem dúvida os juros elevados impactam diretamente o mercado de imóveis e, mais fortemente, o mercado de imóveis econômicos. Talvez o que poucos sabem é que os juros elevados não só afetam a compra/financiamento do imóvel pelo morador final mas também o preço de venda do imóvel.

Praticamente todas as construtoras atuantes no mercado de habitação econômica utilizam-se de financiamento de apoio à produção, em português simples, de empréstimo bancário para a construção de seus empreendimentos. Com isso, os juros elevados acarretam maiores despesas financeiras durante a obra, e consequentemente do preço final do imóvel.

Por outro lado, apesar do Brasil ter juros elevadíssimos, temos tido um bom desempenho quando analisamos o mercado de habitação econômica. Não estou entrando na discussão se a taxa de juro básica do país está adequada ou não, o que estou afirmando é que diante da taxa de juro brasileira, as ferramentas de financiamento à construção e ao comprador de imóveis econômicos são satisfatórias.

Em outras palavras, o mercado de habitação econômica desfruta das melhores condições de financiamento do cenário imobiliário em nosso país.

Burocracia e risco jurídico

Tenho certeza de que você está cansado de ler sobre o risco jurídico brasileiro. O mercado imobiliário talvez seja um dos mercados mais afetados por essa insegurança. Para você ter uma ideia, atualmente não se sabe ao certo qual é o tempo de garantia que o construtor/incorporador deve prover. Existem diversas interpretações, regras e normas que conflitam entre si, gerando uma incerteza assustadora. E adivinhe quem paga essa conta? Sim, o comprador final, pois essa incerteza é precificada e somada ao valor de venda do imóvel.

Com isso, uma forma de impactar positivamente o acesso à moradia econômica seria, sem dúvida alguma, diminuir o risco jurídico do mercado imobiliário. Não estou dizendo que se deve eximir as empresas de suas responsabilidades, estou sugerindo que as responsabilidades sejam claras, bem definidas e corretamente dimensionadas.

Somado ao imbróglio jurídico existente, temos uma assustadora burocracia. Em muitas cidades, facilmente pode se ultrapassar dois anos para o licenciamento completo de um empreendimento. Mais uma vez, adivinha quem paga essa conta? Sim, novamente o comprador final. O custo financeiro que todo esse prazo gera é precificado pelo incorporador/construtor e somado ao preço de venda do imóvel. Então, uma otimização dos processos de aprovação, sem dúvida traria um impacto direto, rápido e significativo no preço dos imóveis de perfil econômico.

Método construtivo e monopólio de fornecedores

Por último, temos um fator importante que afeta diretamente os valores da habitação econômica em nosso país, nosso modelo de produção.

O método construtivo utilizado no Brasil para desenvolvimento de moradias econômicas é um dos mais atrasados do mundo. Temos pouquíssima industrialização, prazos enormes de construção, necessidade absurda de mão de obra, ineficiência, desperdício de material e problemas construtivos.

Somado a esse cenário, temos uma concentração enorme no fornecimento de material primordial à execução de obras na mão de pouquíssimos fornecedores, como aço, ferro, cimento e outros. A falta de concorrência e opções, sem dúvida é um dos fatores dentro da produção que mais afetam o custo destes imóveis e, consequentemente, seu preço de venda.

O que poderia ajudar? Acredito que duas ações poderiam gerar grande impacto nesse tema.

A primeira seria flexibilizar as normas técnicas e certificações para o uso de sistemas construtivos já consagrados em outros países. Atualmente, a rigidez e excesso de burocracia na certificação de sistemas de produção de imóveis dificulta muito o fomento de novas tecnologias construtivas.

Sem dúvida, poderíamos impactar fortemente a moradia econômica com sistemas produtivos mais industrializados, menos dependentes de mão de obra massiva e de insumos monopolizados.

Conclusão

No começo do artigo, mencionei que colocaria luz em alguns aspectos e apontaria possíveis sugestões de melhoria. Mas, não afirmei que seriam pontos e ações fáceis. De fato, são itens que necessitam de profundas mudanças e que não dependem somente do setor privado, o que torna um pouco mais árduo o caminho.

Por último, deixo uma provocação no ar, que, quem sabe, poderá levar ao meu próximo artigo. E se tudo isso for sanado? Vale mesmo ter a casa própria, ou seria melhor morar de locação?

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