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Por que Wall Street continuou a subir mesmo após o Afeganistão

Diferentemente do passado, em que eventos como o 11 de Setembro e os conflitos com o Iraque derrubavam os mercados, hoje investidores dão outra atenção a eventos geopolíticos

Fila de afegãos para a saída do país asiático há poucas semanas | Foto: AFP (AFP/AFP)

Fila de afegãos para a saída do país asiático há poucas semanas | Foto: AFP (AFP/AFP)

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Da Redação

Publicado em 12 de setembro de 2021 às 08h25.

Por Carlo Cauti*

Há poucas semanas, os Estados Unidos enfrentaram a mais desastrosa operação de retirada de tropas de sua história desde o fim da Guerra do Vietnã.

O mundo inteiro assistiu a saída desordenada de tropas do Afeganistão, após vinte anos de guerra. Cenas que afetaram o prestígio da potência militar americana e chegaram a beirar a crise política em Washington.

Entretanto, em Wall Street, tudo continuou "business as usual". Ao contrário, mesmo com as cenas catastróficas vindo de Cabul, o mercado financeiro americano continuou registrando altas consecutivas.

O mercado não demonstrou interesse na derrota de Washington nas mãos do Talibã e na redução da dimensão geopolítica dos Estados Unidos.

Mas nem sempre foi assim. As bolsas de valores em Nova York reagiram muito mal após o ataque de 11 de Setembro de 2001. Ou após a invasão iraquiana do Kuwait em 2 de agosto de 1990.

Naquela época, a crise geopolítica que os Estados Unidos enfrentavam tinha profundas ramificações, certamente políticas, mas também e sobretudo econômicas.

Isso porque o 11 de Setembro foi a pior catástrofe sem precedentes históricos. Estava claro que a América tinha um novo inimigo invisível, o terrorismo. E que perderia o dividendo da paz herdado após a vitória sobre a União Soviética na Guerra Fria.

O impacto foi tamanho que, no dia 12 de setembro, a Bolsa de Valores de Nova York sequer abriu. O dólar registrou uma queda e o preço do ouro subiu de US$ 215 para US$ 287 a onça em poucas horas.

O Fed chegou a emitir um comunicado garantindo liquidez ilimitada.

Demorou um bom tempo antes que o mercado financeiro pudesse retornar a uma aparência de normalidade.

O Nasdaq passou de 3.300 pontos em junho para 2.200 pontos em setembro. O Dow Jones passou de 16.000 pontos para 13.000 pontos no mesmo período.

Isso também porque houve um impacto direto e imediato na economia americana. Os setores de aviação, transporte, turismo e seguros sofreram enormemente.

O mesmo, embora em menor grau, aconteceu quando o Iraque ocupou o Kuwait. O Nasdaq passou de quase mil pontos para 600 pontos, e o Dow Jones, de 6.000 para 4.000 pontos em poucos dias.

Essa instabilidade do mercado financeiro não foi vista com a crise do Afeganistão de 2021.

Quando se percebeu que o governo de Cabul seria atropelado pelo Talibã em poucos dias, contrariando todas as promessas do governo de Joe Biden, nada mudou em Wall Street.

Nem mesmo as previsões catastróficas do impacto que teria ocorrido em nível geopolítico tiveram consequências no mercado. O Nasdaq passou de 14.500 pontos em meados de agosto para quase 15.500 no final do mês. O S&P 500 caiu de 4.400 para 4.500.

Ambos bateram recordes históricos positivos. O único que sofreu um pouco foi o Dow Jones, que passou de quase 36.000 pontos em meados de agosto para 35.000 pontos no final do mês.

Mas essa queda não ocorreu por causa das imagens, das manchetes bombásticas ou pela percepção de derrota da América. O índice que representa as empresas do setor industrial caiu apenas por causa das preocupações com a inflação.

Além disso, as incertezas sobre quando o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, desacelerará a compra de títulos do mercado também contribuíram para essa leve queda. Entretanto, logo após que essas questões econômicas e financeiras internas foram esclarecidas, o índice Dow Jones voltou a atingir um novo recorde.

É evidente que hoje, no mercado financeiro, não há luzes vermelhas ligadas. E isso significa que existe uma profunda divergência entre a política de um lado e a economia e as finanças do outro.

Um "desacoplamento" total entre a política e a economia que pela primeira vez ocorre sobre um acontecimento que tem uma dimensão de época.

Uma das explicações para essa situação é a mudança radical da economia americana nos últimos 30 anos. Hoje a economia digital é muito mais importante do que a real. Até mesmo para a projeção da força americana no mundo.

Empresas como Google, Facebook, Apple, Amazon Microsoft juntas representam pouco menos de 50% de toda a economia da China.

Hoje as batalhas contra hackers que podem paralisar uma economia inteira são muito mais importantes do que missões militares em um deserto do outro lado do mundo.

A atuação de empreendedores brilhantes como Elon Musk, Jeff Bezos e Richard Branson, os primeiros a abrir a economia espacial para o desenvolvimento privado (em que a China está muito atrás), é sinônimo de hegemonia global americana.

A conclusão é que os mercados, cinicamente, mas de forma pragmática, reduziram a crise atual a um desenvolvimento lamentável e horrível para a população civil, mas totalmente desconectado da economia e das finanças.

Estamos em uma época em que a aceleração das mudanças sociais, tecnológicas e econômicas prevalece sobre tudo. E acaba orientando até a geopolítica.

A crise no Afeganistão, por mais catastrófica que possa ser, não tem condição de prejudicar a ordem econômica global nem a estrutura produtiva interna dos EUA.

Por isso, é bem provável que Wall Street acerta quando ignora eventos inexpressivos para os mercados, mas também quando desconta os desenvolvimentos futuros que ainda não pertencem à lógica, e as manchetes, de nossos dias.

*Carlo Cauti é editor multimídia da EXAME Invest.

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