Interesses e interessados
Uma das principais causas de investimentos equivocados continua a ser o desconhecimento sobre os interesses em jogo
CEO da Alocc Gestão Patrimonial
Publicado em 1 de agosto de 2024 às 07h29.
Última atualização em 1 de agosto de 2024 às 10h17.
Relacionamentos são sempre mediados por interesses.-É um fato natural, nem bom nem mal em si mesmo.-Os interesses, sim, variam do mais sublime ao mais baixo conforme a consciência de cada um. Quanto às relações, a condição para que sejam boas é serem justas e produtivas para todas as partes, e o indispensável é que os interesses de cada qual, melhores ou piores, sejam conhecidos e convergentes.
Bem, depois de mais de duas décadas gerindo patrimônios, é um tanto aflitivo constatar que uma das principais causas de investimentos equivocados continua a ser o desconhecimento sobre os interesses em jogo. De fato, na minha rotina no escritório, é muito raro um dia sem ter de explicar os diferentes interesses das várias instituições que oferecem serviços a investidores.
Em geral, o assunto vem à tona quando alguém chega para nossa primeira conversa esperando um cardápio de fundos, dicas sobre o mercado e recomendação de operações. Tenho, então, que esclarecer que não somos banco (nem private banking nem wealth management ) nem corretora (ou plataforma) nem agentes autônomos (ou assessores) de investimentos nem mesmo gestores de fundos (gestoras de recursos ou asset managements ).
Em reação, recebo a pergunta emoldurada por olhares perdidos: “Como assim? Eu achei que vocês cuidassem de investimentos... Então, eu devo procurar um banco, uma corretora?”.
A resposta depende do interesse particular de quem está diante de mim, e, para encontrá-la, lá vamos nós para um tour pelas instituições e seus interesses.
Original e essencialmente, bancos existem para intermediar transações financeiras, fornecendo crédito mediante a captação de recursos de terceiros-função da maior importância por permitir que o capital acumulado por investidores financie pessoas e empresas que necessitam de recursos por prazos definidos. Os instrumentos utilizados para captar são os títulos de renda fixa, e a remuneração do banco resulta da diferença entre os juros maiores, cobrados a quem toma emprestado, e os juros menores, pagos a quem investe; é o chamado “ spread bancário”.
Para atrair os recursos indispensáveis a essas transações, os bancos se tornaram hipermercados de produtos e serviços financeiros, empenham-se em garantir conveniência e se desdobram em caixas eletrônicos, sites e apps. Ainda que essas ofertas gerem tarifas, taxas e comissões relevantes para manter as imensas estruturas bancárias, permanecem como acessórios que só se justificam na medida em que contribuem para viabilizar o negócio principal; as operações de crédito, com prazos fixos.
Quando o investidor precisa de liquidez para um gasto programado ou para despesas do dia a dia, os interesses coincidem, e, aí, um banco é muito provavelmente sua melhor opção. Já quando se trata de uma carteira patrimonial, os interesses do investidor, que precisa de diversificação para o longo prazo, e do banco, focado na venda de títulos de renda fixa, estão descasados.
Eventualmente, após algumas contas, meu interlocutor e eu concluímos que, por ora, ele não dispõe de recursos para investimento de longo prazo e um banco sólido, com bom atendimento, é o que basta. Ele sai agradecido, e eu fico feliz por ter sido útil, torcendo para que tenha sucesso e, dentro de alguns anos, retorne para pensarmos juntos sobre o que fazer a longo prazo.
Quanto às corretoras, nem a conversão em plataformas de investimento, agregando a operação de títulos e a venda de fundos à tradicional negociação de ações, nem a filiação de agentes autônomos mudaram a sua natureza. O negócio delas continua a ser a intermediação de compras e vendas. Para quem pretende gerir ativos diretamente e operar no dia a dia, são o caminho mais prático, e as informações fornecidas por um bom corretor ou agente podem ser valiosas. É bem raro que alguém que me procure esteja disposto a isso, mas, sendo o caso, eu lhe desejo boa sorte e nos despedimos cordialmente.
Quem ficou na sala dispõe de mais do que o suficiente para alguns anos de vida, seu interesse é estender a duração do que possui e quer saber sobre as gestoras de recursos.
Explico que, com diferentes especialidades, elas desenham fundos como produtos com propósitos próprios (acompanhar ou superar certo índice, obter rentabilidades superiores à média dos investimentos a longo prazo etc.). Seu compromisso é com o desempenho do fundo, e sua remuneração está atrelada a ele, e não, aos resultados globais de um patrimônio pessoal. Quem tem um bom planejamento e conhece bem seus objetivos financeiros certamente pode encontrar produtos adequados. A dificuldade está em identificar o que lhe convém entre cerca de 800 gestoras e milhares de fundos avaliando a solidez da instituição e a qualidade e a consistência da gestão.
A grande maioria dos meus interlocutores não tem conhecimento, tempo ou disposição para tanto, e foi para eles que as gestoras patrimoniais ( family offices ) foram criadas.
Single (dedicados a uma só família de grande fortuna) ou multi (com estrutura compartilhada entre várias famílias), o papel de um family office é proteger e valorizar o patrimônio global do cliente a longo prazo. Para isso, analisa a vida patrimonial do cliente, antecipa riscos e indica soluções econômicas, deduz objetivos financeiros e elabora políticas de investimento adequadas a eles, executa o plano e acompanha a evolução da família e do patrimônio propondo ajustes quando necessário.
A depender da estrutura e da metodologia de cada escritório, as operações são realizadas diretamente ou por fundos selecionados, mas em qualquer hipótese, um family office deve ser remunerado integral e exclusivamente pelo serviço global prestado ao cliente, sem taxas avulsas, abstendo-se de receitas provenientes de outras fontes, comercialização de serviços e produtos de terceiros. Essa é a condição básica para o alinhamento aos interesses de longo prazo do cliente.
Seja qual for o seu caso, há uma instituição adequada para atendê-lo. O importante é conhecer os interesses; os seus, com análise e planejamento, e os delas, compreendendo o negócio e a fonte de receita de cada qual.