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Uma das principais causas de investimentos equivocados continua a ser o desconhecimento sobre os interesses em jogo

Sigrid Guimarães: o papel de um family office é proteger e valorizar o patrimônio global do cliente a longuíssimo prazo (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães: o papel de um family office é proteger e valorizar o patrimônio global do cliente a longuíssimo prazo (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães
Sigrid Guimarães

CEO da Alocc Gestão Patrimonial

Publicado em 1 de agosto de 2024 às 07h29.

Por Sigrid Guimarães*

Relacionamentos são sempre mediados por interesses. - É um fato natural, nem bom nem mal em si mesmo. - Os interesses, sim, variam do mais sublime ao mais baixo conforme a consciência de cada um. Quanto às relações, a condição para que sejam boas é serem justas e produtivas para todas as partes, e o indispensável é que os interesses de cada qual, melhores ou piores, sejam conhecidos e convergentes.

Bem, depois de mais de duas décadas gerindo patrimônios, é um tanto aflitivo constatar que uma das principais causas de investimentos equivocados continua a ser o desconhecimento sobre os interesses em jogo. De fato, na minha rotina no escritório, é muito raro um dia sem ter de explicar os diferentes interesses das várias instituições que oferecem serviços a investidores.

Em geral, o assunto vem à tona quando alguém chega para nossa primeira conversa esperando um cardápio de fundos, dicas sobre o mercado e recomendação de operações. Tenho, então, que esclarecer que não somos banco (nem private banking nem wealth management) nem corretora (ou plataforma) nem agentes autônomos (ou assessores) de investimentos nem mesmo gestores de fundos (gestoras de recursos ou asset managements).

Em reação, recebo a pergunta emoldurada por olhares perdidos: “Como assim? Eu achei que vocês cuidassem de investimentos... Então, eu devo procurar um banco, uma corretora?”.

A resposta depende do interesse particular de quem está diante de mim, e, para encontrá-la, lá vamos nós para um tour pelas instituições e seus interesses.

Original e essencialmente, bancos existem para intermediar transações financeiras, fornecendo crédito mediante a captação de recursos de terceiros - função da maior importância por permitir que o capital acumulado por investidores financie pessoas e empresas que necessitam de recursos por prazos definidos. Os instrumentos utilizados para captar são os títulos de renda fixa, e a remuneração do banco resulta da diferença entre os juros maiores, cobrados a quem toma emprestado, e os juros menores, pagos a quem investe; é o chamado “spread bancário”.

Para atrair os recursos indispensáveis a essas transações, os bancos se tornaram hipermercados de produtos e serviços financeiros, empenham-se em garantir conveniência e se desdobram em caixas eletrônicos, sites e apps. Ainda que essas ofertas gerem tarifas, taxas e comissões relevantes para manter as imensas estruturas bancárias, permanecem como acessórios que só se justificam na medida em que contribuem para viabilizar o negócio principal; as operações de crédito, com prazos fixos.

Quando o investidor precisa de liquidez para um gasto programado ou para despesas do dia a dia, os interesses coincidem, e, aí, um banco é muito provavelmente sua melhor opção. Já quando o objetivo é de longo prazo, seu interesse e o do banco, que precisa de liquidez certa, estão descasados.

Eventualmente, após algumas contas, meu interlocutor e eu concluímos que, por ora, ele não dispõe de recursos para investimento de longo prazo e um banco sólido, com bom atendimento, é o que basta. Ele sai agradecido, e eu fico feliz por ter sido útil, torcendo para que tenha sucesso e, dentro de alguns anos, retorne para pensarmos juntos sobre o que fazer a longo prazo.

Quanto às corretoras, nem a sua conversão em plataformas de investimento, agregando a operação de títulos e a venda de fundos à tradicional negociação de ações, nem a filiação de agentes autônomos mudaram a sua natureza. O negócio delas continua a ser a intermediação de compras e vendas. Para quem pretende gerir ativos diretamente e operar no dia a dia, são o caminho mais prático, e as informações fornecidas por um bom corretor ou agente podem ser valiosas.

É bem raro que alguém que me procure esteja disposto a isso, mas, sendo o caso, eu lhe desejo boa sorte e nos despedimos cordialmente. Agora, quem ficou na sala dispõe de mais do que o suficiente para alguns anos de vida, seu interesse é estender a duração do que possui e quer saber sobre as gestoras de recursos.

Explico que, com diferentes especialidades, elas desenham fundos como produtos com propósitos próprios (acompanhar ou superar certo índice, obter rentabilidades superiores à média dos investimentos a longo prazo etc.). Seu compromisso é com o desempenho do fundo, e sua remuneração está atrelada a ele, e não, aos resultados globais de um patrimônio pessoal. Quem tem um bom planejamento e conhece bem seus objetivos financeiros certamente pode encontrar produtos adequados. A dificuldade está em identificar o que lhe convém entre cerca de 800 gestoras e milhares de fundos avaliando a solidez da instituição e a qualidade e a consistência da gestão.

A grande maioria dos meus interlocutores não tem conhecimento, tempo ou disposição para tanto, e foi para eles que as gestoras patrimoniais (family offices) foram criadas.

Single (dedicados a uma só família de grande fortuna) ou multi (com estrutura compartilhada entre várias famílias), o papel de um family office é proteger e valorizar o patrimônio global do cliente a longuíssimo prazo. Para isso, analisa a vida patrimonial do cliente, antecipa riscos e indica soluções econômicas, deduz objetivos financeiros e elabora políticas de investimento adequadas a eles, executa o plano e acompanha a evolução da família e do patrimônio propondo ajustes quando necessário.

A depender da estrutura e da metodologia de cada escritório, as operações são realizadas diretamente ou por fundos selecionados, mas em qualquer hipótese, um family office deve ser remunerado integral e exclusivamente pelo serviço global prestado ao cliente, sem taxas avulsas, abstendo-se de receitas provenientes de outras fontes, comercialização de serviços e produtos de terceiros. Essa é a condição básica para o alinhamento aos interesses de longo prazo do cliente.

Seja qual for o seu caso, há uma instituição adequada para atendê-lo. O importante é conhecer os interesses; os seus, com análise e planejamento, e os delas, compreendendo o negócio e a fonte de receita de cada qual.

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