40 é o limite? Desde quando (e até quando) a vida profissional das mulheres tem data de validade
O etarismo é a discriminação de pessoas com mais idade pelo julgamento errôneo de que esse público é incapaz de exercer algumas funções. Na prática, esse preconceito atinge muito mais mulheres do que homens
Da Redação
Publicado em 19 de setembro de 2022 às 11h17.
Última atualização em 26 de setembro de 2022 às 19h04.
“Não tenho mais tempo”; “meu tempo já passou”; “me sinto atrasada”; “tenho medo de não ter mais oportunidades”. Essas foram algumas das expressões que apareceram na pesquisa feita pela Fin4She – plataforma que fundei com o objetivo de conectar mulheres e promover a equidade de gênero – com centenas de mulheres, sobre etarismo.
Por definição, o etarismo é a discriminação de pessoas com mais idade pelo julgamento errôneo de que esse público é incapaz de exercer algumas funções. Na prática, esse preconceito atinge muito mais mulheres do que homens. Quando se pensa em um profissional bem sucedido e experiente, acima dos 40 anos, é muito comum (infelizmente) imaginar um homem.
No imaginário coletivo, o profissional homem mais velho é visto como sênior, experiente, mais potente, mais preparado. Para o executivo, o grisalho é sinônimo de conhecimento e poder. Para nós, mulheres, os adjetivos mais comuns são “desatualizada, atrasada, sem agilidade”. Com o objetivo de entender melhor o impacto desse preconceito no dia a dia delas, lançamos uma pesquisa sobre como o etarismo impacta a carreira das profissionais. O resultado só reforça o que já sabíamos:
- quase metade das participantes já escutou comentários negativos sobre a própria idade no ambiente de trabalho;
- 70% delas já se sentiram não ouvidas por questões de idade;
- 52,7% têm a percepção de que a idade dificulta a ascensão na carreira;
- 73,5% dizem que a empresa não promove ações de combate à discriminação pela idade;
- 78,3% sentem que idade influencia mais a carreira das mulheres do que dos homens;
- 54,4% entendem que pessoas com menos de 40 anos têm mais oportunidades de promoção.
No total, a pesquisa recebeu 226 respostas de mulheres. Também deixamos um espaço para que escrevessem livremente sobre a própria experiência. A sensação coletiva é de que a carreira de mulheres tem data de validade: 40 anos. Muitas falam sobre não conseguir mais oportunidades após essa idade, não receber promoções, deixar de ser ouvida e até mesmo ser demitida.
São inúmeros os casos de profissionais que são cortadas de um processo seletivo assim que precisam informar a idade; ou ainda de mulheres que são cobradas por “naquela idade ainda não ter uma carreira estruturada e estabelecida”. Mas quem define o que é ser bem-sucedida? Isso não deveria caber apenas a nós mesmas?
De forma massiva, a pesquisa mostra a insegurança e o medo das mulheres com mais de 40 anos no mercado de trabalho. Foram vários os relatos de que o mercado não oferece mais oportunidades, de que o "tempo está acabando", que a chance já passou. Os números e os relatos escancaram o etarismo feminino no mundo corporativo.
Mas, ainda mais do que isso, o que a pesquisa realmente nos fez perceber é que a pressão e o preconceito sobre as mulheres ocorrem durante toda a vida profissional. Recebemos muitos relatos sobre o preconceito com mulheres jovens em cargos de liderança, que são consideradas inexperientes e incapazes.
Quando chegam na casa dos 30 anos, o "problema" é a maternidade, que é vista pelos empregadores como um peso e que vira uma preocupação para as mulheres. Não à toa, uma pesquisa do site Empregos.com.br mostrou que 35% das mulheres têm medo de engravidar e perder o emprego.
Depois disso, chegam os 40 anos, que parece ser o limite produtivo para nós. Mas, desde quando (e até quando) a vida profissional de nós, mulheres, tem data de validade?
Somos novas demais para liderar, ou somos velhas demais para isso, ou somos mãe. Parece sempre haver um problema. O que precisamos fazer é encontrar onde (ou em que) está o verdadeiro problema. E, o mais importante, como acabar com ele. Não somos inexperientes, não somos desatualizadas, não somos ultrapassadas e nossos filhos não nos fazem profissionais piores. Nós queremos mais, queremos ir além.
Quem foi que disse que mulheres de 40, 50, 60, 70 anos, com uma sólida e consolidada carreira, precisam parar de trabalhar? E se elas quiserem criar projetos, tocar iniciativas com propósito, fazer algo de diferente para a comunidade, para o setor em que trabalham, e [por que não?] para o mundo?
As empresas, instituições e organizações precisam implementar mecanismos de combate ao etarismo. Que tal fazer etapas de processos seletivos às cegas? Abrir programas de bolsas e de progressão de carreira sem limite de idade; ou então estruturar planos de carreira que não acabem nos 40 anos.
Por aqui eu tenho 38 anos, e estou apenas começando a minha jornada empreendedora na Fin4she. Eu me reinventei profissionalmente e comecei a minha empresa após a maternidade. Nunca estive tão fora da zona de conforto, estudando, aprendendo coisas novas diariamente e o que eu mais percebo em relação a idade é a qualidade dos relacionamentos. Quantas pessoas incríveis tenho a oportunidade cada vez mais de me conectar, com profundidade e verdade. São verdadeiras aulas que só a maturidade nos permite vivenciar e principalmente, apreciar.
Talvez não tenhamos as respostas de como resolver o problema do etarismo feminino no mundo corporativo, mas precisamos refletir e cobrar para que o cenário mude em algum momento. Precisamos alimentar e renovar os nossos sonhos frequentemente e não esquecer da importância do exemplo, do legado que queremos deixar para as próximas gerações. Afinal, a vida profissional das mulheres não tem data de validade.
*Carolina Cavenaghi é cofundadora e CEO da Fin4she, uma plataforma que conecta e impulsiona negócios e pessoas através da diversidade. É responsável por liderar e implementar projetos que promovem o protagonismo e a independência financeira feminina, buscando ampliar e fortalecer a presença de mulheres no mercado de trabalho. É a idealizadora do Women in Finance Summit Brazil e do Young Women Summit, eventos que já reuniram milhares de pessoas. Foi executiva da Franklin Templeton por mais de dez anos e trabalha no mercado financeiro desde 2006. Atualmente mora em Teresina, no Piauí, é mãe do Tom e do Martin e, através da Fin4she, tem a missão de transformar a forma como o mercado e as pessoas se conectam com a equidade de gênero.