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Sapato não é isca para atrair mulher investidora, diz economista

Mulheres não investem tanto quanto os homens e ainda têm uma relação de conflito com o dinheiro. A seguir, a economista Itali Collini explica o porquê

Itali Collini: "Você abre sites de investimento e não vê imagens de mulheres" (Jorge Junior, da JRG Comunicação/Divulgação)

Itali Collini: "Você abre sites de investimento e não vê imagens de mulheres" (Jorge Junior, da JRG Comunicação/Divulgação)

Júlia Lewgoy

Júlia Lewgoy

Publicado em 8 de março de 2018 às 05h00.

Última atualização em 10 de maio de 2018 às 17h57.

São Paulo - A relação das mulheres com o dinheiro ainda tem muito a avançar – e isso vai além da igualdade de salários. Elas são minoria entre os brasileiros que investem seu dinheiro e ainda enfrentam relações pessoais financeiramente abusivas.

Uma pesquisa do GuiaBolso divulgada no Dia Internacional da Mulher mostra que mulheres investem 29% menos que homens, em média, ao comparar as mesmas faixas de salário. No Tesouro Direto, as mulheres representam 30% dos investidores e, na B3, apenas 23%. 

Para explicar em que pé estamos e como podemos avançar para reduzir a desigualdade de gênero nas finanças, o site EXAME entrevistou a economista Itali Collini, co-fundadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Raça (Genera) da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e da Incluser, plataforma focada em diversidade no mercado de trabalho.

Na entrevista, a economista faz críticas à abordagem do mercado financeiro para atrair investidoras e explica por que as mulheres são mais conservadoras na hora de investir. Uma pista: não tem nada a ver com a biologia. A seguir, confira a entrevista completa.

As mulheres ainda investem menos que os homens em aplicações financeiras, mesmo quando ganham o mesmo salário. Por quê?

Não tem uma explicação só. A desigualdade de gênero nos investimentos pode ser explicada em parte pelos estereótipos de gênero. A sociedade espera que os homens sejam os provedores e gestores e não incentiva as mulheres a falar sobre dinheiro. Mesmo mulheres em posição de liderança designam para seus parceiros a função de gestão financeira.

Um dado histórico do Brasil também compõe esse contexto. Até 1962, nós, mulheres, não podíamos ter CPF, nem conta no banco. Nossas avós tinham necessariamente que pedir dinheiro para comprar qualquer coisa, ou seja, nosso histórico de possibilidades de acessar o mundo financeiro é de 56 anos.

Além do homem estar historicamente ligado à função financeira, mulheres sempre ganharam menos e isso se reflete no nosso comportamento. Hábitos financeiros levam mais tempo para mudar do que a condição salarial. Se as mulheres não veem oportunidades de aprender e se sentem acuadas para lidar com números, investimentos vão ser uma barreira. É sempre mais fácil reproduzir o que aprendendemos.

A falta de incentivo e a própria comunicação do mercado financeiro também são outros fatores. Você abre sites de investimento e não vê imagens de mulheres. Vivemos em um mundo em que a comunicação alimenta a sociedade e a sociedade alimenta a comunicação. Se não quebrarmos a cadeia, não vamos conseguir mudar isso.

O mercado financeiro erra na abordagem ao tentar incentivar que mais mulheres invistam? Como podemos evoluir?

Uma comunicação mais inclusiva vai atrair mais mulheres. Os símbolos do inconsciente só vão ser mudados se fizermos um esforço ativo. Promover encontros só de mulheres para falar de finanças também vai ajudar.

Ao contrário do que muitas pessoas dizem, isso não é excludente. Estamos tentando acabar com a desigualdade de modo acelerado. Se quisermos acelerar, vamos ter que criar espaços mais seguros, onde as mulheres não tenham medo de ser julgadas.

A Bolsa já tem algumas iniciativas para falar com mulheres, mas é importante que as instituições financeiras públicas e privadas entendam que, para isso, não é preciso reproduzir estereótipos do feminino.

Mulheres investem muito mais na comunidade, na família e na educação do que os homens. Não investem em gastos supérfluos ou na ação da Renner porque a empresa vende roupas. É preciso trazer as mulheres para a conversa, mas com criatividade, sem campanhas estereotipadas. Sapatos de salto na imagem não atraem mulheres para investir.

Em faixas salariais mais altas, a desigualdade entre homens e mulheres que investem é ainda maior. Por quê?

Quando pensamos em um público que vai acessar investimentos mais elaborados, que exigem mais conhecimento, a noção de que os homens seriam mais qualificados se intensifica. Somos educadas para sermos mais avessas a risco, mais conservadoras com o dinheiro.

Mulheres são mais conservadoras que os homens na hora de investir ou esse é mais um estereótipo?

As pesquisas mostram que as mulheres são, de fato, mais avessas a risco. Mas isso é reflexo de uma construção social, não da biologia. Preferimos não correr riscos para não sermos criticadas.

O comportamento das mulheres ao investir está ligado à falta de confiança. Temos um nível de exigência conosco maior que os homens, e isso se reflete no mundo das finanças. Preferimos evitar investimentos mais sofisticados porque isso pode quebrar nossa confiança e credibilidade.

Por outro lado, sermos mais conservadoras não é um problema. Precisamos incentivar as mulheres a entender sobre investimentos mais sofisticados para tomar decisões esclarecidas e mais seguras.

Nas famílias com renda mais baixa, há mais mulheres que ocupam a posição de chefes do lar. A relação dessas mulheres com o dinheiro é diferente?

É diferente no sentido de que elas são tomadoras de decisão, mas como o acesso à informação sobre investimentos e finanças pessoais é menor, também não há grande incentivo para investir. O que elas geralmente fazem, quando acham possível, é colocar o dinheiro na poupança.

Como a educação financeira pode contribuir para reduzir a desigualdade de gênero?

Na faculdade de Economia, ainda se escutam coisas como “você entrou aqui para arranjar marido”. Dentro da sala de aula, se reproduzem mensagens que não são bacanas. Além de ter aulas de finanças na universidade, precisamos falar de finanças pessoais no ensino médio. Mas, além disso, precisamos falar de finanças de um jeito que não seja excludente.

Pequenas colocações que chamamos de piadas acabam reforçando algumas mensagens negativas. Muitas pessoas percebem o que acontecem e não falam nada. É preciso questionar quando essas situações acontecem.

Uma mudança cultural profunda envolve todos, inclusive mulheres que também reproduzem estereótipos. Nós, mulheres, precisamos entender nosso papel na sociedade. Vamos ouvir coisas desagradáveis e vamos precisar apoiar outras mulheres.

Por que o empoderamento financeiro das mulheres é importante? Essa é uma conversa só sobre dinheiro?

É crucial que, no mundo em que vivemos, as mulheres tenham possibilidade de saída, e isso só acontece com independência financeira. Muitas mulheres que sofrem violência doméstica permanecem em relações abusivas porque não têm como sustentar a casa. Violência patrimonial também é violência.

Quando um marido que assume o cartão de crédito da esposa e não deixa ela fazer nada sem autorização, ele está sendo violento. E se dependermos financeiramente de um marido por opção, é importante construir uma relação em que o homem entenda que ele não é nosso dono só porque é dono do dinheiro.

Investir é uma forma de trazer estabilidade e confiança para a mulher também ter seus próprios projetos e poder empreender se desejar. É importante entender sobre investimentos para ter independência para realizar projetos pessoais e se tornar protagonista da própria vida, não somente para ficar rica.

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