Minhas Finanças

Por que o juro do cartão de crédito ainda vai cair muito

Executivo com 30 anos de experiência no setor de cartões diz que a chegada ao Brasil de um instrumento bastante comum nos EUA vai obrigar os bancos a disputar os clientes

Décio Burd, ex-diretor da CSU: "balance transfer" ajudará bom pagador a obter juro baixo (Divulgação)

Décio Burd, ex-diretor da CSU: "balance transfer" ajudará bom pagador a obter juro baixo (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 16 de fevereiro de 2011 às 07h33.

São Paulo - Os juros do cartão de crédito vão cair no Brasil nos próximos anos devido ao aumento da concorrência entre os bancos, segundo Décio Burd, executivo com mais de 30 anos de experiência no setor de cartões e que trabalhou em empresas como Credicard e CSU Cardsystem. Hoje, a maior parte desse mercado está concentrada nas mãos de quatro grandes bancos: Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil. Se o cliente paga 100% do valor da fatura até a data do vencimento, não há cobrança de juro nenhum. A única despesa será com a anuidade do cartão. Mas muita gente no Brasil tem o hábito de pagar somente um percentual da fatura à vista e parcelar o resto. É o que os bancos chamam de crédito rotativo. Os juros cobrados sempre que esse serviço é utilizado custam em média 10,69% ao mês, ou estratosféricos 238,3% ao ano, segundo pesquisa da Associação Nacional de Executivos de Finanças (Anefac).

Os bancos costumam apresentar uma série de explicações para taxas tão altas. Entre elas, estão os elevados custos para a captação de recursos no mercado, a inadimplência elevada, a inexistência de um cadastro de bons pagadores e a carga tributária pesada. Mas não há dúvidas que juros de três dígitos são uma das maiores distorções da economia brasileira. O que os bancos não dizem é que a falta de concorrência entre as instituições financeiras também permite que o setor de cartões seja fonte de margens de lucro onerosas ao consumidor. Para o cliente, não faz muito sentido mudar de banco para ter o cartão de crédito de outra instituição financeira porque praticamente todos cobram taxas muito elevadas. Não é à toa que técnicos do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) chegaram à conclusão de que o sistema financeiro brasileiro funciona como um oligopólio.

Segundo Décio Burd, o que vai mudar esse cenário não é a queda da Selic ou uma canetada do governo, mas uma operação de crédito que se torna cada vez mais popular nos Estados Unidos e que, em algum momento, chegará ao Brasil. Chamada de "balance transfer", essa operação funciona da seguinte maneira: uma instituição financeira se oferece para comprar a dívida contratada por uma pessoa física no banco que emitiu o plástico. Quitada a dívida antiga, o consumidor passa a ser devedor do banco menor, onde será titular de um novo cartão. O plástico poderá ter a bandeira da preferência do cliente, seja Visa, Mastercard ou qualquer outra. A diferença é que sobre aquela dívida antiga que foi transferida serão cobrados juros de 4% ou 5% ao mês - e não mais de 10,7%.

Qual é a mágica?

As taxas não serão menores por caridade da nova emissora do plástico. Essa instituição, que provavelmente será um banco pequeno ou uma instituição financeira, terá uma estrutura de custos mais baixa por não ter de abrir agências em todo o país. A financeira irá consultar o histórico de pagamentos de empréstimos desse cliente antes de oferecer a ele por meio de um call center o novo cartão com juros mais baixos. Se chegar à conclusão de que o risco de inadimplência é baixo, poderá oferecer o serviço cobrando bem menos – e ainda assim lucrar.

Para avaliar o risco, a financeira que decidir lançar o serviço no Brasil não terá as mesmas armas de avaliação disponíveis nos EUA, onde cada consumidor tem uma nota de crédito que varia de acordo com seu histórico de pagamentos. O chamado cadastro positivo, que revelaria essas informações ao mercado, chegou a ser aprovado no Congresso no final do ano passado, mas o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu posteriormente vetá-lo. Ao mesmo tempo, Lula encaminhou outra medida provisória ao Congresso que recria o cadastro positivo, mas o texto ainda depende da aprovação de deputados e senadores para virar lei.


Em 2006, o governo até regulamentou a possibilidade da portabilidade do crédito - ou seja, a transferência de uma dívida de um banco para outro. Na prática, entretanto, dificilmente uma pessoa física consegue melhores taxas de juros no banco onde ainda não é cliente porque não consegue comprovar que tem histórico de bom pagador. Somente com a aprovação do cadastro positivo os bancos saberão o quanto um consumidor já está endividado, quais dívidas foram pagas em dia e quais ficaram ou permanecem pendentes.

Com o cadastro positivo em funcionamento, o banco poderá consultar informações disponíveis na Serasa ou no SCPC para avaliar quem são os clientes que valem a pena ser conquistados. É a esses consumidores que serão oferecidos juros bem mais baixos. Não é à toa que a equipe econômica do governo, que já identificou o problema da falta de concorrência bancária, tem sido uma grande defensora do cadastro positivo. Quando presidente, Lula cansou de criticar o spread bancário e manifestar seu descontentamento com o fato de que a queda da Selic não era repassada ao consumidor final em modalidades como o cartão de crédito.

O "balance transfer" já é viável?

Para Décio Burd, mesmo sem o cadastro positivo, o serviço de "balance transfer" já poderia começar a ser oferecido no Brasil - ainda que sem a mesma eficiência. As financeiras possuem hoje algumas informações sobre o histórico dos correntistas bancários. A inadimplência já pode ser consultada nos bancos de dados da Serasa ou do SCPC - o que não está lá é o histórico de bom pagador e o total de dívidas tomadas. O próprio cartão de crédito carrega a informação sobre há quanto tempo alguém possui aquele plástico - e isso pode ser usado como um critério para separar bons e maus pagadores.

Em relação à legislação brasileira, não há impeditivos. Instituições financeiras autorizadas a operar pelo Banco Central podem emitir cartões. Para que esses plásticos tenham a bandeira Visa ou Mastercard, por exemplo, basta que a financeira feche um acordo com essas multinacionais.

Para conquistar clientes, uma financeira não precisaria abrir agências. Poderia ser usada mala direta ou anúncios na mídia para que o serviço fosse oferecido – o mesmo expediente utilizado para vender outros serviços. Haveria também um call center que atenderia o interessado e faria o cadastro. Após a checagem do histórico de pagamento dessa pessoa, o plástico poderia ou não ser emitido. Em caso positivo, o cartão seria então enviado ao cliente, que só teria a ganhar porque começaria a consumir com um plástico mais barato que o do grande banco.


Por mais inacreditável que possa parecer, nos Estados Unidos algumas empresas de cartão chegam a oferecer cartões com juro zero por períodos que vão de 6 a 12 meses. Apenas transcorrido esse tempo é que o cliente começa a pagar juros no crédito rotativo. Lógico que, após esse período, o banco começará a ter um bom retorno - senão iria tentar ganhar dinheiro em outro mercado. De qualquer forma, promoções como essa aumentam o poder de atração do produto.

Cuidados

Nos EUA, os bancos só costumam oferecer juro zero por períodos de até 12 meses na transferência da dívida do cartão a americanos que possam comprovar um excelente histórico de pagamento. Segundo o site americano "The Motley Fool", especializado em investimentos e finanças pessoais, o juro zero também pode ser enganoso, já que outras taxas podem estar camufladas. Além dos juros e das taxas, antes de tomar uma decisão, é necessário comparar se os dois cartões oferecem anuidades parecidas, as mesmas políticas de ressarcimento em caso de fraudes ou milhagens e outros benefícios compatíveis.

A reportagem do "The Motley Fool" afirma que o consumidor precisa ainda se certificar se a taxa zero ou os juros mais baixos oferecidos por outro banco servem tanto para as dívidas transferidas da instituição onde ele já tem conta quanto para os novos débitos. Entre outros truques, é possível que a empresa que emitiu o novo cartão estabeleça que o cliente precisará pagar primeiro a dívida antiga – de juro zero ou baixo – e só depois começará a quitar o débito novo – de juro mais alto.

Mesmo que a transferência da dívida não tenha nenhuma dessas ressalvas, o consumidor deve lembrar que o juro será zero apenas no começo do contrato. É interessante, portanto, aproveitar esse período de carência para quitar as dívidas. A empresa de cartões aposta justamente que o cliente não vai conseguir fazer isso quando oferece o período de taxa zero. Do contrário, nem disponibilizaria o serviço.

Apesar de todos esses cuidados, Décio Burd afirma que o "balance transfer" poder ser um excelente negócio para o consumidor brasileiro no futuro. Se a operação se tornar comum no Brasil, o spread bancário terá de cair tanto no crédito rotativo quanto em outras modalidades de empréstimo para pessoas físicas para que o banco não perca competitividade. Afinal, se alguém tiver um limite de endividamento no cartão pré-aprovado com juros de 4% ao mês, por exemplo, por que essa mesma pessoa pagaria 6% no cheque especial ou no CDC como acontece o tempo todo atualmente? "O bom de viver no Brasil é que eu não preciso prever como será o futuro. Basta olhar para os EUA. O que ninguém pode prever é quando o 'balance transfer' ser tornará realidade", diz Burd. Seria melhor se fosse rápido.

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