Os fundos selecionados
O paraense Marco Aurélio Cavalcante Mendonça, de 26 anos, sempre acreditou no significado do ditado citado acima -- mas até agora ele só arriscou, sem sucesso em nenhuma de suas investidas como empreendedor. Apesar da ainda curta trajetória profissional, Mendonça viveu uma série de fracassos empresariais. E junto veio o estigma de incompetente. Desde 1998, […]
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h33.
O paraense Marco Aurélio Cavalcante Mendonça, de 26 anos, sempre acreditou no significado do ditado citado acima -- mas até agora ele só arriscou, sem sucesso em nenhuma de suas investidas como empreendedor. Apesar da ainda curta trajetória profissional, Mendonça viveu uma série de fracassos empresariais. E junto veio o estigma de incompetente. Desde 1998, já se envolveu em três empreendimentos que consumiram tempo, muito dinheiro e só trouxeram prejuízo, além de deixar o paraense arrastando dívidas.
O primeiro, enquanto ainda morava em Belém do Pará, foi uma tacada no escuro: um canil. Sem nenhuma experiência em veterinária, Mendonça foi aos Estados Unidos e trouxe duas fêmeas e um macho de uma raça de cães de médio porte, especiais para trabalho com gado. Para isso, pegou dinheiro emprestado em banco (1,8 mil dólares), na expectativa de devolver quando nascesse a primeira ninhada. Mas as coisas não saíram como o planejado, e logo dois animais morreram. Não satisfeito, Mendonça importou mais uma fêmea. Dessa vez teve sorte: nasceram sete filhotes. Com a venda deles, pagou a importação do último animal e as despesas de abertura da empresa. O canil continua ativo -- mas, depois da primeira ninhada, Mendonça voltou à estaca zero no capital de giro e ainda ficou com o empréstimo no banco para pagar.
Ao mesmo tempo em que atacava de dono de canil, Mendonça entrou como sócio numa boate, outra área sobre a qual não entendia praticamente nada. "Achei que era um bom negócio e resolvi arriscar", diz. Para colocar a casa em funcionamento, comprou mercadorias no cartão de crédito e se endividou no cheque especial. Em apenas quatro meses o lugar fechou as portas, deixando o empreendedor com mais um passivo de 4 mil reais, entre aluguel e fornecedores. Quem acredita que depois de tudo isso Mendonça desistiu, engana-se. Em 2000, ele se viu envolvido de novo em um negócio mirabolante: um site de comércio eletrônico. Como ficar sócio se estava sem dinheiro? Pedindo emprestado mais 6 mil reais, que logo foram perdidos porque o site não decolou.
Mendonça tem um histórico de problemas financeiros semelhante ao de muitas outras pessoas no país. Nunca controlou seus gastos, não tem nenhuma reserva financeira, vive contando com o limite do cheque especial para fechar o orçamento e costuma se endividar no cartão de crédito. "Mal consegui preencher a tabela do orçamento para esta entrevista", afirma Mendonça, que ganha 3 mil reais líquidos por mês e tem aluguel e gastos com carro pagos pela empresa em que trabalha atualmente. Como se sua vergonha e auto-recriminação já não bastassem, Mendonça -- formado em administração e pós-graduado em finanças -- se tornou alvo de piadas na família. "Como alguém pós-graduado em finanças não consegue ajustar a própria vida financeira?", questiona-se. "Já fui chamado de incompetente e de coisas bem piores."
Cansado de se meter em frias, ele se mudou para Imperatriz, no interior do Maranhão, disposto a reverter a situação. Desde a mudança, não se envolveu em nenhum negócio que trouxesse novas dívidas. Começou a trabalhar numa empresa de retífica de motores que existe há 23 anos e assumiu consigo mesmo o compromisso de dar certo. "Não sou um fracassado aos 26 anos." Para ajudá-lo a reconstruir sua autoconfiança e a se livrar dos péssimos hábitos em relação ao dinheiro, VOCE s.a. levou seu caso para Fernando Tendolini, gestor da Fator Administradora de Recursos.
O que fazer
A situação do administrador paraense só vai mudar, na opinião de Tendolini, se ele modificar sua atitude em relação ao dinheiro. Mendonça quer ser empresário, mas em todas suas investidas estava descapitalizado. Sem considerar outras alternativas, pediu empréstimos e se enrolou numa profusão de dívidas. Mau começo, segundo o gestor da administradora de recursos. "Há muita gente com o sonho de ser empresário -- e, para atingi-lo, não hesita em se endividar", diz. "Manter um novo negócio nos primeiros anos já é bastante difícil, pior ainda se contar com linhas de crédito muito caras e de curto prazo." E Mendonça usou e abusou do cheque especial e do cartão de crédito, duas fontes de recursos que cobram juros altíssimos. "São quase 180% ao ano só no cartão de crédito", diz Tendolini. Outro problema, segundo o gestor, é que ele se meteu em negócios sobre os quais não entendia nada. "Para aumentar a chance de ser bem-sucedido, é essencial focar em algo em que o empresário já tenha experiência mínima."
Refazer o orçamento
A mudança de atitude só vai se refletir numa melhora se as dívidas atuais forem pagas. Os débitos de Mendonça, hoje, são: dívidas de crédito pessoal em dois bancos, cheque especial estourado em duas contas correntes e cartão de crédito (veja tabela de passivos). Não há como eliminá-los de uma só vez porque, atualmente, ele não tem liquidez -- já que não possui reservas. O único bem que o paraense tem é um automóvel cotado em aproximadamente 20 mil reais. Se vendê-lo, pagará suas dívidas, mas não lhe sobrará mais nada. O primeiro passo para quitar o que deve é elaborar uma planilha de custos mês a mês. Ela o ajudará a saber exatamente em que está gastando. "A uma taxa de juro média de 10% ao mês, sua dívida subirá para 15 mil reais em um ano, e ele já não vai conseguir mais nem pagar os juros com sua sobra mensal", lembra o gestor. Se não controlar a situação agora, em um ano o administrador estará quebrado. De acordo com os cálculos de Tendolini, Mendonça deve ter uma sobra de aproximadamente 1,6 mil reais todos os meses. O paraense diz que já está amortizando suas dívidas com uma parcela desse montante, mas não sabe para onde está indo grande parte dessa sobra. "Sem organizar uma tabela de orçamento, esse dinheiro deve estar escorrendo pelo ralo, em despesas que ele não percebe", analisa Tendolini.
Liquidar as dívidas
"Imagino que ele esteja pagando perto de 500 reais por mês só de juros", calcula o gestor. De posse de uma planilha de gastos mais detalhada -- que pode ser feita no computador ou simplesmente anotando os gastos diários num caderno --, caso Mendonça esteja mesmo conseguindo economizar 1,6 mil reais todo mês, ele deve usar esse dinheiro para cobrir os juros e começar a amortizar as dívidas, até quitá-las totalmente. Qual deve ter preferência? Aquela que cobra taxa de juro mais alta. (Atualmente, Mendonça paga 4,5% na linha de crédito pessoal, 10% de juros no cartão e em torno de 9% no cheque especial.)
Fazendo isso, Mendonça levará aproximadamente seis meses para eliminar todos os débitos. "Considero que em janeiro ele não vai ter como amortizar a dívida, já que precisa pagar o IPVA -- de 900 reais", diz Tendolini. "Ele só vai ter o suficiente para cobrir os juros." O gestor lembra ainda que, à medida que as dívidas vão sendo eliminadas, o montante de juros mês a mês também diminui. Assim, a sobra mensal pode aumentar e, se Mendonça destiná-la inteiramente para o pagamento de suas contas, será possível quitar o restante num prazo mais curto que o previsto. "Depende só de ele segurar o orçamento."
Adiar os planos
A partir de junho ou julho de 2002, Mendonça terá pago tudo o que deve aos bancos e à operadora do cartão de crédito. Assim, poderá começar a construir uma poupança. Por isso, nem pode pensar num curso de MBA ou numa viagem ao exterior, como planejava fazer no ano que vem. "O segundo semestre de 2002 é para se capitalizar", avisa Tendolini. A sobra de 1,6 mil reais deve ser aplicada num fundo DI, para não colocar em risco essa economia mínima inicial.
Quanto ao MBA que planejava cursar, Mendonça diz que a empresa onde trabalha se dispõe a entrar com uma parcela da mensalidade. Mas, na verdade, ele estaria contraindo uma nova dívida sem ter nada no banco. "Se fizer isso, ele vai reincidir no padrão de endividamento", lembra Tendolini. Já a viagem que Mendonça quer fazer aos Estados Unidos -- "para aproveitar uma passagem interna que eu já paguei e vou perder" -- é absolutamente impensável. "Para quem está com a corda no pescoço, perder 300 dólares não faz diferença. Ele não tem dinheiro para gastar, mesmo que a viagem dure apenas uma semana", diz o gestor. Se quiser mesmo mudar de vida, MBA e viagem ao exterior, só em 2003, ou quando tiver guardado o suficiente para pagar os dois sem contrair novos empréstimos.
Mudar a forma de lidar com o crédito
Esse deve ser apenas o começo de uma grande mudança. A relação do paraense com o dinheiro sempre foi complicada. Agora, ela deve ser simplificada. De início, pode cortar duas contas correntes. "Quanto mais bancos, mais chance de se endividar no cheque especial de novo", diz Tendolini. O mesmo serve para os dois cartões de crédito que possui. Mas a questão primordial é perder o hábito de contrair dívida atrás de dívida toda vez que decidir se engajar num novo negócio. "É melhor esperar para juntar o montante necessário antes de se jogar de cabeça em algo novo", aconselha o gestor. Mendonça tem hoje um bom salário. Poderia viver melhor se não tivesse cometido tantos erros estratégicos no início. Mas ele está longe de ser um fracassado: as lições do passado devem ajudá-lo a crescer a partir de agora. Tendolini concorda e lembra: "Muitos milionários de Wall Street faliram quatro ou cinco vezes antes de se tornar bem-sucedidos".
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Aluguel da casa
em Belém
1 000,00
Total de receitas
3 000,00
DESPESAS COM MORADIA
Aluguel
Condomínio
Luz
Telefone residencial
Celular
Total 1
OUTRAS DESPESAS
Alimentação
Plano de saúde
Aluguel de fitas de vídeo
Jornais e revistas
Empregada
Combustível
Seguro do carro
Manutenção do carro
IPVA
Taxas bancárias
(três contas)
Lazer
Livros e discos
Barbeiro
Total 2
Total de despesas 1
Sobra mensal
PATRIMÔNIO | |
Quais são os ativos e passivos de Marco Aurélio Mendonça -- em reais | |
ATIVOS | |
Carro | 20 000,00 |
Total de ativos | 20 000,00 |
PASSIVOS | |
Cheque especial | |
Bradesco | 1 500,00 |
Cartão de crédito | 1 350,00 |
Cheque especial HSBC | 1 000,00 |
Crédito pessoal | |
Bradesco | 1 680,00 |
Crédito pessoal HSBC | 375,00 |
Total de passivos | 5 905,00 |
DIVIDA EM DOLAR | |
Passagem aérea | US$ 1 |
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