Operador de ações trabalhando na bolsa de valores: Pesquisas mostram que com mais informações, investidor pode errar mais ao tomar decisões (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 14 de setembro de 2014 às 20h07.
São Paulo – Assim como o excesso de e-mails e tarefas paralelas podem tirar o seu foco e afetar o seu desempenho no trabalho, o excesso de informações também pode prejudicar suas decisões de investimento.
Segundo um estudo realizado por Martin Hilbert e Priscila López, da Annenberg School for Communication & Journalism, da Universidade do Sul da Califórnia, a edição de domingo do jornal The New York Times contém mais informações do que um inglês médio teria em toda a sua vida no século XVIII. Esse maior acesso à informação pode ser positivo em muitos aspectos, mas cada dia fica mais evidente que é preciso saber lidar com esse turbilhão de dados para que não tenhamos problemas com isso.
Um clássico estudo sobre investimentos, citado pelo site Fox Business, mostra como estar muito informado nem sempre se reverte em melhores resultados. De maneira resumida, a experiência consistiu em transmitir a apostadores de corridas de cavalos diferentes quantidades de informações sobre uma série de corridas. Ao final do estudo, aqueles que receberam apenas cinco informações foram melhores em suas previsões do que o grupo que recebeu 40 (incluindo as mesmas cinco informações do outro grupo).
Os reflexos do excesso de informações para os investidores têm sido cada vez mais estudados. Existe, inclusive, um conceito que define a questão, denominado “analysis paralysis”, que, em tradução livre, significa algo como "paralisia da análise", estado no qual as pessoas ficam petrificadas e não conseguem tomar uma decisão depois de ficarem sobrecarregadas por um excesso informações.
O assunto é tema da palestra "Como enfrentar o excesso de informações no século XXI", ministrada por Paulo Bittencourt, diretor técnico da Apogeo Investimentos, empresa do grupo Vinci Partners. Ele utiliza referências de Umberto Eco e Eric Hobsbawm para discutir o excesso de informações e seus impactos nos investimentos.
Conforme Bittencourt explica, assim como em “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, a trama gira em torno de uma biblioteca, que não pode ser acessada por qualquer pessoa e possui um labirinto, nós também enfrentamos limitações no acesso às informações no mundo virtual. “Uma das questões que ‘O Nome da Rosa’ apresenta é que a biblioteca é testemunha da verdade e do erro. A internet também não seleciona informações, existem erros e verdades, e se a pessoa não for experiente o bastante para filtrar os erros no meio da verdade, ela pode confundir mais do que aproveitar os dados aos quais ela tem acesso”, afirma.
Ele prossegue explicando que a obra de Eco também evidencia a fixação do ser humano por listas e pela catalogação de dados. E o Google, a maior lista que possuímos hoje, seria a prova disso. “O Google lembra o labirinto de Umberto Eco. Para uma pessoa experiente, que sabe filtrar informações, ele é ótimo; mas para a pessoa que não sabe filtrar é uma armadilha. A lista que aparece para uma pessoa no Google à medida que ela faz perguntas não é a mesma apresentada a outras pessoas”, diz.
Por causa desta pré-seleção, não seria recomendável digitar no campo de busca do Google: “Onde devo investir” ou “Quais são os melhores investimentos”. Caso você não tenha um nível de conhecimento básico sobre as aplicações, os links mostrados podem confundi-lo mais do que ajudá-lo.
Usando como referência a obra de Hobsbawm “Globalização, Democracia e Terrorismo”, Bittencourt explica que o século XXI é muito mais complexo do que os anteriores e isso se traduz em três palavras: globalização, democracia e terrorismo. “Nós vemos que essas três características mudaram radicalmente a dinâmica da busca de investimentos: com a globalização nós somos afetados rapidamente pelas informações; com a democracia temos muito mais entrantes no mercado de capitas e as empresas são mais livres; e com o terrorismo, apesar de não se falar muito mais sobre guerra transnacionais, temos muitas guerras regionais.”
Como tomar decisões de investimento diante dessa realidade?
Em primeiro lugar, é preciso frisar que o excesso de informação pode ser prejudicial, mas isso não significa de maneira alguma que os investidores devam pecar pelo outro extremo e parar de se informar. A chave da questão é saber selecionar as informações que são qualificadas em meio ao turbilhão de dados que recebemos.
Conforme Bittencourt explica, nós arquivamos uma quantidade enorme de “lixo” porque diariamente somos estimulados a guardar uma série de arquivos que achamos que vamos consultar futuramente.
O mesmo estudo da Universidade do Sul da Califórnia citado no início da matéria mostra como isso pode afetar nossa decisão. Os autores comprovaram que, em certo ponto do dia, depois de receber muitas informações, nosso cérebro fica tão cansado que ele chega a um estado de sobrecarga e isso nos leva a reduzir a nossa capacidade cognitiva de tomar decisões. “Isso significa que não adianta sacrificar o cérebro com um monte de informação porque a partir de certo ponto chegamos ao limite e nossa capacidade de decisão diminui”, comenta Bittencourt.
Filtre as informações
Um dos antídotos para isso seria filtrar as informações. Na prática, isso significa que não devemos digitar no Google: “A previdência privada é um bom investimento?” e ler os dez primeiros textos da página de resultados na hora de pesquisar onde investir para a sua aposentadoria. Em vez disso, devemos buscar informações apenas em fontes confiáveis, como em veículos de mídia especializados, em livros e com especialistas.
Ao consultar um especialista, por exemplo, o investidor em potencial abre sua vida para que o profissional faça um diagnóstico sobre sua situação financeira e selecione apenas as opções de investimento que condizem com os prazos, objetivos e perfil do cliente.
“Quem está iniciando seus investimentos deve buscar fontes com um grau de confiabilidade maior. Se o investimento for em ações, qual é o melhor lugar para obter informações básicas? Site da Bolsa. É importante mesclar as fontes, evitando se restringir às fontes direcionadas para o investimento e buscando fontes isentas, como textos acadêmicos e a própria mídia especializada” diz o diretor da Apogeo.
Alguém interessado em comprar um imóvel, por exemplo, não deve apenas buscar informações no estande de vendas. Apesar de os vendedores fornecerem importantes informações sobre a área do imóvel, a planta, etc., também é preciso buscar referências sobre o bairro, o preço de outros imóveis e outras informações que no "showroom" podem não ser oferecidas de forma imparcial.
Defina uma estratégia de investimento
Em um estudo sobre escolhas de investimentos citado no site Snider Advisors, pesquisadores descobriram que quando há menos opções temos mais facilidade em tomar decisões de investimentos. Por isso, o ideal seria encontrar o perfeito equilíbrio entre a inércia e o excesso de análise. Segundo o artigo, precisamos de informações, mas sem nos pressionar tanto a ponto de ficarmos petrificados diante de uma decisão. E a chave para isso seria adotar uma linha de estratégia de investimentos bem definida que não implique em excesso de pesquisa nem em decisões irracionais.
Para definir essa linha, por exemplo, você pode consultar um profissional ou fazer um teste qualificado que mostre qual é o seu perfil de investimento. Dessa forma, ao descobrir, por exemplo, que você é conservador, os investimentos mais arriscados podem ser desconsiderados e você passa a estudar apenas os investimentos mais indicados ao seu perfil.
Entenda a base dos investimentos
Outra orientação para não analisar em excesso os investimentos é entender o funcionamento básico das aplicações financeiras. O mesmo estudo citado no site Snider Advisors mostrou que pessoas com bom conhecimento básico tendem a ser menos afetadas pela sobrecarga de informações.
“Se a pessoa não tem base, ela corre o risco de não perceber que uma informação é parcial e pode absorver tudo. Quem tem um interesse maior pode buscar livros básicos sobre o assunto, o que é uma espécie de consultoria indireta com o autor do livro. Ao passar dessa fase, a pessoa passa a usar um filtro diferente. Ela consegue receber diversas informações e filtrar o que faz sentido”, diz Bittencourt.
Existem alguns livros de educação financeira, por exemplo, que são mais indicados para quem está começando a investir.
Crie seu próprio banco de dados e seja organizado na busca
Outra dica seria organizar melhor as informações que você tem a seu dispor. Para isso, o diretor da Apogeo sugere que a busca seja feita em fases, que sejam impostos limites e que o investidor crie um banco de dados próprio. “Ao decidir se vale mais a pena investir no banco 'A' ou 'B', forme seu banco de dados sobre o assunto e não armazene informações que não vão ser utilizadas. As informações sobre investimentos ficam velhas muito rapidamente. Por isso, ao guardar tudo, você corre o risco de armazenar informações sobre 'investimento em avestruzes' que são ultrapassadas”, diz o diretor da Apogeo, em referência a um esquema de pirâmide do início dos anos 90 que envolvia o investimento na ave.
Bittencourt também sugere que sejam utilizados gráficos, mapas e ilustrações, já que recursos visuais podem contribuir ainda mais para a organização das informações.
Ao investir em ações filtre as informações duplamente
Diariamente são divulgadas milhares de notícias que afetam os mercados acionários. É a redução do estímulo do FED, a situação na Europa, os indicadores nacionais, entre outras. Uma vez que infinitas questões podem afetar o desempenho de uma ação, buscar ficar a par de tudo o tempo inteiro, além de ser impossível, pode levar o investidor a cair novamente na questão da “analysis paralysis”. Por isso, ao investir em ações é importante fitrar ainda mais as informações e elencar aquelas que são mais relevantes.
Talvez seja mais importante, por exemplo, pensar sobre os fundamentos da empresa na qual você investe e em suas perspectivas do que no desempenho do Ibovespa. Afinal, a empresa na qual você investe pode ter um comportamento totalmente oposto ao do índice.
E aqui também vale a dica de organizar as informações em um banco de dados próprio. Dividir em dois quadros os fatores macroeconômicos que podem afetar a empresa e os fatores setoriais, por exemplo, pode facilitar sua análise.