Minhas Finanças

Dose dupla

Os gêmeos Rafael e Renato vieram sem avisar. Agora, a família Abreu precisa de paciência e perseverança para equilibrar suas contas

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h33.

O ano de 2001 vai ficar marcado para sempre na vida de Álvaro Henrique e Cláudia Ferraz de Abreu. De um lado, a coisa complicou; mas, do outro, ficou alegre e divertida em dose dupla. Bom, os Abreu levaram anos para estruturar a vida financeira da família - composta pelo casal e a filha Jéssica, uma menininha de 10 anos que escreve poesias como gente grande. Mas, para desestabilizar, bastou um deslize. Quando finalmente conseguiram rendimentos que garantissem um orçamento flexível no final do mês, Cláudia descobriu que estava grávida de gêmeos. Os planos de comprar um apartamento e eliminar o aluguel tiveram de ser adiados. Em substituição, entraram fraldas, enxoval e todo aquele estoque de minicoisas que acarretou maxigastos com os bebês. "Eu já tinha até dado entrada num apartamento", conta Abreu, um atuário - profissional que trabalha com seguros e previdência - de 32 anos. "Tive de voltar atrás porque não ia dar conta de pagar tudo." Em contrapartida, hoje eles têm os gêmeos Renato e Rafael, dois lindos bebês de 6 meses de idade.

Na verdade, Cláudia e Álvaro nem se surpreenderam tanto com a gravidez. "O susto foi ter dois de uma só vez", diz ela. Ser pegos de surpresa por uma gravidez parece tradição. A filha mais velha também veio ao mundo de supetão. Eles tinham 21 anos e pouco tempo de namoro, em 1990, quando Cláudia descobriu que estava grávida. Em semanas, os dois se viram envolvidos com os planos de casamento às pressas. Menos de nove meses depois chegou Jéssica.

Naquela época, para dar conta de sustentar a pequena família, Álvaro trancou o curso de engenharia civil e começou a trabalhar. O primeiro emprego foi de taxista, aproveitando o potencial turístico de Salvador, onde moravam. Anos mais tarde, porém, ele se viu desempregado e decidiu mudar para São Paulo. Decidiu também que aquela era a hora de pensar em sua vida profissional -ela tinha permanecido em compasso de espera por muito tempo. Passou no vestibular em uma área que considerava promissora (ciências atuariais) e arranjou emprego de assistente num escritório durante a semana. Trabalhava também numa lanchonete aos sábados e domingos. "No começo, a gente não tinha dinheiro para nada. Eu ganhava 300 reais como estagiário", lembra Álvaro. Moravam com os pais, é certo, mas Álvaro deu duro, impôs organização nas contas e as coisas começaram a se ajeitar.

Depois da decisão inicial de investir na carreira, a vida profissional do atuário foi progredindo, seu salário aumentando e, finalmente, eles conseguiram mudar da casa dos pais, em 1998. Alugaram um apartamento no bairro do Ipiranga, em São Paulo, e desde então as coisas têm saído como o programado. "Planejei que em 2001 estaria ganhando 5 mil reais", diz ele. Os rendimentos de Álvaro como prestador de serviços autônomo hoje chegam a mais de 6 mil reais. "Acho que nosso esforço valeu a pena."

O casal volta, agora, a se preocupar com a compra de um imóvel próprio. Afinal, não há nada que pague a sensação de segurança de garantir um lar para as crianças. Para isso, estão economizando ao máximo. Jéssica, por exemplo, está incumbida da tarefa de checar diariamente o relógio de luz. "Com os bebês, a gente corre o risco de passar da cota fácil, fácil", diz Cláudia. Supérfluos também foram cortados. O lazer da família se limita a uma volta no shopping nos fins de semana, uma ida ao cinema e uma passadinha no McDonald's para Jéssica. Mesmo assim, está difícil economizar o suficiente para dar entrada num apartamento. Os gastos essenciais do mês ficam em torno de 6mil (veja o quadro ao lado). Sobram perto de 760 reais que Álvaro aplica religiosamente num fundo DI, com saldo atual de 4mil reais. Cláudia trabalha apenas meio período. Quando está fora, deixa os bebês num berçário e Jéssica na escola. Seu salário de 400 reais vai para compras menores, do dia-a-dia, e não entra no orçamento geral da família. Preocupados em atingir seus sonhos, os Abreu entraram em contato com VOCÊ s.a., que levou o caso a Charles Ferraz, responsável pela pesquisa de investimentos do Boston Asset Management, do BankBoston.

O que fazer
Álvaro calcula que deva gastar aproximadamente 130 mil reais na compra de um apartamento de três ou quatro quartos na zona sul de São Paulo. O casal ainda sonha em trocar de carro. Querem comprar um maior para transportar a família com mais conforto e segurança. Como não há muito o que cortar nas despesas atuais, Ferraz sugere que eles primeiro se preocupem em eliminar duas dívidas que ainda têm: a do crédito educativo da faculdade de Álvaro e a das prestações do Corsa Sedã que possuem. Depois, aconselha que tenham paciência, muita paciência, para acumular poupança.

Pagar as dívidas caras
O maior obstáculo da família para guardar dinheiro neste momento são as dívidas. Mas nenhuma das duas é supérflua ou foi contraída à toa. A primeira - um crédito educativo - foi o pontapé inicial para a carreira de Álvaro. Sem ela, talvez hoje o casal não pudesse nem planejar seu futuro. Faltam ainda 121 prestações de 193,50 para terminar de quitá-la. Álvaro está pagando juro de 0,5% ao mês, baixo na opinião do economista Ferraz. "Por isso, mesmo que tivessem o dinheiro para pagar tudo à vista, não valeria a pena", explica.

Já no caso do carro, a taxa de juros cobrada é de 2% ao mês. "Mais alta do que ele pode conseguir de retorno numa aplicação em fundo DI", diz ele. "O problema é que essa diferença está saindo de um lado, sem entrar do outro, nas aplicações financeiras." Para dar jeito na situação, o economista prevê duas possibilidades. Na primeira hipótese, Álvaro deveria tentar um abatimento no restante da dívida (que é atualmente de 10 758 reais, faltando 33 prestações de 326 reais para serem pagas). O desconto mínimo competitivo teria de ser igual ao rendimento médio dos fundos DI - o total cairia para 9124 reais. Se isso acontecesse, ele poderia usar os 4 mil reais que tem para amortizar uma parte desse valor e ainda pagar duas prestações a mais todo mês com a sobra de 760 reais em seu orçamento. A dívida seria quitada mais rapidamente, só que nesse caso Álvaro zeraria seu fundo DI de reserva de emergência.

Ferraz considera, entretanto, outra opção mais viável. Nela, Álvaro manteria os 4 mil reais como uma pequena reserva no fundo DI e começaria a poupar os 760 reais no mesmo tipo de fundo com a finalidade de pagar a dívida do carro no menor tempo possível. "Acho difícil que dêem um abatimento razoável nessa dívida", explica o economista. "Por isso, considero a segunda opção melhor." Além disso, a reserva de emergência que Álvaro tem (os tais 4 mil reais) não banca um único mês de seus gastos fixos. Seria preciso economizar os 760 reais por mais 17 meses para atingir o equivalente a três meses da despesa da família nas bases atuais (ou 17 mil reais). Mas, de qualquer modo, com dois bebês em casa é indicado que ele tenha alguma reserva, mesmo que pequena. Seguindo a segunda sugestão, em aproximadamente dez meses ele teria o valor suficiente para quitar o carro de uma só vez (se Álvaro tiver guardado suas sobras mensais exclusivamente para isso). E ainda manteria 4 mil reais corrigidos pela inflação como um pequeno colchão de segurança.

Estabelecer prioridades
A partir de então, com o carro quitado, a família Abreu teria uma folga maior todos os meses: 760 reais mais os 326 da prestação que deixaram de pagar. Poderiam passar a economizar aproximadamente 1,1 mil reais com regularidade. Nesse momento, deveriam definir suas prioridades. Álvaro tem dois objetivos: trocar o carro por um maior e comprar um apartamento. Segundo Ferraz, a decisão mais racional e fria não seria o apartamento. Pagando aluguel, ele não precisaria se preocupar com reformas feitas pelo condomínio, os problemas no apartamento e os impostos que vêm com a compra de um imóvel. Além disso, o aluguel custa 0,5% ao mês, bem menos do que remunera um fundo DI, por exemplo. Ou seja, financeiramente ele não deveria ter pressa para comprar o imóvel. "Mas como é que você vai dizer a um pai de três filhos que não compre sua casa própria?", pergunta o economista. "A carga emocional envolvida nessa decisão é muito grande. Entendo a ansiedade dele." Ele ainda completa: "Uma coisa é ver tijolos, paredes e móveis que são seus. Outra é ter um valor impresso num extrato de banco".

Poupar para o apartamento
Caso a decisão tomada seja pela compra do apartamento, há duas palavras-chave para que a família consiga atingir o seu sonho: paciência e perseverança. A entrada de um imóvel geralmente fica em torno de um terço de seu valor. No caso da família Abreu, esse montante deve ser de 43,3 mil reais (ou seja, 30% de 130 mil reais). Juntando o 1,1 mil que sobra por mês - com os 4 mil reais que eles já têm guardados -, o tempo de espera seria de 37 meses. "É, sim, muito tempo, mas não há outra opção", afirma Ferraz. "Contrair uma dívida para dar a entrada é impensável."

Ao longo desse tempo, a receita do casal pode aumentar - ou as despesas podem reduzir - e a capacidade de poupar aumenta. Se isso acontecer, o tempo para juntar 43 mil reais diminui. Quando encontrarem o apartamento ideal, ele sugere que entrem num financiamento. Supondo que assumam uma dívida de 70% do valor do imóvel, por 12 anos, eles teriam uma prestação de 1 330 reais aproximadamente. É preciso lembrar que esse valor poderá, sim, ser pago uma vez que já estarão economizando o aluguel e mais os 1,1 mil reais poupados por mês. Com esse compromisso, a disciplina da poupança precisará ser seguida à risca se não houver nenhum incremento na renda do casal. "O que parece pouco provável diante do progresso de Álvaro na carreira."

Ferraz sugere ainda que o casal procure um apartamento com até dez anos de uso. Um imóvel dessa idade ainda é considerado novo, dá poucos problemas, não exige grandes reformas e já pode ser adquirido com uma desvalorização bastante considerável no preço. "Em um edifício novo existem os gastos para equipar o playground, decorar o hall do edifício...", lembra. "Num apartamento mais antigo, isso já está pronto."

Continuar poupando
Em 2005, os Abreu estarão morando num imóvel próprio (é claro que ainda terão um financiamento pela frente) e terão um carro com quatro anos de uso. "Eles vão ter dois ativos e um grande passivo nas mãos", lembra Ferraz. Mantendo rédea curta nos gastos, podem começar a economizar para comprar o carro. Lembrando: o casal não estará mais pagando aluguel (economia de 658 reais), mas terá uma prestação de 1 330 reais todos os meses. Se estiverem com o mesmo salário, a sobra mensal será de 410 reais. É indicado ainda que esperem mais tempo para trocar de carro e, quando o fizerem, também dêem preferência a um usado. Além disso, depois da mudança, é hora de rever despesas como taxa de condomínio, gastos adicionais de locomoção, custos legais da compra, IPTU e seguro do imóvel. "Tudo isso precisa ser calculado antes de pensar no carro novo." A essa altura, Jéssica será uma adolescente às voltas com a escolha da profissão e o vestibular. Os gêmeos, Renato e Rafael, já não serão mais bebês. E, com carro novo ou sem ele, a vida da família estará bastante mudada.

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