Diante de alta da inflação, Banco Central pode subir os juros para perto dos 8% no final do ano (Ueslei Marcelino/Reuters)
Bianca Alvarenga
Publicado em 13 de setembro de 2021 às 16h26.
Última atualização em 13 de setembro de 2021 às 16h27.
O Brasil vive, outra vez, um quadro de inflação em disparada. Todos os índices que acompanham o custo de vida dos brasileiros acumulam ganhos nos últimos meses, em razão de uma série de fatores: alta do dólar, encarecimento das commodities no mercado externo e demanda doméstica mais aquecida.
Para tentar se proteger da alta dos preços, muitos brasileiros pularam de galho em galho entre os índices inflacionários. Houve quem trocou o Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M) pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no reajuste do aluguel. Outros escolheram o IPCA como indexador do financiamento imobiliário.
Agora, com o IPCA escalando para a casa dos 9% e o IGP-M perdendo força -- embora ainda acumule alta de mais de 30% nos 12 meses até agosto -- muitas dessas escolhas começam a ser questionadas. Para não cair na armadilha fácil de analisar o que já foi, o ideal é que o plano agora seja o de se proteger da alta dos preços, seja qual for o indicador em questão.
A escalada do IGP-M levou o índice para o maior patamar desde 2002. Embora seja diretamente influenciado pelos preços para o setor produtivo (como o próprio nome do IGP-M sugere), o indicador é usado para reajustar contratos de alugueis residenciais no país. Em outras palavras: é o preço do dólar e das commodities ditando o ritmo do custo de moradia de quem é inquilino.
"Nem o IGP-M e nem o IPCA são índices ideais para reajustar contratos de aluguel. O IGP-M mede a inflação 'na porta da fábrica', e o IPCA mede o custo de vida. Nenhum dos dois tem ligação forte com mercado imobiliário, que é influenciado por outros fatores", observa Braz, da FGV.
Ele pondera que, não existindo um índice específico para os alugueis, o IPCA parece ser a melhor alternativa, pois é um índice menos "dolarizado" -- ou seja, menos influenciado pelo câmbio e pelos preços praticados no mercado internacional.
Para fugir de um reajuste de mais de 30%, muitos locatários pediram a troca do IGP-M pelo IPCA nos contratos de locação. Embora a decisão tenha sido acertada na maior parte dos casos, agora que o IPCA começou a subir a ladeira, esses inquilinos voltaram a perder o sono, pensando no próximo reajuste.
A má notícia é que não há muito para onde correr, nesse caso. O professor da FGV lembra que o IPCA deve terminar 2021 na casa dos 8% e que o IGP-M deve ficar próximo dos 20%. Sendo assim, embora o reajuste pelo IPCA seja doloroso, principalmente em um contexto de desemprego alto e renda encolhendo, ele tende a ser menor do que o que seria, caso o indicador de referência fosse o IGP-M.
"Para 2022, a previsão é que o IPCA fique em 4%, acima da meta estabelecida pelo Banco Central, que é de 3,5%. Já o IGP-M deve ser de 7%, em um patamar ainda alto, mas bem diferente do que tivemos em 2020 e 2021", explica o economista da FGV.
O ciclo de queda nos juros, que durou até março passado, levou os bancos a ampliarem as opções para o crédito habitacional. Uma das modalidades que surgiu no passado recente foi a de financiamento com juros calculados por uma taxa fixa + a variação da inflação (IPCA).
Com a alta do índice, os mutuários que escolheram essa modalidade já estão vendo as parcelas subirem. Atualmente, somente a Caixa e o Banco do Brasil oferecem o crédito imobiliário com juros do IPCA para seus clientes -- no caso do Banco do Brasil, a opção só está disponível para o segmento de alta renda.
As taxas partem de 3,55% + IPCA ao ano na Caixa, e de 3,45% ao ano + IPCA no Banco do Brasil. No contexto atual, isso representa um custo de quase 14% ao ano. Para comparação, a forma mais tradicional do financiamento imobiliário, a que usa uma taxa fixa + a Taxa Referencial (que atualmente está zerada), tem custo na casa dos 7% ao ano, em média.
Se o mutuário não tem condições de amortizar e quitar o financiamento no curto prazo (em três ou quatro anos), o ideal é que ele busque a portabilidade para outra linha de crédito, que não a do IPCA.
A EXAME questionou a Caixa e o Banco do Brasil sobre alternativas dadas a clientes que financiaram suas casas com os juros indexados à inflação.
O Banco do Brasil não respondeu às perguntas da reportagem, e a Caixa afirmou o seguinte: "Sobre as possibilidades de renegociação, o banco esclarece que disponibiliza várias alternativas negociais a seus clientes, sendo uma delas a possibilidade de alteração da modalidade do indexador do financiamento. Os contratos indexados ao IPCA podem alterar para o Poupança CAIXA".
Lembrando que a modalidade Poupança Caixa nada mais é do que uma linha de crédito habitacional cujos juros são calculados por uma taxa fixa (que parte de 3,35%) somados ao rendimento da caderneta de poupança. O rendimento da poupança, por sua vez, é determinado pela taxa básica de juros, a Selic -- a caderneta rende 70% da Selic.
O problema é que juros e inflação andam de mãos dadas no Brasil. A taxa Selic voltou a subir justamente porque o IPCA acelerou. Sendo assim, o investidor que migrar da taxa IPCA para a taxa Poupança continuará exposto ao risco inflacionário da mesma forma.
É importante considerar que as projeções dos economistas para a Selic no final do ano estão na casa dos 8%, o que poderá levar a taxa Poupança para mais de 11%. O ideal é que a migração ocorra para a modalidade tradicional: a de juros fixos + a TR. O mutuário pode tentar negociar diretamente com o banco concedente de crédito.
Para quem não contratou ainda o crédito imobiliário, é importante ter cautela com as modalidades de financiamento atreladas à inflação e aos juros, dado o cenário de alta da Selic e IPCA ao longo dos próximos meses.
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