Aquiles Mosca, do Santander: investidor deve ter manual de sobrevivência contra si mesmo (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 30 de dezembro de 2013 às 10h13.
São Paulo - Milhões de razões podem levar alguém a perder dinheiro no mercado acionário. Falta de sorte, viradas inesperadas da bolsa e assimetria de informação estão entre as principais. Quando se trata de prejuízos que poderiam ter sido evitados, no entanto, é bastante comum que tenham sido causados por fatores emocionais e comportamentais do próprio investidor. "O processo decisório humano está repleto de imperfeições oriundas de características inatas e tendências inconscientes, muitas delas resultantes do próprio processo evolutivo da raça humana", diz Aquiles Mosca, estrategista de investimentos da Santander Asset Management e autor do livro "Finanças Comportamentais".
Entender como funciona o cérebro e aprender a dominar o coração e os nervos, portanto, podem ajudar o investidor a melhorar sua performance. Ensina o estrategista do Santander: "No meio aeronáutico, costuma-se dizer que aviões não caem, mas são derrubados. (...) O mesmo vale para os investimentos em bolsa." Abaixo e nas próximas páginas, EXAME.com apresenta os dez fenômenos comportamentais mais comuns que podem prejudicar um poupador. A lista foi elaborada a partir de um compilado de frases colhidas durante uma entrevista com Aquiles Mosca e em seu livro:
1 – O efeito certeza - A maior parte da população não está disposta a correr riscos para ganhar dinheiro. Diversos estudos comprovam que, em períodos longos de tempo, as bolsas de valores tendem a apresentar uma rentabilidade superior à da renda fixa. Mas as pessoas não gostam de conviver com a ideia de retornos variáveis. Para evitar perdas ainda que momentâneas, muita gente descarta a possibilidade de investir em ações. A explicação psicológica é que o estresse associado a uma perda é significativamente maior que o prazer associado a um ganho da mesma proporção. O efeito prático é que os recursos investidos em renda fixa superam facilmente as participações em bolsa na maior parte dos países. Para superar o efeito certeza, o investidor deve dar um passo de cada vez. Uma primeira iniciativa interessante seria alocar um pequeno percentual do dinheiro disponível em ações. Aplique apenas entre 5% e 10% dos recursos poupados na bolsa com uma perspectiva de resgate sempre superior a um ano. Não acompanhe o desempenho das ações diariamente. À medida que os benefícios da paciência ficarem claros no médio e longo prazo, o investidor automaticamente ganhará a confiança necessária para aumentar a carteira de ações.
2 – O fenômeno da representatividade - Informações que recebemos no presente ou no passado recente exercem importante influência sobre nossa capacidade de julgamento e tomada de decisão. Nossa avaliação referente a eventos futuros é, em grande parte, uma extrapolação do que estamos vendo no presente ou do que vimos há pouco tempo. É por isso que, quando a performance da bolsa é positiva em um mês, podemos ter certeza que no mês seguinte a bolsa receberá fortes aportes de investimentos de pessoas físicas. A tendência de tentar prever o futuro com base no passado assemelha-se a conduzir um carro com base no que estamos vendo no retrovisor - com resultados igualmente desastrosos. É provável que quem compra ações após um período de alta esteja pagando caro pelo ativo. Esse erro é tão comum que toda modalidade de investimento, bem como suas propagandas e prospectos, precisam vir acompanhadas da frase "rentabilidade passada não é garantia de rentabilidade futura". Parece então um erro conhecido e simples de ser evitado. Porém, como toda tendência comportamental inata e inconsciente, evitá-la não é fácil.
O que funciona nesse caso é definir um portfólio ideal para seu perfil de investidor e fazer realocações constantes em prazos pré-determinados. Se alguém chegou à conclusão de que aceita tomar risco somente até o ponto de investir 30% dos recursos poupados em bolsa, mantendo os outros 70% em renda fixa, deve periodicamente rebalancear a carteira para se manter nessa proporção. Se a bolsa subiu 50% e o investidor passou a deter 45% de suas economias aplicadas em ações, portanto, deve vender o percentual necessário para atingir o que foi definido como ideal. Se as ações caíram, então o investidor deve tirar recursos da renda fixa para colocar na bolsa. Essa realocação deve ser feita a cada três meses – embora não exista um prazo ótimo definido. A estratégia soa simples, mas exige muita disciplina. É difícil tirar dinheiro de um investimento vencedor para colocar em outro que naquele momento parece perdedor. Mas essa é a única forma de garantir que o investidor estará comprando na baixa e vendendo na alta. Um estudo mostra que 94% dos melhores gestores dos Estados Unidos fazem isso. Já os gestores que são capazes de adivinhar a hora certa de entrar e sair do mercado podem ser contados nos dedos.
3 – O fenômeno da saliência ou disponibilidade - A humanidade tem uma tendência natural de dar grande peso e atenção a histórias e relatos e pouca importância a estatísticas e números. Esse fenômeno resulta do fato de que, ao longo da evolução humana, a principal forma de transmissão de conhecimento ocorreu, e continua ocorrendo, por meio do relato falado e escrito. São fatos salientes aos olhos do observador que influenciam sua capacidade de julgamento. Um bom exemplo para ilustrar o fenômeno da saliência é o fato de que as vendas de passagens aéreas caem sempre que ocorre um acidente de grande repercussão na mídia. Muita gente sabe que estatisticamente a aviação é o meio de transporte mais seguro. Mesmo assim, muita gente adia viagens de avião sob o efeito das imagens de um avião destroçado. Pelo mesmo motivo, as ações de empresas aéreas costumam registrar perdas nos dias que se seguem a um desastre. O bom investidor deve estar ciente de que o cérebro possui tais limitações. É necessário ser racional ao investir. O conselho do rebalanceamento constante é uma forma de não se deixar levar por aspectos emocionais na bolsa.
4 – O efeito manada – Esse é um dos fenômenos comportamentais mais conhecidos e debatidos pelo mercado. Mesmo assim, pode ser observado o tempo todo. Imagine uma ação que esteja caindo a partir de uma explicação pouco convincente. Isso não impede que outras pessoas fiquem impressionadas pelo desempenho negativo do papel, vendam suas posição e acentuem a tendência de baixa. Afinal, uma forma de simplificar o processo decisório é simplesmente seguir o grupo. Errar em companhia da maioria é menos estressante, ao passo que conviver com as conseqüências de um equívoco em virtude de um posicionamento oposto ao do grupo é um constrangimento que a maioria evita a todo custo. O efeito manda em momentos de alta do mercado é a principal explicação para a formação de bolhas. Um dos problemas de se identificar uma bolha é que quanto mais tempo ela dura, menos se parece com uma. Muitos investidores veem a valorização do mercado e não querem ficar de fora. Eles extrapolam para o futuro a tendência de a valorização continuar ocorrendo. Então vemos na mídia com grande alarde notícias sobre a alta que está ocorrendo. É claro que ninguém quer ficar de fora e mais ordens maciças de compra são disparadas.
O problema é que nenhum preço sobe para sempre. Em determinado período, vem o recuo nas cotações. Uma hora ou outra, serão divulgados balanços que mostrarão que houve exagero nas cotações. Neste momento, muitos investidores vão relutar em se desfazer do ativo. Porque ganharam muito até agora, acreditam que não há motivo para desespero. A ganância fala alto. Alguns pregões a mais de recuo dos preços e o número de vendedores começa a aumentar. A bolha estoura e atinge a maioria. A disciplina e o rebalanceamento são a única forma de não ser mais uma vítima. Siga a manada enquanto os fundamentos derem sustentação ao movimento do mercado. Mas deixe o conforto da manada quando esse não for mais o caso. O receio número um das pessoas comuns na gestão de patrimônio é de ficar pobre enquanto os outros enriquecem. Mas é um erro temer mais a perda de uma oportunidade do que a perda de dinheiro.
5 - O viés de autoatribuição – Ocorre quando atribuímos a nós mesmos os louros por eventuais ganhos que são do mercado como um todo ou resultantes de sorte. Em 2007, muita gente achava que sabia ganhar dinheiro na bolsa devido aos resultados positivos obtidos em um período excepcional para o mercado de ações. Mas o excesso de confiança gerado por bons retornos costuma virar um problema. A pessoa tende a colocar mais dinheiro do que deveria em ações num momento em que o mercado está caro. Outro comportamento comum é achar que possui alguma habilidade extraordinária para entender o funcionamento do mercado. Nesse caso, o investidor costuma começar a girar demais a carteira. A história mostra que isso dá pouco resultado. Em primeiro lugar, porque aumenta os custos de corretagem e o pagamento de Imposto de Renda. O investidor também corre o risco de perder dias de grande alta nos momentos em que fica fora da bolsa. Há pesquisas que mostram que o desempenho extraordinário das ações se concentra em um punhado de bons pregões. Eventuais habilidades acima da média do gestor não compensam o risco de perder pregões de forte alta e os custos mais elevados de corretagem.
Um terceiro problema do viés de autoatribuição é que eventuais fracassos passam a ser atribuídos a fatores externos ou fora de controle. A máxima do investidor com excesso de confiança é: "Cara, eu ganho. Coroa, é falta de sorte". Por não saber admitir que errou, a pessoa tem mais dificuldade em se desfazer de ativos perdedores, o que pode comprometer a rentabilidade de toda a carteira. Uma forma de evitar esse equívoco é usar ordens "stop". Colocar um preço de venda do ativo para limitar as perdas caso as coisas não saiam como o esperado é um elemento adicional de disciplina. Eu recomendo o uso tanto de ordens "stop loss" quanto "stop gain". Para aumentar a segurança, é melhor definir as ordens já no momento em que a ação é comprada.
6 – O excesso de informação – O ser humano tende a imaginar que terá maior chance de fazer a escolha certa se estiver munido do máximo possível de informação. Os estudos mais robustos realizados até hoje apontam, no entanto, que as decisões acertadas são tomadas com base em um conjunto muito limitado de informações. São considerados apenas os dados de altíssima relevância para a decisão que está sendo contemplada. Ampliar demais o número de informações pode ser nocivo porque o ser humano não é capaz de processar todos os dados relevantes para o comportamento do mercado financeiro.
O que o investidor precisa fazer é entender o que o mercado está considerando importante para o desempenho de uma ação em determinado momento. Informações adicionais devem ser colocadas de lado para não perder o foco no que é relevante. Um número exagerado de informações também pode fazer com que o investidor se sinta mais bem-preparado que o resto do mercado para tomar determinada decisão. O excesso de confiança resultante disso pode levar aos mesmos erros explicados no viés de autoatribuição.
7 – A ancoragem – O ser humano possui a tendência inata de guardar o primeiro valor a que tem contato de uma ação como se fosse o valor justo. Se um papel é vendido a 30 reais numa oferta inicial de ações, por exemplo, os investidores tendem a achar que, após uma baixa, aquele patamar do primeiro pregão será em breve recuperado. A ancoragem é um atalho mental ou uma regra de bolso que usamos para facilitar e abreviar o processo de julgamento e tomada de decisão. Mas a valorização esperada só vai ocorrer se houver fundamentos que a sustentem. Muitas vezes o preço inicial de uma ação embutia expectativas de forte crescimento. Ancorar-se naquela cotação como se fosse o preço justo pode distorcer todo o trabalho de análise do valor da companhia. A melhor forma de fugir da ancoragem é avaliar quanto vale uma ação de acordo com o último balanço divulgado pela empresa e depois avaliar qual seria seu preço futuro no melhor e no pior cenário. Com isso, o investidor consegue distinguir qual é o valor de uma ação que pode ser sustentada por seu balanço e qual é o componente especulativo na cotação do papel. Com base nesses valores é que o investidor vai determinar os patamares de compra e venda do papel. Do contrário, a âncora pode levar o investidor a afundar junto com ela.
8 – O efeito disposição – É derivado da ancoragem. Ocorre quando um investidor fica emocionalmente ligado ao preço de aquisição de um ativo perdedor e decide vendê-lo apenas quando o valor inicial for recuperado. O problema é que isso pode nunca acontecer, aumentando cada vez mais as perdas. Por ser desagradável, a perda é algo que tentamos evitar a todo custo. E ela só se materializa no mercado no momento da venda do papel. O problema é que a perda também é um evento inerente ao investimento em bolsa. Reconhecer esse fato é a maneira mais fácil de não cair nessa armadilha.
9 - A mordida da serpente - Perdas significativas incorridas no passado ficam registradas na memória do investidor. É como se fosse um trauma. Quando perdemos muito dinheiro com uma ação, nunca mais queremos comprá-la. O problema é que o investidor acaba com uma carteira muito restrita e menos diversificada em mãos – o que só contribui para elevar o risco de seus investimentos. O mesmo pode ser observado em relação a investimentos no exterior. Muita gente acha que aplicar dinheiro em outro país é mais arriscado. Afinal, o conhecimento do mercado local costuma ser muito maior. Aplicar dinheiro no exterior, entretanto, pode ser a melhor forma de construir uma carteira diversificada – portanto, de menor risco.
10 - Paralisia ou viés de status quo – Em momentos de pânico generalizado no mercado, muitos investidores simplesmente não conseguem tomar uma decisão. Há pessoas que acham que mudar de posição é sempre mais arriscado que manter a atual carteira. O que essas pessoas não percebem é que continuar em determinado ativo já é em si uma decisão. O problema é que o investidor acaba preso a ativos com baixo potencial de alta. Prova disso são as pesquisas que mostram que os recursos saem mais devagar de fundos de investimento com desempenho abaixo do esperado do que entram em fundos com performance acima da expectativa. Para não ser vítima do viés de status quo, o melhor remédio é a experiência. A aprendizagem oriunda da vivência repetida de transações é a melhor forma de controlar uma tendência comportamental que pode ter efeitos nocivos à carteira de investimentos. Por outro lado, o investidor também não deve se afobar. Quando o cenário fica claro e não há mais dúvidas de que se trata de um ativo perdedor, tome uma atitude ao invés de afundar junto com o barco.