Vamos acabar com os aterros no Brasil, diz CEO da Boomera-Ambipar
Guilherme Brammer Jr., CEO da Boomera-Ambipar, conversou com a EXAME em Davos para falar sobre o prêmio obtido e o futuro da empresa
Carlo Cauti
Publicado em 24 de maio de 2022 às 16h57.
Última atualização em 24 de maio de 2022 às 17h32.
Um dos empresários premiados na edição 2022 do Fórum Econômico Mundial de Davos foi o brasileiro Guilherme Brammer Jr., CEO da Boomera-Ambipar.
A “greentech” de São Paulo, controlada pela Ambipar (AMBP3), foca em economia circular, criando ligações econômicas sólidas com cooperativas de catadores.
A Boomera-Ambipar foi premiada pela Fundação Schwab pelo seu trabalho como empreendedorismo social no Brasil em 2020. Entretanto, pela não realização do Fórum de Davos em 2021, Brammer só conseguiu retirar o prêmio em 2022.
Engenheiro de materiais, com carreira na indústria de embalagens, dez anos atrás decidiu fazer algo que “o faria sorrir todos os dias”.
“Quando fundei a empresa a ideia era ser algo de pesquisa e desenvolvimento. Fui conhecer a questão da sustentabilidade. Mas percebi que meu conhecimento poderia ajudar a indústria e muitas coisas que estavam rolando. Mas, quando visitei uma cooperativa de catadores, minha vida mudou”, explica Brammer.
Ele lembra que o primeiro impacto foi em uma cooperativa na Marginal Tietê, em São Paulo, onde uma senhora com o facão ao contrário estava quebrando garrafas de vidro “sem nenhuma proteção e com o sorriso no rosto”.
“Aí eu perguntei se ela não estava com medo de se machucar, e ela respondeu que com aquele emprego já tinha pago duas faculdades de seus filhos”, explica Brammer. “Para mim essa frase foi transformadora”.
Vencedor do Prêmio da Fundação Schwab, que retirou na edição de Davos de 2022, hoje ele trabalha com 500 cooperativas no Brasil, cerca de 50% do total das cooperativas no país, e duas fábricas, uma no Paraná e uma no interior de São Paulo, em joint venture.
A perspectiva é abrir outras três fábricas no Brasil e uma no Chile.
Hoje a Boomera compra 12 mil toneladas de plástico reciclável, mas consegue tirar dos aterros sanitários cerca de 60 mil toneladas de resíduos somados, entre plástico, alumínio, papel e outros materiais.
“O grande gargalo para a indústria de reciclagem é a fonte de matéria-prima. E com as cooperativas de catadores conseguimos resolver esse problema, tendo, ao mesmo tempo, um impacto social”, diz Brammer.
Confira os principais trechos da entrevista exclusiva de Brammer com a EXAME.
Qual sua percepção desse Davos 2022?
Acho que o Brasil deveria participar mais desses eventos. Ficamos isolados em nosso mundo. Estamos fora do mapa. E uma das coisas mais interessantes que estou notando aqui, e que são sensacionais para a Boomera, foi o aceso a alguns fundos sociais. Conversando e falando sobre o projeto, as contrapartes ficam de olhos abertos. Tem dinheiro demais e falta projeto. Há bilhões de dólares disponíveis. Mas falta para o Brasil esse reforço de social business e de mostrar para o mundo que tem coisas boas lá. O Celso Athayde trouxe o exemplo da Cufa, super bem recebido.
Eu trabalho focado em economia circular. É um tema nos holofotes de Davos. E venho sendo muito bem recebido com isso. Quando falamos que já estamos mobilizando 15 mil cooperados no Brasil, que temos fábricas produzindo em alta escala resina de alta qualidade, acesso a plástico e transformação em altíssima escala, as pessoas me perguntam “sério que estão fazendo aqui no Brasil?”. Pois estão tentando fazer isso na Alemanha ou em outros países e não conseguem essa velocidade.
Mas o Brasil está mais avançado nesse aspecto de reaproveitamento de resíduos e economia circular, não é?
Então, não sei se está mais avançado, mas temos uma qualidade evidente em relação ao que estamos fazendo. Agora, não podemos ficar desconectados do mundo. Não podemos ficar fora do contexto. Por exemplo, você teve aqui em Davos um painel dedicado para a América Latina e não tinha brasileiros. É inconcebível isso.
O que está faltando? Comunicação do governo, comunicação das empresas? Pois este ano muitas grandes empresas brasileiras não vieram.
O Brasil está dando muito pouca importância para esse ambiente de conexão. É aqui que você se conecta, faz networking, acessa coisas que no Brasil é difícil acessar, por exemplo, crédito para negócios sociais, inovação, startup, que o Brasil precisa.
Mas às vezes Davos é acusada de ser “mais do mesmo”, e por isso empresários e políticos acabam nem vindo.
Não sei se é mais do mesmo. Às vezes sim. Mas esta vez, por exemplo, o presidente da Ucrânia abriu Davos 2022 e o professor Klaus Schwab está costurando dentro do Fórum um fundo para reconstruir a Ucrânia. Então as coisas acontecem por aqui. E a gente deve estar navegando nisso. Estar no mesmo ambiente das maiores empresas, maiores fundos de investimento, ser ouvido, ter espaço para falar.
Amanhã, por exemplo, vou falar com o vice-presidente da Microsoft que quer nos ajudar com digitalização para agilizar nossos negócios. Então, esses contatos, tudo isso você não consegue no Brasil. Criar uma agenda proativa nesse sentido, envolver os empresários que estão se destacando no Brasil, e criar essa agenda de trabalho.
Concretamente, esse Fórum já levou alguma conquista para a Ambipar?
O Fórum Econômico Mundial de Davos tem muitas iniciativas importantes de economia circular. A gente tem muito para contribuir nesse setor. Eu já me propus para liderar essa questão, trazer essas informações do Brasil e para o resto do mundo. Eles estão trabalhando na Nigéria, Vietnã, Europa, e criando um baita pool de informação. Pois o que estou ouvindo muito por aqui é que ninguém sabe muito bem como fazer economia circular em alta escala.
Estamos aprendendo tudo junto. E essa troca de informações ajuda muito. Tem empresários indianos com os quais estou falando, com os quais temos sinergias fantásticas. Essa troca de informações é incrível aqui em Davos.
Qual o diferencial que você vê no Brasil em relação a outros países? Aqui, por exemplo, se recicla mais do que em outros países.
Sim, aqui se recicla muito mais do que em outros países. Mas por que reciclamos muito alguns materiais? Por que a indústria já se instalou e decidiu que uma das fontes de sua matéria-prima ia ser a sucata, o material reciclado.
A indústria de alumínio, que por sinal está vivenciando um apagão da bauxita acontecendo, está muito bem posicionada com a indústria da sucata, conseguindo mudar todo o ecossistema. A partir do momento em que o mercado, a indústria, o setor, o sistema, se posicionam, é possível reciclar quase 100% dos produtos. No Brasil o diferencial é que a indústria se posicionou para obter o material reciclável como fonte.
As grandes empresas brasileiras então estão muito bem posicionadas e a economia circular é apenas uma consequência disso, correto?
A Gerdau, a CSN, a Usiminas, outras grandes siderúrgicas, já estão nesse movimento. Eles são grandes consumidores de sucata, pois eles precisam manter aquele alto-forno ligado e precisam, portanto, de minério de ferro. Então, se a indústria se mobiliza para reciclar a a sucata, a economia circular ocorre naturalmente.
Mas por que a indústria no Brasil chegou mais cedo? Na Europa ou nos EUA estamos muito longe disso.
Primeiro soma a criatividade do brasileiro em inovação nesse sentido, mas tem também uma questão social. O Brasil tem muito catador. Tem mais de 2 milhões de pessoas trabalhando do lixo há muitos anos. O cara vive do lixo. Catador é uma profissão.
Então você tem uma questão social e de custo que precisa compor com material mais barato do que material virgem de extração. Mas o que é importante falar, é que a indústria brasileira permite reutilizar sucata ou material reciclado. E 90% do material reciclado é feito através de catadores. Então existe sim uma questão social.
As cooperativas de catadores não são consideradas da forma adequada pela importância que elas têm?
Há dez anos, isso era pior. Mas hoje as coisas estão mudando. Mas quando você estuda e vê que 90% do material reciclado no Brasil passa por eles para ser triado, para ser avaliado, você percebe que é uma indústria invisível. É uma parte considerável do PIB. E com a Boomera a gente uniu as duas coisas, ou seja, ciência e consciência, tecnologia e questão social.
E do que as cooperativas tinham necessidade?
De tudo. Desde a reforma do banheiro até ajuda de gestão, investimento em equipamento. Mas, feito isso, que é o básico, em 10-15 dias consegue triplicar o faturamento da cooperativa. E com essas pequenas alterações, você aprende tanto com o conhecimento quanto com o fato que a cooperativa se torna seu fornecedor. E isso é ótimo para nosso negócio.
Qual o modelo de negócios da Boomera com as cooperativas?
Eu ensino as cooperativas a gerenciar o negócio, eles reciclam papel, alumínio e plástico. Eu compro o plástico e conecto eles diretamente com os compradores de papel e alumínio, eliminando os intermediários. Eu criei um modelo de gestão de cooperativa, que vamos lançar em breve, onde consigo fazer um diagnóstico da cooperativa para entender do que ela precisa, e trabalhando nessa cooperativa para que ela venda até 15 vezes mais do que quando conheci elas.
Isso se conecta muito com a recente Política Nacional de Resíduos, não é?
Isso! É um tratamento estruturante que permite, de fato, aplicar a lei. Isso criou um negócio que chamo “social”, que vendo para grandes empresas que querem entrar nessa política nacional de resíduos sólidos. Eu ajudo no trabalho de rastreabilidade, e isso basicamente é um projeto estruturante de política de resíduos reversa. E foi isso que me fez ganhar esse prêmio aqui em Davos.
Como foi a entrada da Ambipar no capital da Boomera?
A Ambipar entrou em maio de 2021, e comprou 50,1% do capital.
Quais os projetos para o futuro?
Investir pesado em três plantas no Brasil para criar resina de alta performance, além de iniciar em breve uma operação no Chile, onde trabalharemos com material reciclável proveniente do aterro sanitário de Santiago.
Qual o ponto de força, o “knowledge” da Boomera?
A gente conseguiu desenvolver em laboratório uma resina de alta performance que é perfeita para ser produzida com material reciclável. Isso é muito superior ao material reciclado-padrão, que é muito pior em termos de qualidade. Estamos atingindo um nível e desempenho de engenharia muito parecido ao material virgem.
Você acha que se o Brasil aplicasse o conhecimento da Boomera conseguiria eliminar de vez os aterros sanitários?
A ideia é essa. A ideia é deixar só o rejeito mesmo. O que não tem solução identificada de recuperação. Isso é um pouco o que a Ambipar traz como DNA. A Ambipar sempre trabalhou os resíduos industriais dos clientes para evitar aterros. E a gente acredita muito nisso. Pois um material reciclado, bem reciclado, cria valor de engenharia. É um produto como qualquer outro.
Você acha que no Brasil temos um conhecimento adequado sobre o assunto de reciclagem?
Acho que não. Existe muito “achismo” nesse aspecto. Achar que só pode reciclar o plástico cinco vezes é um exemplo claro. É possível sim fazer isso, mas precisa saber fazer.
A sua empresa tem uma década. Quais as perspectivas para a Boomera para os próximos dez anos?
A Boomera deve triplicar de tamanho até 2023. A gente está com uma expectativa de crescer mantendo um crescimento de duas vezes em um horizonte de quatro, cinco anos. Com a Ambipar estamos criando um novo perfil de petroquímica. E temos uma área florestal dentro grupo. E o volume que temos é muito bom e permite um crescimento importante. Nosso foco é totalmente para a expansão industrial. Vamos crescer muito nos próximos anos. Com um impacto social incrível.