Pioneiro do ESG no Brasil vê com “amor e ódio” leva de fundos sustentáveis
Em entrevista exclusiva, Fábio Alperowitch fala de “oportunismo” no mercado e diz que quem não se adequar “será atropelado”
Guilherme Guilherme
Publicado em 26 de julho de 2020 às 10h03.
Última atualização em 27 de julho de 2020 às 10h10.
Enquanto as discussões sobre o desenvolvimento sustentável emergiam na Eco-92, que concentrou cerca de 180 chefes de estado no Rio de Janeiro, uma voz dissonante nascia no mercado financeiro paulista. Com apenas 20 anos, Fabio Alperowitch e seu colega de estágio Mauricio Levi, então com 22 anos, fundaram a FAMA Investimentos, aquela que seria a primeira gestora do país a seguir os parâmetros de investimento ESG .
A sigla, que em inglês significa ambiental, social e governança, tem ganhado cada vez mais relevância. De acordo com levantamento da Morning Star, o número de novos fundos ESG deve bater recorde neste ano nos Estados Unidos, com 23 lançados somente no primeiro semestre. Movimento semelhante também está em curso no Brasil e ganhou ainda mais força durante a pandemia da Covid-19.
Em entrevista exclusiva a EXAME, Alperowitch comenta que o momento ajudou a reforçar a conscientização sobre temas sociais e ambientais, com o maior respeito à ciência e a necessidade de ajudar o próximo, mas diz ver com “um misto de amor e ódio” o lançamento de novos fundos ESG. “Quanto mais gente pressionando as companhias para serem responsáveis em todos sentidos, a gente vai ter um mundo melhor. Mas esses são temas extremamente complexos e estão sendo tratados com uma superficialidade gigantesca.”
Alperowitch também acredita que a precificação de carbono, já implementada em dezenas de países, fica ainda mais próxima de se tornar uma realidade no Brasil dependendo do resultado das eleições americanas. Segundo ele, o mecanismo irá provocar mudanças na dinâmica econômica com impactos diretos em grandes companhias do Brasil. “Vale e Petrobras perderão – e muito – valor de mercado.”
“Tem um grupo que pensa ‘isso aqui é um monte de mimimi, um monte de bobagem’ – esses serão, em algum momento, atropelados. Vai ficar comprado em Petrobras e Petrobras vai perder seu valor”, afirmou.
Confira a entrevista:
O desmatamento da Amazônia se tornou mais relevante? Por que o mundo está preocupado com isso?
O desmatamento na Amazônia não é algo novo. Mas o assunto voltou com bastante força, porque preocupações com relação às alterações climáticas vem ganhando força no mundo inteiro por respeito à ciência, preocupações com humanidade, etc. A ún ica forma de conter a mudança climática é reduzir a emissão de carbono ou sequestrar carbono. Mas o principal ativo do mundo que teria capacidade de sequestro de carbono está sendo maltratado. Então o mundo inteiro joga os olhos paro o Brasil. Acho que esse holofote entra agora não porque o problema é novo, mas porque a atenção vem redobrada. É um movimento que vem acontecendo e se intensificando.
Alguns integrantes do governo, como o vice-presidente Hamilton Mourão, vêm mudando a abordagem sobre o tema. Por quê?
Eu não vi mudança nenhuma, vi continuidade do negacionismo. São cenários contraditórios. De um lado, o governo, às vezes, dá sinais de que tem consciência do problema. Cinco minutos depois, vem o Paulo Guedes e fala que o Brasil é modelo mundial de preservação ambiental. Muitas vezes acho que os discursos são feitos para agradar interlocutores. Para os investidores fala algumas coisas para acalmá-los. Depois, para as respectivas bases falam outras coisas. Não tem um compromisso formal de dar continuidade a solução de algum problema. Por enquanto, a única medida concreta feita foi a interrupção de queimadas por 120 dias. Só. Isso não vai resolver o problema. Os investidores e as empresas que estão no encalço do governo já entenderam que não adianta só discursar. Precisa de solução prática.
Como o senhor tem visto a gestão do ministro Ricardo Salles?
Ele já tinha uma credibilidade muito baixa e foi a zero depois da história da boiada. Muito difícil ele resgatar a credibilidade como pessoa. Inclusive, se for resgatar a campanha dele para deputado federal – ele não foi eleito – a campanha dele foi extremamente controversa. Tinha javali, invasores de terra... algumas figuras e dizia “bala neles”. É muito difícil ter um ministro do Meio Ambiente falando que as coisas se resolvem na bala. Ele poderia tentar resgatar credibilidade com ações concretas para fazer a defesa da Amazônia, do meio ambiente. Mas isso ele não faz. Ele segue com discurso mais próximo do negacionismo, ignorando os problemas, ignorando os pleitos. Aí realmente fica difícil.
É insustentável a manutenção dele no cargo?
Não sou analista político, então não faço a menor ideia. Ainda mais nesse governo, é mais difícil ainda ter algum tipo de percepção. A única coisa que posso dizer é que existe um descontentamento com relação à política ambiental brasileira por parte de investidores e empresas.
Sobre a precificação de carbono, o quão distante desta realidade está o Brasil?
Pouco distante. Pelo contrário: essa é uma possibilidade concreta. O governo deveria abrir os olhos, porque isso é algo que já aconteceu em 60 países do mundo, em países relevantes. E essa realidade será ainda mais provável dependendo do resultado das eleições dos Estados Unidos. Se o [democrata] Joe Biden for eleito nos Estados Unidos, aí muda de vez. Você vê cada vez mais empresas se comprometendo a ser net zero. Ou seja, vão ter que comprar carbono de algum lugar. O Brasil tem capacidade de ser o maior exportador do mundo de crédito de carbono e garantir crescimento relevante do PIB e está deixando isso de lado. Se atrair 30 a 40 bilhões de dólares por ano, a gente está falando de um crescimento adicional do PIB de 2% ao ano ou 3% ao ano, sendo que o PIB mal cresce. O Brasil está perdendo uma grande oportunidade. Ao contrário, o avanço do desmatamento compromete a quantidade de carbono sequestrável. Seria uma pena se o Brasil postergasse essa oportunidade.
Quais seriam os impactos de uma precificação de carbono nas empresas listadas na b3, como Petrobras, Vale. Elas poderiam perder valor?
Elas perderão – e muito - valor. Não tenha a menor dúvida em relação a isso. É só uma questão de tempo. A Vale já tem o compromisso de virar net zero até 2050. A Petrobras não tem compromisso nenhum, com exceção de não aumentar as emissões nos próximos 5 anos. A Petrobras emite 61 milhões de toneladas de carbono por ano. Para ela compensar isso custa muito dinheiro. Grandes petroleiras do mundo já assumiram o compromisso e estão tendo que gastar bilhões de dólares por ano para serem net zero. Obviamente, a pressão dessas companhias por maior regulação vai aumentar. Então, em algum momento a Petrobras vai ter que tomar uma decisão: ou passa a ter esse compromisso ou não vai conseguir mais exportar. Vai ficar completamente isolada. Vai perder valor de qualquer jeito. Em algum momento vai virar taxação. O band-aid vai doer mais para ser tirado. O fato é que empresas de setores que emitem muito carbono terão que pagar essa conta. Elas estão poluindo o planeta há décadas e essa conta vai chegar. É inexorável. Vai acontecer.
Quem já está se adiantando a isso vai sair na frente quando essa precificação de carbono realmente vier à tona?
Sem dúvida nenhuma. Primeiro porque não serão pegas de surpresa. Depois, tem uma questão do consumidor. Quando a gente fala de commodities, faz menos sentido. Mas no setor de bens de consumo, tem empresas que já assumem compromisso e tem empresa que vai fazer de maneira forçada. O consumidor que se importa com isso - e é cada vez mais crescente esse número, especialmente da geração Z - vai entender que lá no ano de 2020 tinha gente que já era carbono neutro e em 2035 ainda tinha gente lutando para não ser. Essa empresa vai perder cliente. A questão é que quanto antes entender que esse é o caminho do mundo, melhor. O problema é gravíssimo.
Como o senhor vê essa leva de novos fundos focados em investimentos que seguem os parâmetros ESG?
Eu vejo com um misto de amor e ódio. Amor porque faz 30 anos que eu faço isso. Faz 30 anos que sou voz isolada e finalmente esse momento chegou. Acho ótimo. Quanto mais gente tiver pressionando as companhias para serem responsáveis em todos sentidos, tanto do lado ambiental quanto do social, a gente vai ter um mundo melhor. Eu, sozinho, certamente não vou conseguir. Acho fundamental que mais gente leve isso em consideração. Esperei 30 anos para isso e de fato agora está acontecendo. A parte do ódio é que esses são temas extremamente complexos e estão sendo tratados com uma superficialidade gigantesca. Muitos gestores e muitas empresas acham que simplesmente excluir uma ou duas empresas e medir CO2 significa ser sustentável – e não tem absolutamente nada a ver com isso. Sustentabilidade é algo extremamente complexo. Não tem a ver só com os setores onde a empresa atua. Não tem a ver com indicadores que empresas divulgam. É um assunto muito complexo. Aí quando tem menos pessoas tratando o assunto com respeito e outras 700 tratando com superficialidade, existe um risco muito grande de o mercado se tornar superficial e partir para um mundo das empresas fazendo o mínimo do mínimo e agradando o mercado e o mercado não cobrando absolutamente nada das empresas e ficar nesse me engana que eu gosto.
Tem parte de oportunismo no lançamento desses fundos?
Claro. É puramente oportunismo. Tem gente que não ligava para o assunto até dois anos atrás e de repente começou a entender para onde o mundo está indo e que meio ambiente e direitos humanos são coisas relevantes. Em certas pessoas, aquilo virou uma chave interna e elas genuinamente se transformaram - e acho que estão fazendo um trabalho muito legal. Tem esse grupo de pessoas e tem outro, de pessoas que olharam para fora e falaram “nossa, está vindo um caminhão de dinheiro para cá e só olha para ESG. Então vou ser ESG do meu jeito, porque eu quero esse dinheiro”. Mas, se o dinheiro estivesse vindo procurar empresas de tecnologia, seriam tecnologia. Se o dinheiro estivesse vindo procurar empresas de saúde, eles seriam saúde. Esse é um interesse puramente comercial e não genuíno. Então, fazem o mínimo possível só para poder colocar no portfólio comercial que são ESG e estão atrás desse dinheiro, mas estão enganando investidores internos e externos. E tem o terceiro grupo que olha para tudo isso e diz “isso aqui é um monte de mimimi, um, monte de bobagem, vou continuar com meu jeito antigo” – esses serão, em algum momento, atropelados. Vai ficar comprado em Petrobras e Petrobras vai perder seu valor. Esse tipo de coisa vai acontecer.
A CDP criou um índice chamado de “Resiliência Climática” e é composto por empresas como Petrobras e JBS. Dá para levar a sério?
Esse não é um índice de carbono eficiente. Esse é um índice de “disclosure” e eu acho que eles erraram. Na minha opinião, erraram muito em fazer esse índice em um mercado em que as pessoas ainda estão engatinhando em relação à compreensão das questões climáticas. Se a gente tivesse vários índices e esse fosse mais um, tudo bem. Aí vem um índice CO2 e entendem que é um índice de empresa que menos emitem ou que são responsáveis em relação ao CO2 – o que não é verdade. Esse índice que foi lançado é de quem trata os dados com transparência e só. Não significa que seja responsável com relação ao clima. Então, cria a falsa impressão de que sejam empresas responsáveis e isso significa que muitas pessoas desavisadas vão olhar para esse índice e vão acabar investindo em quem não quer investir. Acho esse índice horroroso.
Faltam empresas listadas na B3 que de fato sigam os parâmetros de governança, social e de meio ambiente?
Acho que faltam empresas na bolsa de tudo. A gente tem poucos representantes na bolsa de qualquer coisa. Quantas empresas de alimento a gente tem? A gente tem poucos representantes em geral. A bolsa brasileira é pequena para um país do tamanho do Brasil. Tem 350 empresas sendo que, só umas 150, 200 tem liquidez. Tem um problema de universo e ponto. Posto isso, dada a devida proporção, não acho que faltem empresas responsáveis. Tem um bom número. Óbvio que podia ser maior, mas vale para todos os setores.