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"Não vou tirar meu dinheiro do Brasil"

Um dos maiores especialistas em crises financeiras, o economista kenneth rogoff, da universidade harvard, diz que a próxima década no país será melhor que a atual

ROGOFF: "Sou otimista com o Brasil e, por isso, aplico em ações de empresas brasileiras" (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Professor de economia na Universidade Harvard, Kenneth Rogoff é coautor do livro This Time Is Different ("Desta vez é diferente"), que analisa as principais crises financeiras dos últimos oito séculos e desde dezembro está na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. Uma das curiosidades apontadas pelo livro escrito em parceria com Carmen Reinhart, professora de economia da Universidade de Maryland, é a capacidade das pessoas de encontrar explicações para negar a formação de bolhas especulativas. "Desta vez é diferente" é o bordão deles", diz Rogoff, que foi economista chefe do FMI entre 2001 e 2003. "Hoje, o melhor exemplo disso são os que não enxergam uma bolha na China." O livro será lançado em março no Brasil pela Campus-Elsevier com o título Oito Séculos de Delírios Financeiros. Rogoff, confiante no futuro do Brasil, falou a EXAME de seu escritório em Cambridge, nos Estados Unidos.

O senhor investe em ações de empresas brasileiras?

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Tenho papéis brasileiros, sim. Tento agir de forma coerente com o que digo e, como sou muito otimista em relação ao Brasil, tenho 10% do meu portfólio de ações em empresas brasileiras. Invisto há 15 anos e, nos últimos cinco, aumentei minha aplicação. Entre as ações da minha carteira, os papéis de companhias brasileiras foram os que tiveram, de longe, o melhor desempenho no ano passado. Não vou tirar meu dinheiro do Brasil.

O senhor não teme uma bolha no mercado de ações brasileiro?

A próxima década será melhor para o Brasil do que a atual. Não estou prevendo que crescerá como a China, mas seguirá avançando - desde que sejam mantidas políticas monetárias e financeiras saudáveis. Dito isso, é muito difícil calibrar o timing das bolsas de valores. É claro que, se houver maior aversão ao risco no mundo, a bolsa brasileira será atingida. Não sou Warren Buffett. Não consigo prever as altas e baixas do mercado. Mas algumas companhias brasileiras continuam a ser uma boa alternativa. Se olharmos num horizonte de quatro ou cinco anos, são um ótimo investimento.

O que pode tirar a economia global dos trilhos em 2010?

Para que ocorra um colapso completo é preciso algo realmente terrível, como uma crise de grandes proporções na China ou um novo atentado terrorista nos Estados Unidos. Após uma forte recessão, como a que acabamos de passar, o normal seria termos quatro trimestres seguidos de alto crescimento. No caso dos Estados Unidos, que teve uma retração de 4%, era de esperar um crescimento entre 8% e 10% nos próximos quatro trimestres. O que estamos vendo é algo diferente. A economia americana está crescendo por volta de 5%. Por que a diferença? Quando se tem uma crise financeira profunda, a recuperação leva mais tempo, particularmente nas questões do desemprego e do valor dos imóveis. Essa vagareza, no entanto, não significa que o risco de uma nova recessão seja alto.


O senhor não acredita numa nova queda, o chamado double-dip?

A probabilidade de termos uma recessão neste ano nos Estados Unidos é baixa, na casa dos 15%. A recuperação americana deve ser em forma de U, não de W. Felizmente as recessões não duram para sempre.

E no resto do mundo?

Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Espanha e talvez Coreia levarão muito tempo para se recuperar. Na periferia, podemos esperar uma recuperação mais normal.

Na China, o aumento do crédito elevou os preços, principalmente no mercado imobiliário. Há uma bolha por lá?

Certamente há uma bolha na China. A dúvida é: será que ela explodirá no futuro próximo? Muitas pessoas dizem que a China nunca terá uma recessão, nunca terá uma crise financeira, nunca terá uma redução de crescimento. Para esses analistas, "desta vez é diferente". Eles estão loucos. Na história, todos os países emergentes em fase de crescimento rápido tiveram crises. Desde a Inglaterra, quando ainda era um mercado emergente, até o Brasil. O difícil é prever quando a crise na China irá ocorrer. É verdade que os chineses estão com os bolsos cheios de dinheiro, mas há províncias que tomaram empréstimos gigantescos para construir grandes parques industriais que provavelmente nunca serão ocupados por empresas. Como as opções de investimento são reduzidas, muitos chineses acabaram comprando vários imóveis.

Quando esse problema deve se agravar?

Mesmo que os dados oficiais da China tentem mascarar a realidade, é certo que, em algum momento da próxima década, a China terá um ano muito ruim - o que quer dizer crescimento de 2% ou bem menos do que isso. A China emergirá como a maior economia do mundo, mas é inevitável que tenha ciclos à medida que cresça. Porém, o risco de que a crise aconteça neste ano é baixo. Diria que de 15%.

O modelo chinês é baseado nas exportações e numa moeda desvalorizada em relação ao dólar. Isso é sustentável?

O crescimento chinês depende de uma enorme classe trabalhadora, que continuará a prover gente por pelo menos mais uma década. Esse é o grande motor. O modelo de crescimento baseado nas exportações ajuda porque aumenta a competição na economia. As companhias chinesas exportadoras são altamente competitivas, mas as voltadas para o mercado interno não. Nesse sentido, a China se parece com a economia mexicana, dominada por poucos monopólios muito poderosos. Para mudar o modelo de crescimento, os chineses precisam desenvolver um mercado interno mais competitivo. E isso, como em várias outras partes do mundo, envolve delicadas questões políticas. Esse é o grande desafio.


Após a eclosão da crise, vários países adotaram políticas para animar a economia. A retirada de incentivos é um perigo para a economia global em 2010?

Em todos os países a estratégia de saída é complicada. Na China, a chance de o governo go retirar os incentivos lentamente é maior que uma saída rápida. Nos Estados Unidos, estamos numa situação muito incomum. Nunca antes vimos incentivos nessa escala e, por isso, fica muito difícil calibrar a retirada. Será muito difícil o Fed (o banco central americano) acertar em cheio. Acho que errará sendo leve por tempo demais, permitindo que haja inflação. Isso não será logo. Há desemprego demais e muita ociosidade na indústria. É mais provável que haja deflação no curto prazo. Mas, em algum momento, estaremos no outro lado,
cotejando a inflação.

E a bolsa de valores?

Levando em conta a economia real nos Estados Unidos, a lógica era que a bolsa estivesse num patamar bem mais baixo. Mas, em nosso trabalho, Carmen e eu chegamos à conclusão que, surpreendentemente, os preços das ações se recuperam vigorosamente depois de uma crise financeira profunda - a grande exceção é o Japão após a crise do início dos anos 90. Portanto, o que estamos vendo no mercado americano é muito comum. Por que isso acontece? Não sabemos. Nossa hipótese é que as políticas expansionistas e os juros baixos adotados após as crises incentivam as pessoas a aplicar em ações. No entanto, essa recuperação não significa que a economia real nos Estados Unidos esteja bem ou que estará bem no curto prazo.

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