Mercados

Na crise, dívidas de empresas ganham mais relevância entre investidores

Companhias com menos dinheiro disponível tendem a sofrer mais os impactos da queda de demanda

Reservas: valor em caixa é tido como essencial para atravessar crise (Dan Brownsword/Getty Images)

Reservas: valor em caixa é tido como essencial para atravessar crise (Dan Brownsword/Getty Images)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 8 de abril de 2020 às 09h13.

Última atualização em 8 de abril de 2020 às 10h08.

Juros em níveis historicamente baixos seriam um atrativo para as empresas alavancarem seus negócios por meio de empréstimos. Mas, a expectativa de que a quarentena derrube a demanda de diversos setores faz com que nenhum empresário queira ouvir falar de endividamento - muito menos os investidores.

“O nível de endividamento das empresas, que já era um indicador superimportante, se tornou ainda mais relevante no contexto atual”, disse Alexandre Almeida, economista da CM Capital. Segundo o economista, as dívidas das empresas devem ser tratadas como um dos principais pontos na hora de escolher em qual ação investir. 

“Quanto menor a dívida, menor o risco”, disse Bruce Barbosa, analista e fundador da Nord Research. Nesse contexto, ele vê as o setor de companhias aéreas como o mais arriscado. “Tradicionalmente, as companhias aéreas são bastante endividadas, já que elas dependem de grandes investimentos e têm custos fixos altíssimos”, disse Barbosa.

Na situação atual, Barbosa vê mais um agravante: a queda da demanda por viagens aéreas. Um dos mais atingidos pelos impactos do coronavírus, o segmento deve apresentar uma drástica redução na receita do primeiro e segundo trimestre do ano. “Elas não conseguem reduzir os gastos na mesma proporção em que a procura cai. O grosso das despesas fica travado. Aí o endividamento tende a aumentar”, comentou.

Até o fim de 2019, a dívida líquida da Azul era de 15 bilhões de reais - o equivalente a quase cinco vezes o caixa da empresa, que girava em torno dos 3,1 bilhões de reais. Em março, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota da da empresa citando a previsão de um endividamento “significativamente maior” em meio à crise, enquanto a GOL, que tinha uma dívida bruta de 12,1 bilhões de reais - quatro vezes seu caixa -, entrou em revisão. 

Rafael Bevilaqcua, estrategista-chefe da Levante Investimentos, recomenda sempre olhar, principalmente, as dívidas de curto prazo. “Precisa pensar que a receita da empresa vai ficar bem menor. Então, se o prazo para pagar essa dívida for muito curto, vai ser mais difícil fazer a rolagem, além de ela ter que queimar o caixa para honrar o pagamento”, explicou. 

Foi justamente a preocupação com as dívidas de curto prazo aliada à disponibilidade de caixa e ao cenário de lojas físicas de portas fechadas que pressionaram os papéis da Via Varejo no último mês. A ação da companhia dona das marcas Casas Bahia e PontoFrio chegou a ser a maior alta de 2020 antes da crise, chegando a se valorizar 48,97% em pouco menos de dois meses. Mas, mais rápida que a alta foi a queda.

Em 16 pregões, o ativo perdeu 71% de seu valor, passando de 16,64 reais para 4,82 reais. O tombo foi tão grande, que o papel encerrou março com desempenho inferior aos das companhias aéreas, tidos como os mais sensíveis aos impactos do coronavírus. 

A desconfiança gerada sobre a capacidade da Via Varejo de pagar a dívida foi tamanha, que, a poucos dias da divulgação do balanço financeiro referente ao último período fiscal do ano passado, a empresa precisou emitir um fato relevante com resultados não auditados de sua dívida bancária e posição em caixa. 

Até 31 de dezembro, a Via Varejo tinha uma dívida de 1,5 bilhão de reais com vencimento em setembro deste ano e 500 milhões em debêntures para pagar em dezembro de 2021. Com juros e correção monetário o montante chega a 2,174 bilhões de reais. O total da dívida líquida era de 5,182 bilhões de reais. Por outro lado, a empresa mostrou um caixa de 4,368 bilhões de reais.

A posição em caixa causou certo alívio entre os investidores, mas não foi suficiente para restabelecer a confiança. Enquanto parte dos ativos que tiveram fortes perdas nas últimas semanas já esboçam alguma reação, as ações da Via Varejo continuam na casa dos 4 reais. Sua principal concorrente, a Magazine Luiza, já se valorizou mais de 40% em relação à sua cotação mínima no ano. Além de ter uma dívida líquida inferior à da Via Varejo, de 3,9 bilhões de reais, o Magalu também tinha mais dinheiro em caixa, 7,1 bilhões de reais.

Para Ricardo Schweitzer, analista da Nord, a dívida em si não é o “grande problema” da Via Varejo, “Ela está concentrada em poucos bancos, com os quais a cia tem ótimo relacionamento. Mas a geração de caixa fica, claramente, negativa com as lojas fechadas”, disse. Segundo Schweitzer, a Magazine Luiza também terá que ‘queimar caixa”, porém, diferentemente da Via Varejo, a situação financeira “bem mais confortável” e a melhor representatividade das vendas online justificam o melhor desempenho.

Acompanhe tudo sobre:AçõesAnálises fundamentalistasanalises-de-acoesDívidas empresariaisMercado financeiro

Mais de Mercados

Ibovespa cai e dólar sobe após cancelamento de reunião sobre pacote fiscal

Donald Trump Jr. aposta na economia conservadora com novo fundo de investimento

Unilever desiste de vender divisão de sorvetes para fundos e aposta em spin-off

Repercussão de Nvidia, pacote fiscal e Petrobras: os assuntos que movem o mercado