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"Mercado não reagiu com exagero à soltura de Lula", diz analista político

Para Rafael Cortez, a soltura do ex-presidente pode dificultar, mas não impede a aprovação das reformas de Paulo Guedes

Rafael Cortez, da Tendências: “efeito Lula” antecipa um cenário político mais conturbado. (Germano Lüders/Exame)

Rafael Cortez, da Tendências: “efeito Lula” antecipa um cenário político mais conturbado. (Germano Lüders/Exame)

TL

Tais Laporta

Publicado em 12 de novembro de 2019 às 07h00.

Última atualização em 12 de novembro de 2019 às 10h17.

Na noite em que os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram derrubar a prisão de condenados em segunda instância, o mercado não tardou em ventilar os possíveis efeitos da soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na agenda econômica. O principal índice de ações do país, Ibovespa, sofreu uma brusca queda no início da sessão seguinte – tombo que se intensificou para 1,78% no fechamento, pouco depois da confirmação de que Lula deixaria a prisão. Já nesta segunda, a bolsa recuperou os 108 mil pontos e quase recuperou parte das perdas.

Para o analista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, não houve exagero na reação do mercado. “O ‘efeito Lula’ antecipa um cenário político mais conturbado e transfere o tom desse risco”, disse a EXAME em conversa nesta segunda-feira (11). Doutor em ciência política pela USP e professor especializado em economia política, Cortez acredita que a soltura de Lula em um momento no qual o governo acaba de apresentar sua agenda pós-reforma da Previdência adiciona mais um elemento de dificuldade para seu andamento no Congresso. Mas isso não significa, em sua visão, uma ameaça com potencial de impedir a aprovação do “super pacote” de Guedes. Leia a íntegra da entrevista:

Quais as chances de a liberdade de Lula influenciar o andamento das reformas do governo no Congresso?

Já existia uma expectativa antes da soltura de Lula de que a agenda pós-Previdência teria um custo mais elevado de aprovação do que no primeiro ano de governo, por ser mais complexa e plural. Só o programa finalizado pelo governo deve ter pelo menos quatro emendas constitucionais. Há uma dificuldade maior de encaminhamento destas matérias, mesmo com uma divisão de trabalho entre Câmara e Senado. Diante disso, a soltura do Lula reforça essa dificuldade.

De que forma a soltura do ex-presidente interfere nesta agenda?

Primeiro, pela agenda legislativa. Ela concorre com possíveis emendas constitucionais (PECs) sobre a prisão após segunda instância. E a oposição estava bastante desarticulada em se contrapor à narrativa pró-reformas. Era uma questão de coordenação de centro-direita e agora pode haver uma oposição mais ativa no debate. Isso ajuda a trazer um equilíbrio de poderes maior. Agora, a soltura de Lula não impede a aprovação das reformas. O papel da oposição é muito diminuto no papel legislativo e existe uma proximidade entre a agenda da equipe econômica e os líderes partidários. Como é uma composição basicamente de centro-direita, há até uma concorrência para quem ganha esse adjetivo de reformista.

No dia da soltura de Lula, a Bolsa caiu 1,78% e o dólar subiu a R$ 4,16. Houve uma reação exagerada?

O mercado reage muito a esse choque num primeiro momento por que traz um elemento de incerteza. Não creio que houve exagero, o mercado respondeu a esse choque. O “efeito Lula” é o de antecipar um cenário político mais conturbado e que transfere esse tom de risco. Mas se o governo conseguir construir prioridades e minimizar os conflitos entre a velha e nova política, isso vai aparecer no preço dos ativos.

Pode ter sido também uma reação à ausência de estrangeiros no leilão da cessão onerosa?

Sim. Reforçou a ideia de que ainda há algumas etapas para reconstruir o ambiente de investimentos. O jogo das expectativas é fundamental na natureza dessa recuperação, e havia uma expectativa de que a reforma da Previdência gerasse um cenário virtuoso para a retomada e era importante ter um evento que seria um divisor de águas. A equipe econômica tenta reforçar uma ambição reformista, mas como é um ambiente de muita incerteza, seria importante um marco para gerar um choque. E nesse sentido há uma frustração. Os estrangeiros têm dificuldade em analisar um cenário com tensão política, mesmo com uma agenda econômica positiva. A soltura do Lula dá um peso maior nos acontecimentos da economia.

Dá pára dizer que o risco político aumentou?

A agenda caminha em direção à redução desse risco. O problema é como fazer a leitura desses movimentos. A tendência é que paulatinamente o equilíbrio macroeconômico fique mais positivo para crescimento, há de fato uma consolidação das reformas e redução de taxa de juros. A economia brasileira se desenha para ser protegida desse risco político, mas tem questões não associadas à economia que condicionam o processo decisório dos investidores. Essas questões de natureza político-institucional vão desde a insegurança jurídica por conta de decisões voláteis do Supremo Tribunal Federal até conflitos entre governo e oposição. Esse efeito é importante para que o Brasil atinja patamares mais elevados de crescimento.

O mercado antecipou essa mudança de cenário?

O mercado respondeu à percepção sobre os desafios que serão necessários para consolidar um cenário mais virtuoso. E voltou a considerar incertezas que poderão aparecer no radar a partir deste novo quadro político.

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