Como chegou ao fim o sonho de Selic em um dígito neste ano
Consenso volta a ser revisado em boletim Focus e taxa esperada passa para 10%; piora das expectativas de inflação com credibilidade do BC questionada pesa sobre projeções
Repórter
Publicado em 20 de maio de 2024 às 11h31.
Última atualização em 20 de maio de 2024 às 14h09.
As expectativas de que o Banco Central baixasse a taxa Selic para um dígito chegaram ao fim com a revisão do consenso para 10% no boletimFocus desta segunda-feira, 20. O reajuste das expectativas ocorre na semana seguinte à divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que trouxe mais detalhes sobre a divisão entre os diretores que optaram pela manutenção e pela redução do ritmo de cortes. A perspectiva de juro mais alto foi acompanhada da piora das expectativas de inflação para este e o próximo ano, com o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) projetado para 2024 e 2025 passando para 3,8% e 3,74%, respectivamente, acima da meta de 3%.
Na última decisão, 5 diretores decidiram por um corte mais brando de 0,25 ponto percentual (p.p.), enquanto os outros 4 votaram pela continuidade do corte de 0,50 p.p., já sinalizado na reunião anterior. O detalhe é que todos os diretores que votaram por um corte de juros mais forte foram indicados pelo atual governo. Essa diretoria indicada pelo atual governo passará a ser maioria no fim do ano, data que coincide com o término do mandato do presidente do BC, Roberto Campos Neto.
"Essa decisão gerou a percepção de que podemos estar diante de um novo Banco Central. Isso deve levar ao aumento das expectativas de inflação, que aumentam o custo da política monetária", afirmou Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e chairman da Jive-Mauá, em entrevista recente ao Vozes do Mercado, da Exame.
Manter as expectativas de inflação próximas da meta e controlar a inflação corrente é o principal objetivo do Banco Central. Para isso, a instituição tem em mãos algumas ferramentas, sendo a taxa de juro de curtíssimo prazo uma das principais, por ser a base do juro de toda a economia.
Só que a mera sinalização de que, apesar do aumento de riscos, o BC será mais sensível a cortes de juros pode, com a piora das expectativas de inflação, ter um efeito contrário. Isso é o que disse Bruno Serra, ex-diretor do BC e gestor do Itaú, em evento com investidores após a publicação da ata do Copom. "O ciclo de corte de juros está limitado porque o mercado está questionando a credibilidade dessa transição no Banco Central", disse.
Diante da repercussão negativa, um dos diretores indicados pelo atual governo e favorito para assumir a presidência do BC, Gabriel Galípolo voltou atrás e afirmou, em evento em Nova York, que chegou a ponderar um corte de 0,25 p.p. na última reunião. Campos Neto, em entrevista ao Estadão, também fez questão de ser mais duro, deixando a porta aberta para interromper o ciclo de cortes na próxima decisão, ainda com a Selic em 10,5%.
Nas últimas semanas, a projeção de Selic para o fim deste ano aumentou de 9% para 10%, enquanto a taxa projetada para o fim de 2025 passou de 8,5%, para 9%. Mas ainda que as incertezas sobre o BC tenham entrado na conta, a piora do cenário macroeconômico tem um peso relevante.
O fim da "ilusão fiscal"
Um dos principais fatores para maior cautela na condução da política monetária, como exposto pelo próprio BC, a piora das perspectivas fiscais. Em abril, vale lembrar, o governo decidiu alterar a meta fiscal para os próximos anos. A meta que era de um superávit primário de 0,5% em 2025 passou para ser de zerar o déficit. Para 2026, 2027 e 2028 as metas passaram de superávits consecutivos de 0,25%, 0,5% e 1%. Pela projeção anterior, apresentada na lei do novo arcabouço fiscal, era de um superávit de 1% já em 2026.
Diante da mudança de cenário, a Verde Asset, de Luis Stuhlberger, chegou a afirmar que " caiu por terra a ilusão fiscal do governo ". Em carta a investidores, a gestora, uma das mais influentes do mercado brasileiro, disse que a mudança de meta "trouxe sinais bastante preocupantes de que os limites de crescimento real dos gastos desenhados pelo arcabouço são fictícios".
O cenário externo também piorou, com as dúvidas sobre o início dos cortes de juros americanos pesando sobre a decisão. Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos são considerados os ativos mais seguros do mundo e qualquer mudança de preço, seja nos títulos de curto ou longo prazo, tem repercussão global.
Fator Fed
Em relação ao Brasil, quanto mais tempo demora para o Federal Reserve (Fed) começar o ciclo de corte de juros nos Estados Unidos, mais pressionada tende a ficar a moeda brasileira, limitando a atuação do Banco Central. Isso porque, com o Brasil cortando sua taxa e os EUA mantendo estável, o diferencial de juros entre as duas economias diminui, tornando menos atrativos os títulos brasileiros.
Havia a expectativa, no início do ano, de que o Federal Reserve pudesse fazer até sete cortes de juros neste ano, iniciando em março. Até agora, nenhum foi feito e quase ninguém no mercado vê espaço para mais de dois cortes ainda em 2024. Para muitos, pode haver apenas um corte, após o término das eleições americanas, já que existe a premissa de que a mudança de abordagem durante a corrida eleitoral pudesse gerar questionamentos políticos.
Embora tenha conseguido tirar a inflação das máximas em 40 anos, o Federal Reserve tem tido dificuldade em devolvê-la para a meta de 2%. O Índice de Preço sobre Consumo Pessoal (PCE, na sigla em inglês), principal métrica de inflação do Fed, voltou a acelerar em março, indo a 2,7% -- o maior patamar desde outubro. Uma das preocupações é a resiliência do mercado de trabalho, que, mesmo diante da alta de juros, ainda está com desemprego baixo. Para os economistas, seria necessário o aumento do desemprego para que a inflação estivesse suficientemente controlada para a queda de juros.
David Beker, economista de América Latina do Bank of America, acredita que, diante do aumento de riscos, o Banco Central fará apenas mais um corte de 0,25 p.p. em junho e terminará o ano com a Selic em 10,25%. Sua expectativa, afirmou em relatório, é de que com o Fed iniciando o ciclo de queda de juros no fim do ano, as condições melhorem para que o BC volte a cortar a Selic no Brasil. A projeção da casa, assim como a do Focus, é de Selic a 9%, mas só em 2025.