Com a bolsa em queda, em quais setores investir?
Especialistas apontam ações com melhores perspectivas em meio à piora do mercado e que podem servir como proteção da carteira
Guilherme Guilherme
Publicado em 20 de agosto de 2021 às 06h30.
Última atualização em 20 de agosto de 2021 às 08h27.
Motivadas por incertezas políticas e fiscais e menor apetite por economias emergentes, as recentes quedas da bolsa brasileira levaram o Ibovespa a zerar os ganhos no ano. Embora o movimento sinalize maior percepção de risco no mercado, especialistas consultados pela EXAME Invest acreditam que o momento pode ser propício para o investimento em bolsa.
As recentes desvalorizações abriram “excelentes oportunidades” para investimentos de longo prazo, segundo Rodrigo Barros, analista-chefe da gestora Âmago. Isso porque, apesar de o cenário macroeconômico não ser tão favorável, as empresas continuaram apresentando bons resultados. “Na Âmago, nós atribuímos nota para a qualidade dos balanços trimestrais. Em geral, a nota dos últimos resultados foi a maior desde 2015”, afirma Barros.
Aproveitando o movimento de queda, a Âmago adicionou ao seu portfólio as ações das Lojas Renner (LREN3), que chegaram a cair mais de 10% em um mês. “Essa era uma ação que não tínhamos por questão de preço e compramos porque caiu muito”, diz.
Outra ação que Barros tem em carteira e na qual enxerga grande potencial de alta com a reabertura econômica é a do Burger King (BKBR3). “Não temos dúvida alguma de que a vacina vai funcionar e a economia vai reabrir. O setor de consumo foi muito atingido e faz sentido comprar ações de empresas de qualidade e que se beneficiem da reabertura.”
É justamente no setor de consumo local que Bruno Lima, analista-chefe de ações do BTG Pactual digital, enxerga algumas das melhores oportunidades. “A temporada de balanços foi boa, com os resultados vindo acima das expectativas. As melhores surpresas foram com as empresas ligadas à atividade doméstica”, afirma.
Por outro lado, Lima alerta que os papéis ligados ao consumo local e à reabertura econômica podem sofrer com a piora da percepção de riscos fiscais e a consequente elevação dos juros futuros.
“O que tirou o momento da tese de reabertura não foi a variante delta, foi a curva de juros local, o que foi um pouco frustrante, porque tinha tudo para dar certo.” Segundo ele, porém, os efeitos foram excessivos em alguns papéis, abrindo possibilidades de compra.
“A curva de juro longa abriu 70 pontos base. Trazendo isso ao valor presente, estamos falando de uma correção de 12% a 15% dependendo do ativo. Mas teve papel que caiu 20% ou 30%.”
Luiz Fernando Araújo, CEO da gestora Finacap, avalia que a alta da curva de juros está relacionada, principalmente, com as incertezas sobre a PEC dos Precatórios. “Na nossa percepção, isso gerou uma distorção [no preço das ações] em relação aos resultados do segundo trimestre, que vieram muito bons, indicando uma forte recuperação econômica”, comenta.
Araújo pontua que ações de empresas de commodities podem ser uma boa alternativa para reduzir a exposição aos riscos fiscais. "O setor não só está bem pela precificação de commodities no mercado internacional, mas elas ainda são beneficiadas pela alta do dólar."
Um dos setores que também podem se beneficiar dessa conjuntura, diz Araújo, é o dos grandes bancos. “Eles se beneficiam da alta da taxa de juros e estão descontados há muito tempo, mesmo atravessando bem a crise.”
O CEO da Finacap ainda espera que os bancos façam uma distribuição de dividendos robusta, já que as provisões feitas no ano passado foram “bem conservadoras e devem ser revertidas”. “Com as recentes quedas, vejo uma boa oportunidade de entrada no setor.”
Em meio ao estresse dos mercados, as ações dos grandes bancos do país estiveram entre as que menos sofreram nos últimos 30 dias. No período, as ações do Itaú (ITUB4) seguiram no azul (ou verde), com alta de pouco mais de 2%. Menos de 15 ações entre as 84 do Ibovespa se mantiveram no campo positivo no período. Por outro lado, o Inter (BIDI11) tem uma das piores performances, com queda de 22%.
A forte desvalorização ocorre em meio à maior aversão às ações de empresas ligadas a tecnologia, com perspectivas de crescimento mais alongadas -- são as chamadas ações de crescimento. Fora do Ibovespa, a Enjoei (ENJU3) e a Méliuz (CASH3) tiveram quedas superiores a 30% no mesmo período.
“Para as empresas de tecnologia, a temporada de balanços não foi tão boa, com alguns resultados frustrando os investidores. Isso fez o mercado revisar suas perspectivas de crescimento, o que teve efeito negativo ao trazer para o valor presente das ações”, diz Lima, do BTG Pactual digital.
Os últimos pregões também penalizaram ações de empresas recém-chegadas à bolsa. Com ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês) realizadas em julho, as ações da Agrogralaxy (AGXY3) já acumulam perdas de 48%, enquanto o TC (TRAD3, ex-TradersClub) e a Multilaser (MLAS3) têm quedas de mais de 20%.
Rodrigo Barros explica que o momento é de maior cautela para as novas ações, devido à menor liquidez em relação aos principais ativos da bolsa e o pouco conhecimento do mercado sobre seus negócios.
“Algumas podem ser fantásticas, mas em momentos de turbulência, os gestores acabam concentrando o portfólio em ações de empresas com fundamentos já bem conhecidos e com alta liquidez para que ele consiga entregar o dinheiro para o cliente em caso de pedidos de resgate.”
Outro setor que pode sofrer no curto prazo, segundo Bruno Lima, é o de utilidade pública. Conhecido como defensivo por ter fluxo de caixa mais previsível, o setor enfrenta o desafio da crise hídrica, que, para muitos especialistas, ainda não foi precificada.
Nesse contexto, Lima diz avaliar ações de geradoras de energia hídrica com maior cautela, assim como as de saneamento básico. Já as distribuidoras e as transmissoras de energia, diz o analista, envolvem menos riscos operacionais e ainda podem ser usadas como proteção na carteira.