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Os bancos que geraram a crise ainda são os mesmos?

Quase dois anos depois do auge da crise, reguladores americanos ainda travam batalha com o lobby do setor para ampliar a regulação e prevenir um novo pânico nos mercados financeiros.

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Da Redação

Publicado em 12 de maio de 2010 às 17h19.

São Paulo - "Defendam-se, não deixem que aqueles pequenos funcionários punks tirem proveito de vocês". As palavras de John Boehner, líder do Partido Republicano, que mais parecem uma convocação à guerra, foram proferidas em março deste ano em um congresso na Associação Americana de Bancos. A ira revelada na declaração revela a polêmica que envolve a reforma financeira nos Estados Unidos, que pede um freio na atuação dos bancos.

Segundo Boehner, as restrições e regras reduziriam ainda mais a disponibilidade de crédito na economia americana. Os "punks" seriam os deputados e senadores que defendem um maior controle. Para o governo do presidente Barack Obama, aprovar a reforma é fundamental para dar uma resposta aos cidadãos americanos que pagaram a conta de bilhões de dólares criada depois dos resgates de bancos e financeiras.

O temor dos críticos é de que, com a demora em fixar e aplicar as medidas da reforma, a janela para blindar o setor pode fechar e deixar o mercado financeira à mercê de uma nova crise sistêmica. Um dos exemplos veio na última terça-feira (11). Foi aprovada uma emenda ao texto da lei que exige mais transparência para os empréstimos do Federal Reserve (Banco Central americano) aos bancos. O texto foi amaciado para ganhar os votos dos senadores.

As incertezas nas discussões chegaram a tal ponto que "não adianta mais esperar milagres", avalia Bill Conerly, economista da Conerly Consulting. "Algum tipo de reforma será aprovada. Infelizmente, algumas ideias não vão resolver as causas da recente crise financeira", analisa Conerly, que alerta para a versão mais branda que o texto adquiriu, perdido na batalha entre partidos e no lobby dos bancos.

Um exemplo é a Volcker Rule (regra de Volcker), que trata das instituições "too big to fail". São aqueles bancos que não podem falir porque arrastariam a economia inteira junto, por isso, as primeiras da fila a receber resgate financeiro. A proposta feita por Paul Volcker, ex-presidente do Fed e atual conselheiro econômico de Obama, busca limitar a atuação dos bancos de investimentos para torná-los menos expostos à produtos estruturados e considerados especulativos.

"Essa não é a melhor maneira de lidar com o 'too big to fail'", pondera Conerly. "Precisamos de um conjunto claro de orientações de quem será ajudado e quem não vai ser", explica o economista, em referência à decisão do governo americano em salvar, durante a crise de 2008, os bancos Merrill Lynch e Bear Stearns, porém negar o resgate ao Lehman Brothers. A decisão desencadeou a maior crise financeira desde a Grande Depressão.

Se o preço a pagar é o caos financeiro, melhor enjaular os novos setores, defende a professora de economia do Insper, Vitoria Saddi. "É bom que se restrinja a criatividade financeira a áreas que têm regulamentação". O texto atual da lei, diz a professora, tem mira curta e não previne novos pânicos. Por outro lado, a restrição pode asfixiar a criatividade financeira. "A inovação será limitada. Daqui a 20 anos nem sequer saberemos o que teria sido inventado num mercado mais dinâmico", diz Conerly.

Para a professora da Faculdade de Economia da USP e coordenadora do grupo de pesquisa de pós-graduação em Instituições do Capitalismo Financeiro, Leda Maria Paulani, pouco mudou de 2008 para cá. Segundo Leda, o recente escândalo de fraude no banco Goldman Sachs e os problemas de dívida de países europeus faz ainda parte do pacote da mesma crise.  "Sofremos do que a teoria econômica chama de dependência do caminho. A situação gerada nas ultimas décadas fabrica crise após crise", diz.

Ela explica que, depois da Segunda Guerra Mundial, as medidas de controle eram baseadas na combinação de garantia de depósitos e de uma rigorosa regulação dos balanços contábeis dos bancos, incluindo limites para os empréstimos de risco e para a alavancagem financeira (nível máximo até o qual os bancos têm permissão para financiar investimentos com recursos emprestados). "O crescimento da riqueza financeira desregulada criou um contra-senso. É como um vírus altamente contagioso que ninguém toma cuidado ou prevenção", finaliza.

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