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Apesar da crise, rumo ao grau de investimento

Com a perspectiva de o Brasil ser promovido pelas agências de risco, as ações da Bovespa devem se valorizar mais que a média mundial

Bovespa: o principal índice da bolsa teve valorização de 380% desde 2003

Bovespa: o principal índice da bolsa teve valorização de 380% desde 2003

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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2010 às 21h17.

Um ditado bastante difundido no mercado financeiro diz que a bol- sa costuma subir mais no boato do que no fato. Boas notícias sobre uma empresa, por exemplo, fazem suas ações se valorizar nos meses que antecedem a divulgação dos números. Quando o anúncio oficial é feito, normalmente a cotação dos papéis passa a andar de lado -- e pode até cair, à espera de novas promessas. Nos últimos meses, um recorrente boato tem feito a alegria dos aplicadores na Bolsa de Valores de São Paulo -- o de que o Brasil receberá, já em 2008, a nota de grau de investimento de agências internacionais de classificação de risco, uma espécie de selo de qualidade que atesta a baixíssima probabilidade de um calote da dívida. É o que explica, em grande parte, os 380% de valorização do Índice Bovespa, principal indicador do desempenho da bolsa, desde 2003. "É um grande evento, que deixa os investidores estrangeiros mais confiantes e valoriza as ações das empresas brasileiras mesmo antes de ser consumado", diz Roberto Padovani, estrategista sênior de investimentos para a América Latina do banco WestLB.

A grande pergunta hoje é se o período de valorização alimentado pelo boato já está perto do fim ou se há espaço para novas altas. A maioria dos especialistas ouvidos pelo Guia EXAME diz que ainda dá para ganhar dinheiro nesse mercado. "As ações brasileiras continuam baratas quando comparadas às de outros países", diz Nick Timberlake, diretor de renda variável para mercados emergentes do HSBC. O executivo dá a medida de sua confiança dizendo que o banco aumentou neste ano a participação do Brasil na carteira de seu fundo Bric, que aplica em ações de companhias brasileiras, indianas, russas e chinesas. Nem mesmo a turbulência que atinge as bolsas mundiais desde o final de julho conseguiu aplacar a confiança dos especialistas. No mês passado, em meio à volatilidade dos pregões provocada por problemas no mercado de crédito imobiliário dos Estados Unidos, a agência de avaliação de risco Moody's elevou a nota do Brasil, deixando o país a um passo do grau de investimento. "Com a crise, poderá haver alguma desaceleração do crescimento mundial e de países como o Brasil, mas nada tão grave que justifique, ao menos até agora, uma reversão do caminho para o investment grade", diz Mark Mobius, diretor da americana Franklin Templeton, uma das maiores gestoras de recursos do mundo. Para Mobius e para todos os especialistas consultados pelo Guia EXAME, a tendência para a bolsa nos próximos meses é positiva -- ainda que não estejam descartados novos solavancos, como os das últimas semanas.

Para onde vai a bolsa

Quando obtiver o grau de investimento, o Brasil será visto como um país que consegue fazer frente à sua dívida externa. Para dar essa garantia, as agências de rating avaliam o tamanho do endividamento em moeda estrangeira, as reservas internacionais e as exportações. Quanto menor a dívida e quanto maiores as reservas e as exportações, melhor a nota do país. E o que isso tem a ver com a bolsa de valores? Tudo. O atestado de baixo risco atrai investidores que querem colocar dinheiro nas empresas brasileiras mas não estão dispostos a conviver com o perigo de um calote do país. Fundos de pensão mais conservadores dos Estados Unidos e da Europa -- que têm em caixa algumas centenas de bilhões de dólares -- só podem aplicar em países que são grau de investimento, por exemplo. "O aumento do fluxo de dólares para a bolsa é um grande ganho que virá com uma nota maior", diz Padovani, do WestLB. Só para comparar, no México, o volume diário de negócios do principal índice de ações da bolsa local dobrou em um ano, para 230 milhões de dólares, depois da elevação da nota.

Outro benefício é a provável melhora dos resultados das empresas. A diminuição do risco do país reduz também o risco das empresas e facilita que elas próprias obtenham o grau de investimento, o que permite o acesso a linhas de financiamento mais baratas. É o que já conquistaram pelos próprios méritos companhias como Ambev, Gerdau e Vale do Rio Doce. Além disso, o aumento da nota do Brasil coroa uma evolução mais profunda da economia brasileira. "Em geral, países que caminham para o grau de investimento costumam apresentar fundamentos mais sólidos, como estabilidade da moeda, queda dos juros e crescimento econômico, o que beneficia a bolsa", diz Rodrigo Bresser Pereira, sócio da gestora Bresser Asset Management. Em dois anos, a taxa básica de juro da economia, a Selic, caiu de 19,75% para 11,25% -- e espera-se que fique em menos de 10% até o fim de 2008. Além disso, a maioria dos economistas projeta uma expansão do PIB de cerca de 4,5% para 2007 e 2008 -- índice maior que a média de 3,2% dos últimos cinco anos.

Ao antever esse cenário positivo, os investidores tendem a aumentar suas apostas na bolsa. Querem comprar as ações enquanto elas ainda estão baratas e, dessa forma, acabam dando início ao processo de valorização dos papéis. Nesse quesito, o Brasil não é, de maneira alguma, uma exceção, já que foi exatamente isso o que ocorreu na maioria dos países emergentes antes da melhora da classificação de risco. Na Índia, por exemplo, o principal indicador do desempenho da bolsa, o BSE Sensex, subiu 75% em 2003, ano que antecedeu a obtenção do primeiro selo de grau de investimento -- segundo os analistas, é esse primeiro anúncio que mais tem impacto sobre a bolsa, porque indica a mudança de patamar do país. No mesmo período, o índice S&P 500, da bolsa de Nova York, subiu apenas 26%. "Talvez a alta no Brasil não seja tão forte, porque as ações já subiram muito nos últimos anos e estamos no meio de uma turbulência internacional, mas o fato é que há bastante espaço para ganhos", diz Roberto Knoepfelmacher, gestor de fundos da Gas Investimentos, em São Paulo. Os especialistas consultados pelo Guia EXAME projetam três cenários para a Bovespa nos próximos 12 meses. O mais provável prevê que o Ibovespa suba 34%.

O exemplo indiano

A maior dúvida no momento é saber quais serão os efeitos da crise iniciada pelos calotes no mercado de crédito imobiliário americano na economia mundial, de modo geral, e no Brasil, em particular. Até agora, os especialistas consideram improváveis tanto o desfecho pessimista, que prevê uma recessão nos Estados Unidos, como o otimista, que sustenta que os problemas devem ficar restritos ao mercado imobiliário, sem afetar a economia americana de forma mais séria. O cenário mais plausível é o intermediário: haverá algum estrago na economia americana, o que prejudica outros países, mas não de forma drástica. Para o Brasil, isso significa que o país continua a caminho do grau de investimento, mas o anúncio pode demorar um pouco mais do que se esperava. "As agências de rating devem ficar mais cautelosas", diz Mark Mobius, da Franklin Templeton. Até julho, quando os sinais mais graves da crise começaram a aparecer, previa-se que a nota brasileira poderia, no melhor dos cenários, ser elevada ainda neste ano -- possibilidade que é considerada remota hoje. O adiamento justifica-se não só porque as condições econômicas mudaram mas também porque as agências de rating estão sob os holofotes e não querem ser acusadas de excesso de otimismo. "A imagem das agências foi afetada na crise porque empresas com boas notas tiveram problemas. É natural que elas sejam mais conservadoras agora", diz o executivo de um banco.

E o que acontece depois? Quando o grau de investimento não for mais um boato, e sim um fato, a bolsa tende a cair? Não necessariamente. É comum haver uma ressaca logo após o anúncio da melhora da nota, como ocorreu na Polônia. Em alguns casos, o mau humor pode durar meses. Foi assim na África do Sul, onde a bolsa caiu 19% no trimestre seguinte ao grau de investimento. Depois de alguns meses, porém, o mercado se recuperou e fechou o primeiro ano com alta de 21%. Na Índia, a queda foi mais pontual e durou poucas semanas. Na Rússia, a bolsa de Moscou nem chegou a registrar grandes perdas -- em apenas três meses, o RTS, principal índice do mercado, subiu 113%. Já no México, todo o primeiro ano após a obtenção do grau de investimento foi ruim -- a queda ficou em 23%. "Não existe um padrão, porque a valorização passa a depender exclusivamente da situação das empresas e da economia", diz Pedro Martins, chefe de análise de ações do banco Merrill Lynch no Brasil. "É a dose de realidade que vem depois do grau de investimento: o país deixa de ser uma promessa e tem de provar que ainda é um lugar com potencial."

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