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Adeus, retrovisor: olhar retorno passado não é forma de escolher um fundo

Foco do investidor deve ser buscar consistência e conhecer o gestor do produto

Existe o risco de que o investidor tenha prejuízo caso embarque “atrasado” em um ativo que já deu muitos ganhos (M2K7/Thinkstock)

Existe o risco de que o investidor tenha prejuízo caso embarque “atrasado” em um ativo que já deu muitos ganhos (M2K7/Thinkstock)

BQ

Beatriz Quesada

Publicado em 21 de novembro de 2020 às 07h00.

Última atualização em 23 de novembro de 2020 às 17h42.

Uma das máximas mais conhecidas do mercado financeiro é que “retorno passado é diferente de ganho futuro”. Em resumo, o desempenho anterior de um ativo influencia muito pouco em como ele deve se comportar daqui para frente. Mas, na ausência de uma bola de cristal para prever o rendimento de amanhã, muitos investidores continuam apostando que o histórico de um fundo contém a chave para alcançar boas decisões de investimentos. 

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A resposta para entender essa tendência está na falta de uma cultura sólida de investimentos no Brasil e no próprio comportamento humano. “É natural que o investidor coloque suas expectativas no passado porque é muito difícil exercitar o olhar de longo prazo. Poucas pessoas traçam um horizonte de 10 anos para seus investimentos, que é o que deveria ser feito”, argumenta Ana Leoni, superintende de educação e informações técnicas da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Um dos sinais que demonstram o apego do brasileiro com o passado está na preferência pelos fundos de renda fixa. Essa modalidade de investimentos já foi muito rentável quando o país enfrentou períodos de alta na taxa de juros básica da economia – um dos indicadores mais utilizados para esse tipo de produto. A taxa Selic, porém, sofreu nove cortes desde julho de 2019 e, atualmente, está na mínima histórica de 2% ao ano. Isso, em tese, diminui a atratividade da renda fixa.

O cenário, no entanto, não é exatamente esse. “Mesmo com os investidores migrando para outros tipos de produto, o apetite por renda fixa ainda é grande por causa do histórico”, explica Leoni. Entre os 50 fundos com maior captação líquida em 2020 até a metade de novembro, 26 estão classificados nessa categoria, segundo dados compilados pela plataforma Economatica. E, ao inserir na conta os fundos de previdência focados em renda fixa, o número salta para 33 fundos, ou 66% do total. No top 5, apenas o primeiro colocado foge à tendência: é um fundo multimercado.

A história se inverte quando são observados os 50 fundos de investimento com maior retorno em 2020. Apenas dois deles são focados em renda fixa, contra 25 em multimercados, 22 em ações e um voltado aos Exchange Traded Funds (ETFs) – índices de fundos de investimento negociados em bolsa como ações. Outro ponto que chama a atenção é a preferência por ativos no exterior, que é característica comum entre quatro dos cinco produtos mais rentáveis do ano. Os dois primeiros colocados, a propósito, investem prioritariamente em criptoativos.

Vale destacar que esse é um recorte pontual do desempenho desses fundos que também não garante rentabilidade futura. Assim como os bons anos de histórico da renda fixa não trouxeram retornos em 2020, o mesmo pode acontecer no futuro com as aplicações mais badaladas do ano. “Muita gente é atraída por investimentos do momento porque eles recebem muita atenção em relatórios e nas redes sociais, mas é importante não se deixar enganar pela aura”, afirma Juliana Machado, especialista em fundos de investimento da Exame Research.

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Existe o risco de que o investidor tenha prejuízo caso embarque “atrasado” em um ativo que já deu muitos ganhos. No pior cenário, logo de cara o retorno não é igual ao esperado, a frustração toma conta do cotista e ele abandona o investimento na hora errada, perdendo dinheiro. A mentalidade  a longo prazo é um desafio que pode ser aplicado a qualquer classe de ativos listada em bolsa — de títulos a ações — porém, no caso dos fundos, o obstáculo é ainda maior. Eles não são, afinal, produtos tão dinâmicos quanto seus pares. 

“Quando se fala de ações, existe uma movimentação bastante intensa de rebalanceamento de carteira se os papéis atingem determinado preço-alvo. Mas cotas dos fundos não devem ser encaradas da mesma forma. Elas não servem para esse tipo de trade mais enérgico, são ativos de horizonte alongado”, afirma Machado.

Retorno em último plano?

A conclusão dos especialistas é de que o passado de um fundo pode sim trazer boas informações de investimento, desde que seja encarado da forma correta. O mais importante , em termos de retorno, é checar a consistência do produto no longo prazo. Como? Observando diversas janelas diferentes de investimento que incluam momentos de crise e de estresse nos setores em que esse ativo investe. “A busca correta por fundos foca nos sobreviventes, e não nos vencedores do dia. Os bons produtos vão perder em alguns momentos, mas vão ter melhor resultado a longo prazo”, opina Machado.

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A analista recomenda, ainda, que o retorno passado do fundo seja o último critério observado pelo investidor. Antes, é preciso conhecer como pensa o gestor do produto, como ele aloca recursos, como toma risco, e entender se essas condições estão alinhadas com as expectativas do futuro cotista. É, inclusive, mais fácil observar boas pistas no retorno passado de um fundo se elas vierem acompanhada de uma análise criteriosa do perfil e do estilo de quem é a cabeça por trás do investimento.

Na era das redes sociais, os gestores estão cada vez mais acessíveis e costumam mostrar bastante de sua visão em tweets e lives. Também dá para recorrer a vias mais tradicionais, como a clássica carta do gestor, liberada mensalmente pelas gestoras justamente para mostrar ao mercado sua linha de atuação. Existem ainda as lâminas dos fundos, documentos obrigatórios que detalham o investimento e podem ser úteis para entender o tipo de produto em que a instituição acredita.  

Os investidores também precisam estar atentos aos benchmarks adotados por cada fundo. Os mais famosos são CDI e Ibovespa, mas existem diversos índices de referência em que os gestores se baseiam para calcular a rentabilidade de um fundo. “Um prédio de 40 andares é alto em comparação a uma casa térrea, mas não tem andares suficientes para competir com um arranha céu. É uma questão de referencial, que também afeta o universo dos investimentos”, pontua Leoni. 

E antes de tudo isso, é essencial que o investidor tenha claro qual objetivo quer atingir com o investimento. Analisar rendimento e desempenho de um fundo não gera frutos se a alocação for feita fora do perfil correto. Um fundo de criptoativos, por exemplo, deve passar longe de carteiras conservadoras e voltadas para o curto prazo, ainda que a consistência de retorno seja interessante.

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