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John Kerry: “A maioria dos cientistas já duvida que a meta de 1,5°C seja viável, mas não podemos perdê-la de vista” (Yuri Gripas/Reuters/Reuters)
Rodrigo Caetano
Publicado em 27 de janeiro de 2021 às 18h12.
Última atualização em 27 de janeiro de 2021 às 19h09.
Para a nova administração dos Estados Unidos, as mudanças climáticas são um assunto de segurança nacional. Em sua primeira semana como presidente-eleito, o democrata Joe Biden deixou isso claro ao nomear John Kerry, ex-secretário de estado do governo Obama, para o cargo de enviado especial da presidência para o clima, criando uma nova cadeira no Conselho Nacional de Segurança. Kerry será uma espécie de “czar do clima” de Biden.
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O enviado especial adota um tom belicoso ao se referir às mudanças climáticas. Há um ano, Kerry lançou uma iniciativa para o clima batizada de World War Zero (guerra mundial zero, em tradução livre). Em sua visão, o tema deve ser tratado como um conflito de proporções globais, semelhante às duas Grandes Guerras do início do século passado. Na primeira semana de governo empossado, ele não arrefeceu.
“A guerra climática já começou, e estamos perdendo”, afirmou Kerry durante a versão online do Fórum Econômico Mundial, que acontece nesta semana. “Apenas medidas domésticas não serão suficientes, precisamos de um movimento global.”
Se alguém tinha dúvidas quanto à seriedade das promessas do governo Biden, certamente está revendo a posição. Horas depois de Kerry declarar guerra contra o aquecimento global em Davos, Biden, seu chefe, assinou uma série de decretos presidenciais destinados a “confrontar a ameaça existencial das mudanças climáticas”. “Não podemos esperar mais”, afirmou o presidente, da Casa Branca. “Vemos com nossos próprios olhos. Sentimos nos ossos. É hora de agir.”
Os decretos ordenam as agências federais, todas elas, a parar de subsidiar combustíveis fósseis. Biden, inclusive, já encomendou 645 mil carros elétricos para substituir parte da frota governamental. Para o Brasil, o mais importante, no entanto, é uma ordem que coloca as mudanças climáticas, pela primeira vez, como uma parte fundamental em todas as decisões de política externa.
Em Davos, Kerry anunciou que os Estados Unidos organizarão sua própria conferência climática internacional, no dia 22 de abril, quando é celebrado dia da Terra. “Um evento essencial para garantir que 2021 seja o ano de recuperação do tempo perdido nos últimos quatro anos”, disse o czar do clima, em clara referência às políticas anticlimáticas do governo de Donald Trump.
Guerra = oportunidade
Todo conflito produz vencedores e vencidos, não apenas entre os combatentes, mas entre aqueles que os financiam. Na guerra contra o aquecimento global, não será diferente. Kerry considera que a transição para uma economia de baixo carbono representa a “maior oportunidade de mercado da história”. E o dinheiro está, principalmente, no setor de energia.
Haverá uma demanda enorme por energia nos próximos anos, segundo ele, não apenas pelo crescimento econômico esperado, que depende de energia, mas pela necessidade de levar eletricidade a 1 bilhão de pessoas que hoje vivem no escuro no mundo. Também é preciso acelerar o desenvolvimento das renováveis e a eletrificação dos transportes para alcançar a meta do Acordo de Paris, de manter a elevação da temperatura global em 1,5°C até 2050.
“A maioria dos cientistas já duvida que a meta de 1,5°C seja viável, mas não podemos perdê-la de vista”, disse Kerry. “Só que, para termos 60% de chance de alcançá-la, precisamos reduzir pela metade as emissões até 2030, o que implica em acelerar em 5 vezes a substituição do carvão, em 6 vezes o desenvolvimento das energias renováveis e em 22 vezes a eletrificação dos transportes. É possível. E o setor privado é quem vai nos salvar.”
Durante o painel, Kerry mencionou duas vezes as cartas de Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora do mundo. Perguntado se o governo americano considerava impor políticas climáticas às empresas, ele desconversou. “O setor financeiro já faz isso”, afirmou. Kerry deixou bem claro que, na guerra contra as mudanças climáticas, seu maior aliado é a força do capital, tanto do governo americano, quanto dos investidores. “Fink sabe que pode facilmente colocar alguns trilhões em determinados setores”, comentou o ex-secretário de estado.
Será que Biden, Kerry e Fink serão tão bem sucedidos quanto Roosevelt, Montgomery e Churchill, o trio que salvou o mundo da ameaça nazista? Poder, vontade e capacidade financeira eles têm, mas falta combinar com o Stalin da vez: o líder chinês Xi Jinping. O certo é que as luzes da mudança já despontam no horizonte.
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