Médico alagoano usa luz virtual e IA para criar lente que trata catarata
Já aprovado na União Europeia, o produto, que combina diferentes tecnologias, deve começar a ser vendido no Brasil em 2025
Repórter
Publicado em 10 de outubro de 2024 às 16h49.
Última atualização em 10 de outubro de 2024 às 20h52.
"Pessoas do mundo todo poderão enxergar melhor graças a uma tecnologia idealizada no Brasil ", conta João Marcelo Lyra, médico oftalmologista e cirurgião alagoano que desenvolveu a lente intraocular Galaxy, a primeira do seu tipo no mundo e que adota um design em espiral pioneiro.
O projeto, iniciado em 2019, uniu especialistas de várias áreas — inteligência artificial, física óptica e oftalmologia — para resolver um dos principais problemas das lentes multifocais tradicionais e que são instaladas por meio de cirurgia nos olhos dos pacientes: os efeitos colaterais visuais, como distorções em forma circular ao redor de luzes, que incomodam até 15% dos operados.
O desenvolvimento da Galaxy envolveu uma colaboração da empresa fundada por Lyra, a Logos Bio Science, com a empresa britânica Rayner, referência global em lentes intraoculares, o que ajudou a consolidar o novo produto no mercado europeu.
Testada em pacientes do Reino Unido e da Nova Zelândia, a nova tecnologia já beneficiou mais de 15 pessoas durante os testes de aprovação e tem potencial para alcançar milhares, especialmente com a liberação comercial na Europa, que ocorreu este ano. A Rayner, que investiu mais de 10 milhões de libras no desenvolvimento e distribuição do produto, acredita que a Galaxy pode conquistar até 10% do mercado de lentes intraoculares multifocais na Europa até 2025. A previsão é que a chegada ao Brasil ocorra no próximo ano.
Lyra destaca que o tempo de desenvolvimento foram drasticamente reduzidos graças à integração de inteligência artificial e aprendizado de máquina aplicado no design da lente. Segundo o médico, uma nova proposta de engenharia leva, tradicionalmente, entre três e seis anos; neste caso, caiu para cerca de dois anos. Isso não só acelerou o lançamento da tecnologia, como também reduziu custos.
"Um projeto como esse normalmente custaria de US$ 5 a 6 milhões. Conseguimos otimizar todo o processo e desenvolver a lente por menos da metade desse valor", afirma Lyra. A estimativa é que o custo final da lente para o consumidor fique entre US$ 2.500 e US$ 4.000, dependendo do mercado.
A Galaxy trouxe uma mudança de paradigma na indústria de lentes intraoculares. Desde os anos 2000, o design das lentes multifocais não mudou significativamente, permanecendo na tecnologia chamada de anéis infrativos, que resolvia parte dos problemas de visão, mas trazia o desconforto das distorções visuais. Com a pandemia e a nova busca global por qualidade de vida — e, consequentemente, por melhor qualidade de visão —, a demanda por soluções mais eficientes cresceu.
"O mundo passou a exigir mais", ressalta Lyra, apontando que tecnologias antigas não atendem mais às necessidades de pacientes que querem dirigir à noite, viajar mais e ter visão clara sem óculos, além disso, os acometidos por doenças oculares atualmente usam dispositivos eletrônicos por muito mais tempo que gerações anteriores, justificando a inovação.
A solução da lente Galaxy
O design em espiral da lente oferece um "corredor de visão" que cobre uma faixa de 30 a 80 cm de visão, sem os incômodos halos ou perda de contraste que eram comuns nas lentes anteriores. Para isso, a equipe utilizou algoritmos de machine learning para ajustar mais de mil parâmetros no design da espiral, junto de um sistema de ray tracing, em português "traçado de raios", a mesma tecnologia usada em videogames para simular a luz em ambientes virtuais. Ela cria o caminho da luz através de uma retina simulada, garantindo a máxima precisão óptica.
O avanço tecnológico da Galaxy representa uma importante vitória não apenas para a ciência, mas também para a indústria brasileira. O projeto foi apresentado recentemente na feira de oftalmologia de Barcelona, onde mais de18 mil profissionais de todo o mundotiveram a oportunidade de conhecer a inovação na área da saúde ocular.
O cirurgião brasileiro responsável pelo projeto, junto com sua equipe, tem planos ambiciosos para os próximos anos. Eles pretendeminvestir cerca de R$ 30 milhõesem novas soluções criativas e tecnologias baseadas em biotecnologia e IA, voltadas para a saúde dos olhos. Lyra parece ter a visão clara sobre o negócio.