Índia quer proibir circulação de criptomoedas. Mas isso é realmente possível?
Segundo especialistas, proibição pode esbarrar em fatores técnicos e estimular criação de mercado paralelo e fora do alcance de reguladores
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 15 de março de 2021 às 14h26.
Última atualização em 15 de março de 2021 às 14h32.
Apontada como uma das causas para a queda de 10% no preço do bitcoin na manhã desta segunda-feira, 15, a proposta de lei para banir o bitcoin e os criptoativos na Índia pode esbarrar em dificuldades técnicas para ser colocada em prática.
Segundo uma fonte ligada ao alto escalão do governo indiano ouvida pela Reuters, a proposta visa criminalizar a posse, emissão, mineração, negociação e transferências de criptoativos no país, naquela que pode se tornar a legislação mais rígida contra o bitcoin no mundo.
Como a Índia tem uma das maiores populações do mundo, superior a 1,3 bilhão de pessoas, a aprovação da lei poderia afetar milhões de pessoas e impactar no mercado de criptoativos globalmente — o governo está confiante na aprovação, já que o primeiro-ministro Narendra Modi tem maioria no parlamento.
A aplicação, entretanto, pode não ser tão simples quanto o governo indiano gostaria. "Impor a proibição é a parte mais difícil da equação. A menos que o governo exerça controle estrito sobre a Internet, os indivíduos podem baixar o software de carteira bitcoin, executar um nó e concluir as transações. Isso pode dificultar a adoção generalizada, mas também pode aumentar sua demanda pelo mesmo motivo", diz relatório do site Seeking Alpha.
Especialistas também afirmam que o governo não tem a infraestrutura necessária para executar a proibição dos criptoativos, o que pode causar o surgimento de mercados paralelos e clandestinos.
“Se o governo conseguir a proibição dos criptoativos, será impossível aplicá-la, porque ele não tem a infraestrutura para isso”, disse Sidharth Sogani, CEO da Crebaco Global, uma empresa de pesquisa de criptomoedas, em entrevista ao Economic Times. “Isso dará origem a uma economia paralela e esta é uma situação que o governo certamente não deseja.”
Shivam Thakral, executivo de uma corretora de criptoativos local, afirma que o proibição aumentará o uso de transferências ponto a ponto (P2P), algo similar ao que acontece na China, onde, apesar da posse e da negociação de bitcoin não serem proibidas, as corretoras foram banidas, mas o comércio continua existindo, e com enorme volume de negociações: "Podemos esperar que as negociações aconteçam em canais paralelos como P2P, WhatsApp ou grupos de redes sociais, plataformas de câmbio, dinheiro vivo e outras fontes anônimas não rastreáveis, que têm sido uma grande preocupação para os proponentes de um ecossistema de criptografia confiável na Índia”.
"Caso a proibição seja imposta, o criptoativos serão negociados no mercado clandestino. Essa é uma consequência não intencional já comprovada desse tipo de proibição. O mercado não desaparece, ele apenas se move para cantos mais obscuros, com riscos que incluem o aumento do uso para lavagem de dinheiro. O financiamento do terrorismo também pode se apropriar do mercado, já que os reguladores não terão nenhum controle sobre a atividade. A saída ideal é criar uma infraestrutura legal para regular esses ativos, em vez de aprovar leis para bani-los", explicou Mandar Kagade, fundador da Black Dot Public Policy Advisors, uma consultoria de comunicação especializada em investimentos.
A Associação de Internet e Dispositivos Móveis da Índia (IAMAI) também não vê a proposta de proibição com bons olhos. Na última semana, apelou ao governo contra a aprovação da lei e sugerindo a introdução de mecanismos robustos de regulação, citando, inclusive, que o país se beneficia do mercado de criptoativos atualmente, por exemplo com a criação de postos de trabalho.
Horas depois da divulgação da notícia pela Reuters, a ministra das finanças da Índia, Nirmala Sitharaman, falou ao jornal Deccan Herald que a proibição pode não ser tão rigorosa quanto estava sendo divulgado: "Do nosso lado, temos a clareza de que não fecharemos todas as opções. Permitiremos algumas janelas para que as pessoas façam experimentos com blockchain, bitcoin e criptoativos", disse, acrescentando que a indústria de fintechs depende desse tipo de experimento.
Apesar das incertezas dentro do próprio governo indiano e também das dificuldades técnicas para a proibição, o risco de aprovação de uma lei rigorosa afetou o mercado cripto nesta segunda-feira, e, junto à outros fatores, fez o preço do bitcoin despencar mais de 10%.
No curso "Decifrando as Criptomoedas" da EXAME Academy, Nicholas Sacchi, head de criptoativos da Exame, mergulha no universo de criptoativos, com o objetivo de desmistificar e trazer clareza sobre o funcionamento.Confira.