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Como a lei classifica os NFTs? Entenda o debate e as regras no Brasil

Tema ganhou destaque no mercado com processo nos Estados Unidos que pode afetar maior parte do segmento de tokens não-fungíveis

Juiz nos EUA indiciou que pode classificar NFTs como valores mobiliários (Getty Images/Reprodução)

Juiz nos EUA indiciou que pode classificar NFTs como valores mobiliários (Getty Images/Reprodução)

João Pedro Malar
João Pedro Malar

Repórter do Future of Money

Publicado em 28 de fevereiro de 2023 às 16h13.

Um julgamento nos Estados Unidos chamou a atenção do mercado em fevereiro pelo grande potencial de impacto no segmento de tokens não-fungíveis (NFTs, na sigla em inglês). Por trás dessa apreensão está um problema que o setor enfrenta: a ausência de uma definição jurídica clara sobre a classificação desses criptoativos. E o cenário não é tão diferente no Brasil.

A preocupação dos investidores se intensificou quando um juiz declarou haver evidências de que os NFTs da coleção NBA Top Shot, uma das mais famosas na área de esportes atualmente, poderiam ser classificados como valores mobiliários. Com isso, o projeto entraria no escopo de regulação e supervisão da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) e a empresa responsável seria punida por não cumprir as leis do país sobre o tema ao lançar os ativos.

A opinião do juiz ainda não representa uma decisão final, mas caso essa posição se confirme, o impacto seria grande o suficiente para abranger boa parte do setor de tokens não-fungíveis no país, explica Isac Costa, professor do Ibmec-SP e sócio de Warde Advogados.

"Nos Estados Unidos, as decisões judicias são bastante importantes na medida em que tem conceitos jurídicos indeterminados, que é o caso dos valores mobiliário. Nesse caso, é a jurisprudência que diz que a partir dali [a decisão judicial] a classe de ativos seria considerada ou não um valor mobiliário", pontua.

Ou seja, uma decisão nesse sentido abriria margem para enquadrar todos os NFTs em situação semelhante na categoria de valor mobiliário. Costa destaca que, nesse caso, há alguns elementos específicos que esses tokens precisariam seguir, em especial a existência de uma empresa por trás do projeto que usa os recursos arrecadados com os tokens para fomentar o mercado e criar um ambiente de negociação que favorece os compradores iniciais.

"Seria algo específico pra esses NFTs parecidos. NFT em si é tecnologia, uma forma de atribuir propriedade a um item digital. Isso por si só não diz muita coisa, é um sistema de registro, questionar se é valor mobiliário nem faz sentido. Agora, se oferece esse token para captar dinheiro e os proprietários terão rendimentos, aí tem um valor mobiliário", diz o professor.

Na visão de Costa, o enquadramento do NBA Top Shot na categoria de valor mobiliário significaria que praticamente todas as grandes coleções de NFTs também entrariam nessa classificação: "se eles assumem essa participação, de empresa que está por trás do contrato, vende o NFT e se financia com isso, mesmo sem prometer rendimento, viabiliza a criação do mercado que dá o rendimento".

Ele acredita ainda que a decisão criaria uma vinculação para futuras decisões jurídicas e de regulação, influenciando também na atuação da SEC, que teria espaço para "atuar de forma mais intensa nesse mercado", em linha com o que tem ocorrido com grandes empresas de criptomoedas. "Era uma porta que está aberta para empreender, mas em princípio ela ficaria fechada", avalia.

NFTs no Brasil

Já no Brasil, Costa avalia que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) adotou um entendimento "mais conflitante" com o norte-americano. A agência lançou em 2022 um parecer de orientação que dividiu os criptoativos em três tipos: criptomoedas, tokens de utilidade e tokens referenciados em ativos. No caso dos NFTs, é possível que eles se enquadrem nas duas últimas categorias, dependendo das características de cada token.

"Depende da essência econômica da operação, o benefício econômico associado a ele. Se o benefício for decorrente de um esforço de quem vende, então pode ser um valor mobiliário", comenta Costa. O professor destaca que, em casos já analisados, a CVM não definiu NFTs específicos como valores mobiliários devido à ausência de promessa de pagamento ou rendimento por parte dos seus criadores.

Atualmente, caso os tokens lançados no mercado não tenham essa promessa, eles não entrariam nessa categoria e ficariam de fora da tutela e das regras da CVM. "Mas e se não promete nada disso, mas o token só existe e se valoriza porque você faz alguma coisa, é um valor mobiliário? Sem a empresa, o token não teria valor, então sai da lógica do colecionável, porque a empresa cria o mercado e a atuação dela que dá valor", questiona Costa.

Ele ressalta que a CVM não é obrigada a seguir a jurisprudência dos Estados Unidos, mas tradicionalmente as decisões no país são levadas em conta. Independente da decisão sobre os NFTs, o professor acredita que a determinação como valor mobiliário no Brasil vai variar de caso em caso devido à falta de regras específicas, além da própria vontade do regulador de entrar nesse tema.

"No futuro, a resposta a ser dada pelo regulador vai ponderar o que foi definido nos Estados Unidos e a vontade política do regulador tratar do tema. Se ele não quiser tratar, pode deixar pra lá", pondera Costa. Além disso, a lei sobre criptomoedas sancionada em 2022 já enquadraria os NFTs que não são valores mobiliários, mas detalhes específicos para esses ativos dependerão da chamada "regulação infralegal", uma etapa de publicação de regras específicas nos próximos meses.

"Se for valor mobiliário, vai ter toda a discussão sobre promessa de rendimento, registro de oferta, negociação e ambiente regulado, é arrastado para esse redemoinho de discussões. Se for só ativo digital, vai precisar esperar a regulação infralegal sobre autorizações, funcionamento de marketplaces, serviços de custódia de NFTs. São coisas ainda sem respostas", diz.

Mesmo assim, Costa avalia que o fato da CVM apenas abordar a classificação desses ativos quando precisa lidar com denúncias acaba criando uma insegurança jurídica. Ele defende que o ideal seria que a agência adotasse uma postura semelhante à do caso dos chamados "condo-hotéis": "ela identificou a grande oferta desses produtos, reconheceu a controvérsia, definiu como valor mobiliário e criou uma regra de transição com uma data em que passaria a ter uma norma sobre essas ofertas. A CVM não deveria esperar consultas e denúncias, deveria chamar a competência para si, mas por enquanto não aconteceu".

Já em relação à regulação infralegal para NFTs que forem apenas ativos digitais, Costa pondera que "o processo de regulação não é racional. Se fosse algo racional, todos os ativos seriam tratados de uma vez para evitar lacunas: stablecoins, NFTs, criptomoedas, tokens de utilidade. O mais provável é que [a regulação infralegal] foque em exhcanges e deixe NFTs para um segundo momento, então o mercado vai ter insegurança jurídica e o regulador vai ser reativo e vai ser mais provocado em denúncias, o que facilita a aplicações de multas, indisposições, uma via punitiva, o que é péssimo".

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