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Empresas brasileiras podem seguir a Tesla e entrar no mercado de criptoativos

Uso de ativos digitais na composição do capital social das empresas pode beneficar startups, que têm nos aportes de capital a estratégia mais comum de crescimento

 (INA FASSBENDER/Getty Images)

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Gabriel Rubinsteinn

Publicado em 16 de fevereiro de 2021 às 15h51.

A entrada de grandes empresas no mercado de criptoativos, que ganhou força nos Estados Unidos com nomes como Paypal, MicroStrategy e, mais recentemente, a Tesla, poderá acontecer também no Brasil, graças ao entendimento do Ministério da Economia, que permite que os ativos digitais sejam utilizados na composição do capital social das empresas e também que elas invistam seus recursos nesse tipo de ativo.

O entendimento da pasta, comunicado no Ofício Circular SEI 4081/ME, foi divulgado em dezembro de 2020, mas ganhou força recentemente, com a entrada das empresas norte-americanas no mercado cripto. Ele se apoia em definições do Banco Central, da CVM e da Receita Federal sobre o caráter das criptomoedas, mas frisa também o trecho do Código Civil que afirma ser aceitável, no capital de uma sociedade empresarial, qualquer espécie de bens suscetíveis a avaliação pecuniária.

Ao admitir que qualquer bem pode ser considerado passível de compor uma operação societária, o Ministério da Economia legitima as transações com criptomoedas para esta finalidade, e a iniciativa tem o potencial de estimular a difusão delas em alguns setores, uma vez que aportes de capital são, possivelmente, a estratégia mais comum para startups escalarem seu negócio.

"Do ponto de vista jurídico, não há vantagem direta (ou comparativa) para fazer integralização de capital social com criptoativos, com relação a outros bens. Não há nenhum ganho de eficiência regulatória ou registral. Por outro lado, do ponto de vista do negócio, cria mais uma alternativa para o empreendedor constituir uma companhia ou aumentar o seu capital social. A vantagem é justamente ampliar o rol de bens integralizáveis e permitir que o empreendedor contribua para a formação do capital social da forma mais conveniente possível", afirmou Pedro Eroles, sócio da prática de Bancos e Serviços Financeiros do escritório Mattos Filho.

Claudio Oksenberg, sócio da prática de Direito Societário do mesmo escritório, diz que a medida também permitirá que empresas brasileiras façam como a Tesla e a MicroStrategy e utilizem seu patrimônio para comprar bitcoin ou outros criptoativos: "Em geral, nada impede que a companhia invista parte de seus recursos em bitcoins ou outros ativos financeiros, desde que faça sentido para suas condições financeiras e que não viole o dever de diligência dos administradores".

Eroles, por sua vez, recomenda cautela a quem optar por esse caminho: "É importante que as empresas que pretendem realizar tais investimentos tenham em vista que esses ativos no Brasil ainda apresentam um certo grau de incerteza quanto à sua natureza e com relação à sua regulação, o que implica uma avaliação mais criteriosa com relação a riscos relativos à, por exemplo, volatilidade de seu valor e liquidez para permuta em outros ativos".

A volatilidade dos criptoativos é um dos entraves para essas operações, já que, para compor o capital social da empresa, os bens devem ser precificados: "A questão da volatilidade dos preços das criptomoedas ainda é, em maior ou menor grau, um desafio a ser enfrentado no caso de seu uso para capitalização de empresas", disse Eroles, que citou as stablecoins associadas ao dólar, ao euro ou ao ouro como opções para contornar essa dificuldade.

Por outro lado, a Lei das Sociedades por Ações não exige que haja uma avaliação periódica dos bens que foram contribuídos ao capital social, a fim de refletir suas eventuais valorizações ou desvalorizações ao longo do tempo: "Assim, tal qual ocorre com imóveis, automóveis ou quaisquer outros tipos de bens que podem ser integralizados, os criptoativos terão sua avaliação, para fins de subscrição das ações, realizada somente no momento da contribuição, não importando o preço que seja praticado no mercado após isso".

Para utilizar criptoativos com esta finalidade, as regras são as mesmas do que com quaisquer outros bens: eles deverão ser precificados por peritos ou empresa especializada, com laudos fundamentados, que deverão ser aprovados pelos demais acionistas e tanto os avaliadores quanto o acionista que realizar a contribuição responderão ao outros acionistas e terceiros eventualmente prejudicados por falha na avaliação dos bens.

A regra permite que qualquer empresa, independentemente de sua atividade, possa se capitalizar com criptoativos. Entretanto, Oskenberg explica que a Lei das Sociedades por Ações indica como uma modalidade de abuso de poder de controle integralizar o capital social com bens “estranhos” ao objeto social da sociedade: "Não se trata de uma vedação expressa, mas que deve ser analisada caso a caso. A título de exemplo, seria questionável capitalizar o capital social de uma sociedade cuja atividade empresária é um salão de beleza com um veículo aquático".

O uso dos criptoativos na composição do capital social das empresas já era permitido no estado de São Paulo desde outubro do ano passado, após comunicado enviado pela Junta Comercial de São Paulo (Jucesp).

Até o momento, nenhuma grande empresa brasileira anunciou publicamente a inclusão dos criptoativos em seu balanço ou capital social, mas, com o movimento de grandes empresas como a Tesla e a alta no preço do bitcoin e de outros ativos digitais, é algo cada vez mais provável, já que os criptoativos têm ganhado espaço como forma de diversificar o patrimônio e se proteger contra desvalorização das moedas e da inflação.

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