Crimes no metaverso? Conheça os principais tipos e as punições legais
Falta de conhecimento e legislação específica para o setor ainda dificultam combate a ilegalidades
João Pedro Malar
Publicado em 18 de janeiro de 2023 às 09h00.
A expansão do metaverso nos últimos anos promete trazer uma série de vantagens para a população, mudando a forma como as pessoas interagem entre si, realizam compras ou trabalham. Mas, como qualquer outra nova tecnologia, o setor não está imune às ações de criminosos, que buscam se aproveitar da novidade para cometer crimes.
À EXAME, especialistas destacam que o grande desafio ao lidar com crimes na realidade virtual é a falta de legislação específica, um problema que atinge não só o Brasil, mas também as principais economias do mundo. Entretanto, isso não significa que o setor seja uma terra sem lei.
Filipe Batich, associado da área criminal do Madrona Advogados, destaca que todas as punições previstas em lei para crimes do mundo físico também valem para os seus equivalentes em um metaverso. A dificuldade, na sua visão, é principalmente ter a quem recorrer nesses casos, assim como dispor das ferramentas necessárias para investigá-los.
Crimes mais comuns no metaverso
Batich diz que, no geral, “os criminosos sempre estão um passo adiante”, e conseguem se adaptar bem a novas tecnologias, enxergando rapidamente formas de explorá-las de forma ilícita. Foi o caso do WhatsApp, por exemplo, em que até hoje é comum encontrar golpes de pessoas se passando por outras e convencendo vítimas a transferir quantias de dinheiro.
E a história não é diferente para o metaverso. Segundo o advogado, uma das principais novidades que a tecnologia acabou trazendo para os criminosos foi “propiciar um ambiente para criminosos entrarem em contato e organizarem ações como tráfico de drogas, devido à falta de monitoramento pelas autoridades. É um ambiente propicio a negociações, lícitas ou ilícitas”.
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Entre os crimes mais comuns que já puderam ser identificados na realidade virtual estão os próprios golpes envolvendo roubo de patrimônio – indo desde convencimento para realização de transações até a venda de terrenos e itens falsos. Somam-se a isso, ainda, crimes como o de pedofilia, racismo, fraude e pirataria, com criação de cópias de marcas do mundo físico sem autorização.
Já Junior Borneli, CEO da StartSe, ressalta que muitos crimes no metaverso seguem o mesmo padrão do mundo físico, como assédio, racismo e homofobia, mas também existem algumas atividades ilegais que são cometidas apenas no mundo virtual, como roubo de dados e exposição sem autorização.
“O que eu vejo de mais comum são fraudes e golpes envolvendo venda de espaços, compra e venda de senhas, contas, venda de criptomoedas fraudulentas. Tem alguns casos de assédio, racismo, mas ainda muito pontuais”, afirma Borneli.
Entretanto, ele lembra que “as pessoas que estão no metaverso são as mesmas pessoas que estão no mundo físico, por mais que estejam travestidas de um avatar, boneco. Elas continuam tendo deveres e são passíveis de qualquer tipo de punição pelos crimes que cometam em um mundo virtual. O mundo virtual, um metaverso, é um espelho do que acontece no mundo real. Os comportamentos são muito parecidos”.
Desafios
O maior desafio, portanto, acaba sendo o de identificar esses criminosos. Borneli observa que a legislação “é sempre mais lenta que o mundo” e precisa ir se adaptando a novidades, e que o mesmo deve ocorrer agora com o crescimento do metaverso.
Entretanto, ele considera ser mais negativo o fato de que “as autoridades não estão preparadas ainda para isso. Os crimes virtuais são mais rastreáveis que no mundo real, tudo deixa um rastro e é possível de chegar aos autores, aos agentes fraudulentos”, mas ainda falta treinamento e uma presença preventiva das autoridades nesses ambientes para aproveitar essa vantagem.
“Ninguém percebe [o crime] até que aconteça, mas quando percebe e vê, todas as informações estão, lá, por isso é importante ter uma antecipação, mostrar que estão presentes e observando. Já existe hoje um mundo paralelo, mesmo que não sendo metaverso, na deep web, com muitas ações ilegais, e tudo isso acontece lá, as autoridades sabem mas ninguém interfere até que ocorra um ato extremo”, destaca.
Ele considera ainda que a falta de um conjunto de regras para esses ambientes acaba afastando alguns usuários, em especial porque as interações acabam sendo mais profundas que nas redes sociais, indo além de palavras e envolvendo avatares, o que também aumenta o risco de crimes mais elaborados.
“A vantagem das grandes redes descentralizadas é a liberdade de fazer e construir como quer, e a desvantagem é que não sabe sobre quais leis, regras está. Isso é um problema, porque você não sabe a quem recorrer, quem fiscaliza, a qual legislação eu respondo”, comenta o CEO da StartSe.
Para ele, a tendência é que cada país acabe criando sua própria legislação sobre metaverso, por mais que o ideal fosse um conjunto de regras internacionais padrão. Por isso, Borneli afirma que será preciso esperar para ver se o metaverso continuará “algo sem dono, fragmentado” ou “privado de cada empresa, com dono, que aí passa a ter regras, termos de uso, condutas, que fica mais controlado”.
Batich pondera que qualquer legislação sobre o tema precisará lidar com incertezas sobre a jurisdição para investigação e punição de crimes: “já que o metaverso é um servidor, vai ser no local em que a empresa está sediada? A jurisprudência ainda não respondeu. O código penal brasileiro estabelece competência onde o crime se consumou, então se perdeu um valor quando foi enganado, a competência vai ser de onde o ativo estava localizado antes de ser transferido”.
“O grande problema que tem é localizar o criminoso, porque hoje em dia eles sabem os países mais vulneráveis para estar, sem controle de acesso à internet, e também fazem uso de tecnologias como roteadores de IP”, observa o advogado.
Mesmo assim, ele acredita que algumas autoridades já possuem o conhecimento necessário para lidar com essas ilegalidade no metaverso, em especial as que operam em delegacias especializadas em combate a crimes virtuais. O problema, aponta, é que elas ainda estão restritas às grandes cidades de estados mais ricos do país.
“Se você foi vítima de um crime no metaverso e mora em uma cidade menor, a autoridade vai ter dificuldade grande, ainda falta um treinamento maior e específico, mas isso leva tempo, é o mesmo que ocorreu com crimes na internet”, explica.
Batich aposta ainda em uma cooperação internacional maior para lidar com esse tipo de crime, seja pela pressão de países mais desenvolvidos por algumas normas padrão ou pelo movimento de países emergentes acabarem seguindo o que é estabelecido em outros locais, em especial na União Europeia.
“Isso cria mecanismos de ajuda entre estados que ajudam na investigação. Pelo metaverso ter esse caráter global, se os países traçam uma estratégia conjunta, tem uma facilidade maior de combater crimes. Mas isso não vai impedir que um país percebe peculiaridades e adote medidas adicionais”, defende.
Enquanto isso não ocorrer, porém, uma vítima de um crime em uma realidade virtual ainda pode contar com a aplicação das leis atuais no Brasil, e Batich recomenda que ela sempre tente procurar uma delegacia especializada, que tende a “ajudar muito” na resolução desses casos.
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