Samarco se prepara para voltar a operar. Isso é bom para a Vale?
Cinco anos depois de causar o maior desastre ambiental do país, a mineradora quer retomar as atividades. Para os investidores, isso pode ser um problema
Rodrigo Caetano
Publicado em 28 de outubro de 2020 às 09h42.
Última atualização em 28 de outubro de 2020 às 10h12.
A mineradora Samarco , joint-venture entre a Vale e a BHP, se prepara para voltar a operar, cinco anos depois de causar o maior desastre ambiental do país. O rompimento da barragem de Fundão, no município de Bento Rodrigues (MG), matou 19 pessoas e produziu um mar de lama que chegou até o Espírito Santo, praticamente matando o Rio Doce.
O início dos trabalhos está previsto para o final deste ano. A Samarco está finalizando um sistema de filtragem de rejeitos, condição para voltar a operar. A expectativa é de produzir 8 milhões de toneladas por ano, o que corresponde a pouco mais de um quarto da capacidade da mineradora.
Do ponto de vista da geração de receita, a retomada das atividades pode ser uma boa notícia para Vale e BHP. Quando se olha para o comportamento do investidor, no entanto, a volta da Samarco pode gerar prejuízo à imagem das companhias, num momento em que a agenda ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês) ganha força no mercado.
Os desastres de Mariana e Brumadinho impulsionaram a agenda ESG . Grandes gestoras como a JGP, fundada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e Constellation consideram os episódios como um divisor de água no mercado financeiro brasileiro. O JGP vendeu dois terços das ações que possuía da Vale e, numa carta aos investidores, relatou que foi seriamente prejudicada em virtude de sua posição na mineradora.
Na mesma carta, a JGP cita uma pesquisa da Natixis Investment Managers, com mais de 500 investidores institucionais, em que 70% deles admitiram que só aderiram a algum código de ética por questões “meramente de imagem e reputação”. A gestora também faz um mea culpa e diz que observou “empiricamente” dois principais erros que impactaram negativamente o retorno de seus fundos ao longo do tempo: o investimento em empresas com problemas, porém “baratas”, no aguardo de retornos superiores e a baixa exposição a companhias de qualidade que estavam “sempre caras”.
Para gerar mais confiança nos investidores, a Vale contingenciou 18,6 bilhões de reais para limpar e restaurar o meio ambiente e para amparar as vítimas após a tragédia de 2019. Até agora, ela gastou mais de 10 bilhões deste montante, e seus esforços para tratar das questões ESG ajudaram a persuadir a agência de avaliação de risco Moody’s a restaurar o grau de investimento da Vale, em 1º de outubro.
Ainda assim, a Vale tem o menor múltiplo de avaliação de empresas entre as grandes mineradoras globais quando seu valor é comparado com o EBTIDA (índice de lucro ante de juros, impostos, depreciação e amortização), uma métrica usada para medir quanto vale uma empresa.
A JGP e outros fundos brasileiros com enfoque ético dizem que o valor reduzido da Vale reflete em grande parte as dúvidas de investidores a respeito de sua capacidade de cumprir metas ESG sem comprometer a produção. A volta da Samarco não contribui para aplacar essas dúvidas.
Com informações da Agência Reuters