Logo Exame.com

Atenção, companhias: ESG já está na lei, aponta carta da JGP

Com R$ 27 bilhões de reais sob seus cuidados, gestora detalha motivos da decisão de integrar os fatores ESG ao seu trabalho e de criar fundos dedicados

Rapaz com venda no olho que diz "caos climático" em protesto contra mudanças climáticas
Rapaz com venda no olho que diz "caos climático" em protesto contra mudanças climáticas
GV

15 de julho de 2020 às 14:26

Quando a Lei das Sociedades por Ações brasileira foi escrita por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, em 1976, o conceito ESG — sigla em inglês para designar os princípios ambiental, social e de governança — sequer existia. Contudo, seus preceitos já foram lá escritos como deveres dos controladores das companhias abertas. A gestora de recursos JGP, que tem sob seus cuidados um total de 27 bilhões de reais e não foge da raia na hora de defender os interesses de seus cotistas, atentou para esse fato em sua primeira carta ESG, que consolida a incorporações de tais fatores para a análise de todos seus investimentos e a criação de fundos totalmente dedicados.

Por isso, em tempo de ativismo crescente no Brasil: atenção, companhias e conselheiros. Na ausência de um sócio majoritário, são os conselheiros de administração quem assumem as responsabilidades. Em seu breve artigo 116, parágrafo único, a lei determina: “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.

“Nossa interpretação do trecho acima é que os controladores, indivíduos que são, têm responsabilidades que vão além do lucro, através do exercício de sua atividade empresarial, incorporando eventuais externalidades no negócio em si”, escreve a JGP em sua carta de julho. E destaca que a proposta já presente na legislação é diferente daquela descrita pelo papa do liberalismo Milton Friedman, economista de Chicago. Firedman defendia que o “negócio não podia ter responsabilidade social por não ser um indivíduo em si e que os executivos eram somente agentes dos donos ou sócios da empresa, tendo única e exclusivamente que agir conforme os desejos desses, que em geral eram que o negócio gerasse o maior lucro possível, desde que seguindo as leis e a ética incorporada pelos costumes da sociedade”. Esse entendimento, para a gestora, uma das poucas no Brasil a integrar tais padrões, está ultrapassado.

Por aqui, por enquanto, além da JGP, a Fama Investimentos foi a pioneira e a Constellation, de Florian Bartunek, também adota tais parâmetros — embora cada qual tem sua própria filosofia e utiliza o conceito de forma diferente. Fora do Brasil, a Europa é o mercado mais avançado no tema e o maior expoente é a holandesa Robeco. Mas os Estados Unidos estão correndo atrás, como deixam bem claro os recentes posicionamentos de Larry Fink, presidente da maior gestora independente do mundo, a BlackRock. É fato que entre as maiores gestoras globais há, no mínimo, uma área inteira dedicada ao assunto.

A sigla ESG foi cunhada dentro do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) com a publicação “Who Cares Wins” — algo como “quem se importa, ganha” —  e passou a ser adotada em maior escala a partir de 2005. O pacto é uma versão moderna e profissional dos Princípios de Sullivan, escrito pelo reverendo americano líder de direitos civis Leon Sullivan, que desenvolveu uma espécie de código de conduta para empresas. Antes disso, a primeira evidência de um fundo que se inspirou nesses conceitos é do Pax World Fund, constituído em 1971, também por dois reverendos que investiam em companhias que se destacavam por sua responsabilidade social e excluíam da carteira aquelas que contribuíam com a Guerra do Vietnã.

Para os eventuais críticos de plantão, que podem ver política onde a JGP trata de investimentos, retorno para acionistas e seu papel no funcionamento da sociedade, mais à frente, a gestora esclarece: “não acreditamos que um modelo de stakeholder captalism possa desembocar em formas de coletivismo como o socialismo, pois justamente as empresas estão buscando uma maneira de se adaptarem a um mundo de menor que crescimento, que certamente vai colocar em xeque o capitalista tradicional”.

A conversão da JGP ao modelo veio do jeito mais dolorido: com prejuízo na prática, devido a uma grande posição em Vale na época do acidente em Brumadinho. Agora, a gestora se adaptou. Mais do que isso, após estudar o tema durante um ano e meio, acredita e destaca que quando a mudança nas companhias é feita de dentro para fora e é bem sucedida, “consegue conciliar o retorno financeiro com o papel de fomentar o bem da sociedade.” Para as empresas,  a JGP aponta que  os estudos acadêmicos “mostram correlações positivas entre scores ESG elevados com atração e retenção de talentos,  valor da marca, maior engajamento de stakeholders,  conformação ótima de produto, menor custo de capital e menores riscos operacionais, financeiros, de imagem e regulatórios”.

O resultado para uma companhia que promove a integração desses princípios é a menor volatilidade na geração de caixa. Tais princípios são, portanto, algo estratégico, um diferencial competitivo e um mitigador de riscos.

Muito além do retorno financeiro

Além da lição aprendida com a Vale, a JGP afirma que, sem menosprezar os fatores sociais e de governança, foi a questão climática que levou à adoção dos novos critérios. “Nos deparamos com algo que a sociedade em todas as suas instâncias deveria se unir para enfrentar, uma vez que acreditamos que os governos agirão tardiamente”. A questão climática, para a gestora, é potencialmente muito pior que a pandemia que vivemos hoje, já que é um problema de longuíssimo prazo. “Na escala de tempo, é um problema secular, literalmente, pois o gás carbônico que causa o efeito estufa não vai se dissipar nos próximos 100 anos e continuamos adicionando algo próximo de 50 giga toneladas ao ano dele na atmosfera. Desta forma, a questão ambiental é algo com que iremos conviver no futuro, a perder de vista. “

A carta da JGP coloca o dedo na ferida do papel de todos na sociedade. Na avaliação da gestora, a incorporação do ESG nos processos de análise e na filosofia de investimento não precisa ser explícita. Em uma pesquisa da Natixis Investment Managers citada no documento, com mais de 500 investidores institucionais, 70% deles admitiram que só aderiram a algum código de ética por questões “meramente de imagem e reputação”.

E afirma que decidiu tornar público seu processo de transformação por entender que existe uma função social mais abrangente que deve ser perseguida pelas empresas e que é seu dever fiduciário de comunicar isso aos  cotistas — e como uma “pequena contribuição” para o mundo, dada a necessidade de engajamento dos investidores para dar andamento às questões socioambientais.

O barato que sai caro

Como gestora, a JGP está convencida que levar em conta os fatores ESG em sua avaliação e seleção de empresas assegura um maior retorno. Em sua carta, faz um mea culpa e diz que observou “empiricamente” dois principais erros que impactaram negativamente o retorno de seus fundos ao longo do tempo: o investimento em empresas com problemas, porém “baratas”, no aguardo de retornos superiores e a baixa exposição a companhias de qualidade que estavam “sempre caras”.

A JGP conta que após ajustar a questão em suas carteiras constatou que o retorno melhorou substancialmente. Embora a novidade seja recente, em agosto do ano passado, a pedido de um cliente, a gestora migrou a carteira de um fundo exclusivo para essa filosofia. Ao longo do relatório, ela apresenta diversos estudos e pesquisas que mostram a relação dos novos padrões com as escolhas dos consumidores e da nova geração, o que vai ser determinante também para a seleção de talentos no futuro. São vários, mas dois merecem destaque:

Em 2019, 64% dos consumidores escolheram, trocaram, evitaram ou boicotaram marcas e produtos em função de suas posições em questões socioambientais, comparado com 51% em 2017, segundo a Edelman Trust Barometer 2020.

A Geração Y (ou “Millennials”) vem sendo chamada por pesquisadores como “A Geração do Propósito” – 94% querem usar suas habilidades para beneficiar alguma causa social (segundo a Society for HR Management), e 63% acreditam que o propósito primário das empresas deveria ser “melhorar a sociedade” (segundo estudo da Korn Ferry); e a Geração Z (a caçula) é tão ou mais engajada com causas ambientais e sociais. Estas duas gerações somadas (Y+Z) responderão por 72% da força de trabalho em 2029, comparado com 52% em 2019. A

Desafio

Os poucos que já se aventuraram no mercado brasileiro a incorporar o fatores ESG em seu modelo de análise enfrentaram a mesma dificuldade. O Brasil carece de companhias abertas. Já há poucas empresas listadas na bolsa de forma geral  — são 330, avaliadas em 4,2 trilhões de reais —  e as que incorporam tais princípios verdadeiramente em seus princípios de gestão são a minoria, ainda que um total em expansão.

Na carta, a JGP abre como divide as subclasses de companhias atualmente para gestão de seu portfólio. A casa acompanhia 133 empresas de perto. Dessas, 112 são elegíveis para os fundos tradicionais, que também passaram a considerar os fatores ESG como parte da avaliação, e 96 poderiam estar nas carteiras dedicadas. Desse universo, 27 têm o que a gestora classifica como negócios com modelos vencedores incluindo tais princípios. A decisão de investimento, contudo, sempre levará em consideração o potencial de valorização do ativo.

A despeito da escassez, a gestora aponta que é possível adotar esses parâmetros para quaisquer teses de investimento, e exemplifica com a perspectiva hipotética de uma forte valorização do petróleo. Como os critérios limitariam o investimento na Petrobras, uma forma de investir com esse mesmo argumento seria uma posição na usina sucroalcooleira São Martinho, cujo negócio de etanol representa cerca de 70% do valor da empresa.

“A pandemia ensinou de maneira violenta a interdependência que temos como nações, indivíduos e empresas. Se isso for verdade, a empresa do futuro é aquela que cuida de todos, não somente dos acionistas”, aponta a gestora.

Além da crise sanitária e de saúde, a tecnologia, com a adoção dos smartphones, conecta o mundo permanentemente e transforma os cidadãos em “agências de notícias em tempo real”, o que expõe as empresas e seus negócios ao jugalmento público constante. E para não deixar dúvida de que a questão é sim econômica, a JGP aponta o inexorável: a população vai crescer menos e envelhecer mais, pressionando o sistema com o qual estamos acostumados e a forma de lidar com os riscos ecológico e climático. Para chegar ao futuro, a mudança é para já!

 

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade