Presidente da Enel: “Não precisamos de usinas a gás se temos sol e vento”
Em entrevista à EXAME, Nicola Cotugno, country manager da empresa de energia, fala sobre o papel das renováveis para tirar o país da crise energética
Rodrigo Caetano
Publicado em 13 de junho de 2021 às 06h00.
Última atualização em 13 de junho de 2021 às 11h25.
O italiano Nicola Cotugno, diretor-geral da Enel no Brasil, está acostumado com o ritmo latino-americano. O executivo comanda operações da empresa de energia na região há mais de uma década, período que coincide com o crescimento das fontes de energia limpa na matriz energética brasileira.
Na quinta-feira, 10, a Enel inaugurou sua maior usina de energia eólica no mundo, e a maior da América do Sul. Ela é composta por 230 geradores e se estende por 120 km, entre os municípios de Lagoa do Barro, Queimada Nova e Dom Inocêncio, no estado do Piauí. A usina tem capacidade para atender 1,6 milhão de residências.
Para Cotugno, o caminho do Brasil em direção à segurança energética passa, necessariamente, pelas energias limpas. “Nenhum país possui as condições de sol e vento que o Brasil tem”, afirma o executivo, que recebeu a EXAME, virtualmente, para uma entrevista no dia da inauguração da mega usina. Confira os principais trechos da conversa:
O Brasil convive, novamente, com o fantasma do racionamento de energia. As fontes limpas de energia, como solar e eólica, podem resolver esse problema?
Estamos diante de uma retomada do consumo e precisamos da melhor solução. As energias renováveis são parte de uma solução mundial. Também são uma oportunidade única para o Brasil, onde há sol, vento e espaço abundantes. A pergunta a se fazer é qual crescimento queremos para o país. E devemos pensar em crescimento sustentável. Então, respondendo a sua pergunta, sim, as renováveis são o caminho.
A privatização da Eletrobras, no entanto, pode ser vinculada à obrigatoriedade de compra de energia proveniente de usinas térmicas a gás natural. Como o sr. enxerga essa questão?
Em 18 meses, vamos colocar em marcha mais de 1.300 megawatts de energia renovável. Antes, adicionávamos 700 MW por ano de energia limpa, agora, são 700 MW. Não precisamos de gasoduto, nem de comprar combustível de outros países, se temos sol e vento abundantes. Respeito a necessidade de olhar para esta crise com cuidado. Mas, uma crise de um ano não significa que se deva mudar um planejamento de uma década. O desenvolvimento das renováveis tem um futuro maravilhoso no Brasil. Seria um erro conectar a crise hídrica com o direcionamento da política energética do país. Ao mesmo tempo, é preciso olhar para o consumo. Estamos fazendo projetos de eficiência energética, trocando geladeiras e ajudando a conscientizar os clientes com o uso de medidores digitais em São Paulo, por exemplo, que permitem entender melhor os padrões de consumo.
E tem a questão das emissões de carbono...
É importante ter uma matriz de base renovável. Que sentido tem eletrificar o setor de transporte, por exemplo, usando combustíveis fósseis para gerar energia? Temos de ter clareza sobre onde se quer chegar. Em cinco anos, já teremos soluções comerciais de hidrogênio verde. Temos menos de 30 anos para atingir as metas de descarbonização para conter as mudanças climáticas. É pouco tempo.
Será necessário melhorar a infraestrutura, como, por exemplo, investir mais no setor de transmissão de energia?
A rede de transmissão está bem, mas precisa de investimentos. Enxergo com bons olhos os leilões previstos para o setor. O tema é bastante abordado e a direção é boa. Também precisamos aproveitar melhor a interconexão com outros países. Hoje, compramos da Argentina, mas podemos exportar, afinal, quando temos sol no Recife, ainda é noite em Buenos Aires.
Como a transição energética afeta o setor de distribuição de energia?
O setor de distribuição está em rápida evolução com o avanço da digitalização e da automatização. Com a pandemia, aprendemos que é possível gerir uma rede remotamente, trabalhar melhor os dados. O que podemos fazer, agora, é atuar no modelo de plataforma, em parceria com outras operadoras, para agregar novos serviços. Podemos atuar com vigilância eletrônica, gestão do trânsito, transporte elétrico e atrair startups que criem soluções e se conectem à nossa rede. Inclusive, atuando com as gestões municipais.
Para esse tipo de atuação, é preciso um novo marco regulatório?
Não é preciso. Podemos atuar com outros serviços, além da distribuição. A chave para isso são as parcerias. No setor de transporte elétrico, já estamos atuando junto com a Estapar, de estacionamentos, e a Volvo.
Como transformar uma concessionária de serviços públicos em uma plataforma digital que atue com startups?
Com parcerias e inovação aberta. Há 20 anos, a inovação era tratada como um segredo. Hoje, inovar é compartilhar o desafio e atuar em conjunto para construir uma solução. As startups têm a tecnologia, e eu tenho a aplicação da tecnologia. Não precisamos criar uma nova empresa, mas sim trabalhar com um objetivo específico e fazer parcerias com focos específicos. Ninguém pode ser gênio de tudo.
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