ESG

Por que o mundo precisa de mais contadores negros

Os Estados Unidos, país onde apenas 2% dos contadores são negros, elegeram a primeira contadora negra como presidente da Sociedade de Contadores Públicos de Nova York. Em entrevista ao The New York Times, a africana Bwerinofa-Petrozzello conta como quer mudar o cenário de desiguldade

Rumbi Bwerinofa-Petrozzelo, contadora forense: o campo da contabilidade é esmagadoramente branco. (Laylah Amatullah Barrayn/The New York Times)

Rumbi Bwerinofa-Petrozzelo, contadora forense: o campo da contabilidade é esmagadoramente branco. (Laylah Amatullah Barrayn/The New York Times)

NY

New York Times

Publicado em 4 de julho de 2021 às 10h00.

O campo da contabilidade é esmagadoramente branco, grupo racial que representa 84% de todos os contadores públicos certificados nos Estados Unidos. Dos grupos não brancos, apenas 2% são negros, de acordo com um relatório publicado em 2019 pela Associação Internacional de Contadores Públicos Certificados.

A contadora forense Rumbi Bwerinofa-Petrozzello quer mudar essa dinâmica. Em junho, ela foi a primeira negra a se tornar presidente da Sociedade de Contadores Públicos Certificados do Estado de Nova York, organização que representa 24 mil advogados, banqueiros e outros profissionais de setores associados.

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Originária do Zimbábue, Bwerinofa-Petrozzello passou sua carreira desafiando o status quo e pressionando por uma maior representação em seu campo. Depois de ter se formado em Monte Holyoke em economia e matemática, trabalhou como auditora na Deloitte no Zimbábue, ao mesmo tempo que estudava ciências contábeis na Universidade da África do Sul. Retornou aos Estados Unidos no início dos anos 2000, onde trabalhou como contadora por vários anos antes de se tornar contadora pública certificada.

Recentemente, falei com ela sobre sua trajetória, sua liderança e como seu trabalho pode inspirar jovens estudantes negros a seguir carreira na contabilidade. Nossa conversa foi ligeiramente editada.

Como sua educação influiu em sua escolha de carreira?

Meus pais eram profissionais com boa formação. Eu sabia que essencialmente minha vida seria a de um profissional. Em nenhum momento o fato de eu ser negra e mulher deveria ser uma barreira para qualquer coisa que eu quisesse fazer. Frequentei uma escola só de meninas no Zimbábue e depois uma faculdade só de mulheres. O fato de ser uma faculdade de mulheres não influiu. Saí de lá pensando que poderia fazer o que escolhesse.

Quais foram seus obstáculos na carreira?

Deixei a Deloitte no Zimbábue depois de três anos porque estava cansada de lutar contra as muitas desigualdades. Contadores negros recebiam as piores tarefas. Quando estava saindo, mencionei vários exemplos ao gerente, e ele me disse que eu era vista como uma pessoa agressiva, por isso ele não contratava negros.

Quando me mudei para os Estados Unidos, fui contratada para trabalhos contábeis, mas no início dos anos 2000, depois que a bolha tecnológica explodiu, o desemprego aumentou e foi difícil conseguir emprego, porque eu tinha um diploma da África do Sul. Isso era usado como desculpa para não me contratar ou para me pagar menos. Portanto, pensei que se eu tivesse meu CPA (sigla em inglês para Certificado de Contador Público), não haveria dúvida, já que é um documento oficial, e todos que o têm passaram pelo mesmo processo.

O que pretende fazer com sua posição? Quais são suas prioridades no que se refere ao trabalho com os jovens, e o que está em jogo?

Muitas vezes, quando as pessoas falam da falta de diversidade na profissão, a desculpa é a falta de formação, e não as barreiras para entrar nela. Estudantes negros podem nem saber que existe um caminho. É aqui que a organização entra.

Historicamente, a profissão de contador público excluiu pessoas de cor porque é preciso trabalhar sob a supervisão de alguém que já tenha a certificação para se certificar. Assim, se pessoas de cor e mulheres não eram contratadas no passado, suas chances de garantir essa experiência eram muito baixas. Para contextualizar, trata-se de uma profissão que tem mais de 125 anos, e o centésimo negro a se tornar contador público, Bert Mitchell, ainda está vivo.

Muitos contadores de cor seguem o que é chamado de caminho não tradicional. Podem não ter ouvido falar disso e podem se deparar com a certificação mais tarde e decidir obtê-la. Sinto fortemente que há apoio inadequado para aqueles que decidem seguir esse caminho. Não tenho as respostas para tudo isso, mas admiro profundamente os contadores não tradicionais. Se você está decidindo voltar para a faculdade, para fazer esses exames difíceis, isso mostra comprometimento.

Estamos pensando em construir um sistema não apenas para pessoas muito jovens, mas para contadores públicos talentosos. Se esse é seu objetivo de carreira, deverá estar aberto a você. O que pode impedi-lo de ser um contador público é não ser aprovado nos exames, se você não entende débitos e créditos. Não deveria ser porque você é muito velho ou porque é uma pessoa de cor ou um membro da comunidade LGBTQ.

Sua nomeação veio um ano depois do assassinato de George Floyd, e num momento em que as empresas prometem melhorar a diversidade em suas fileiras. Como você e sua organização veem o momento?

Com o máximo de apoio possível. A organização agora tem um comitê de diversidade, equidade e inclusão de funcionários, algo que não existia há dois anos. As grandes empresas contábeis assumiram um compromisso nesse sentido. Várias divulgaram relatórios de transparência sobre seus números, especialmente na liderança. Uma das coisas que descobriram foi que, quando você está no caminho para uma parceria, trabalha com clientes desafiadores e diferenciados. Se esses clientes não lhe são designados, há uma barreira para vários níveis de parceria. O que estavam descobrindo era que pessoas de cor não estavam sendo indicadas para esses clientes. É algo que foi reconhecido e no qual estão trabalhando.

Admiro a capacidade de analisar honestamente o que você está fazendo e como está fazendo, porque muitas das empresas têm iniciativas de diversidade, equidade e inclusão há décadas, e é digno de aplauso o fato de parar, analisar e dizer: "O que temos feito não está funcionando. O que precisamos corrigir? Também precisamos ser abertos em relação a esse processo."

O que é o sucesso?

É chegarmos a um ponto na indústria que reflita a sociedade em que vivemos, em todos os níveis, inclusive as parcerias. As pessoas de cor são bem formadas há muito tempo e trabalham há muito, de modo que não há uma boa razão para não as vermos em posições de liderança.

O poder do apadrinhamento é incrível porque, em vários locais de trabalho, muita gente chega aonde está por causa disso. Há aqueles que levam outros para esses espaços de poder. Eu me beneficiei de padrinhos.

Todo mundo melhora, as empresas melhoram, quando você é inclusivo. É um processo que beneficia tudo e todos.

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