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Médicos das Forças Armadas fazem atendimento de índio da população Yanomami (Andressa Anholete/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 27 de abril de 2023 às 15h57.
Última atualização em 27 de abril de 2023 às 17h16.
Por André Barros
A pandemia da covid-19 confirmou algo que já era conhecido há milhares de anos: o desmatamento e as mudanças climáticas facilitam a interação de patógenos com hospedeiros e faz com que vírus, fungos e bactérias contaminem seres humanos, que, por sua vez, ampliam a disseminação desses seres para outras regiões, países até que se espalhe a uma pandemia. Para Jesem Orellana, que participou do painel “Um panorama da saúde na Amazônia”, no Especial Amazônia de EXAME, este pode ter sido o último grande aviso para a civilização como conhecemos.
“Não estou dizendo que acontecerá nos próximos anos, ou décadas, mas isso pode acabar com a civilização. E a Amazônia é um ponto crucial nesta discussão, pois são vários vírus que vivem dentro da floresta. Quando há um rompimento da ordem natural das coisas, as carroças vão para a frente dos bois”, disse o pesquisador, lembrando que nos últimos anos, diversas doenças que provocam febres agudas, e que antes eram apenas registros em documentos, tornaram-se comuns.
Grandes obras de infraestrutura como as hidrelétricas do Rio Madeira ou a ferrovia Madeira-Mamoré, de suma importância e que levaram benefícios à população amazônica, são exemplos de movimentos dos seres humanos que acabaram por provocar tragédias ambientais e espalhar doenças que estavam restritas, segundo Orellana.
Ainda assim existe deficiência em infraestrutura que acaba sendo prejudicial para a população amazônica. A dificuldade de mobilidade em regiões remotas, por exemplo, acaba levando à morte pessoas que poderiam ser salvas caso as condições de deslocamento fossem melhores – e ainda espalham as doenças por causa das embarcações superlotadas.
“O governo precisa fazer o que nunca fez: investir em hidrovias. Temos rios com condições de transporte, mas não há sinalização ou fiscalização, é muito precário. Muito diferente do que vemos em rodovias, bem sinalizadas e com fiscalização constante”, afirmou o epidemiologista.
A telemedicina é uma alternativa a esta condição, mas existem locais onde também não há acesso à internet de qualidade. “É uma opção para lidar com um problema crônico: a ausência de médicos especialistas, como endocrinologista, neurologistas, dentre outros, na Amazônia”.
Povo yanomami
Para Orellana o governo federal agiu corretamente ao decretar estado de emergência em saúde pública nos povo yanomami no início do ano. “Mas não é um problema novo e nem foi criado pelo governo anterior ou pelo anterior a ele. É uma situação que vem há décadas, mas se agravou pelo fato de nos últimos quatro anos a questão indígena ter saído do foco do governo”.
Ao mesmo tempo que considera ter acertado, o pesquisador disse haver um certo “populismo sanitário” do governo atual por agir apenas com medidas paliativas para tratar doenças ou resolver a questão da desnutrição a curto prazo. “Quando eles retornarem, a situação de falta de saneamento básico ainda existirá”. Ele lembrou, também, que o povo yanomami é apenas um dentre dezenas de populações indígenas que sofrem com estes problemas.
Mas há também pontos positivos levantados pelo pesquisador, especialmente no fato de a região ter se tornado referência em pesquisa de doenças tropicais, como malária, zika vírus e chikungunya. “A covid-19 expôs a região vulnerável, que certamente foi a que sofreu mais, mas trouxe uma oportunidade ímpar de fortalecer as instituições e trilhar um caminho para gerar conhecimento e tecnologia na região amazônica.
Assista a conversa completa: