Exame Logo

Nova iniciativa pode destravar mercado de carbono regulado no Brasil

Um relatório inédito do ICC Brasil e WayCarbon lançado hoje (13) dá subsídio técnico para o governo federal no desenvolvimento de políticas públicas e aponta caminhos para o uso de créditos de carbono

A estimativa é que o mercado de carbono regulado comece a operar em 2030 no Brasil, após regulamentações na lei (Divulgação)
Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 13 de fevereiro de 2025 às 16h55.

Última atualização em 17 de fevereiro de 2025 às 15h48.

O fim de 2024 foi marcado pela conquista da tão esperada aprovação domercado de carbono reguladopelo Senado brasileiro, o que já estava em discussão há pelo menos 10 anos. Ainda com muitas indefinições sobre mecanismos e instrumentos, a estimativa é que este comece a comercializar créditos apenas em 2030.

Até lá, as expectativas são altas: o setor pode atingir um valor deUS$ 50 bilhões até o final da décadae o Brasil pode ter posição de liderança pela sua abundância emsoluções verdes, segundoa consultoria McKinsey.

Pensando em alavancar e destravar aspectos da lei, uma iniciativa fruto da parceria do ICC Brasil (Câmara de Comércio Internacional)e da WayCarbon trabalha desde 2023 para coletar e fornecer subsídios técnicos ao governo federal na elaboração dos próximos passos, por meio da análise de um ' framework' do mercado nacional.

Veja também

Com financiamento daUK PACT Brasil,o primeiro relatório foi lançado nesta quinta-feira (13) e aponta caminhos para a utilização decréditos decarbono, além de garantir a adoção de padrões robustos e alinhados com asmelhores práticas internacionais. A análise considerou os sistemas de comércio adotados naCalifórnia (EUA), Coreia do Sul e China.

Entre as principais recomendações do relatório, estão a definição de critérios rigorosos para a aceitação de créditos de carbono no Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), priorizando projetos nacionais e setores estratégicos. Além disso, sugere a adoção de padrões de certificação reconhecidos internacionalmente, como VCS e Gold Standard, para garantir a confiabilidade dos créditos.

Para assegurar a integridade e os benefícios socioambientais dos projetos, há a proposta de criação de mecanismos de monitoramento e verificação.

O relatório apoia diretamente o trabalho da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) no levantamento de subsídios para a tomada de decisão sobre aspectos da regulamentação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

Rodrigo Rollemberg, Secretário de economia verde, descarbonização e bioindústria na MDIC, disse à EXAME quea criação das estruturas institucionais necessárias para aoperacionalização e implementaçãodo sistema é o primeiro passo.

Neste sentido, uma das recomendações em destaque é a inclusão de créditos compensatórios offsets (de origem nomercado voluntário) dentro do regulado.

Este é o primeiro relatório fruto da iniciativa, com o objetivo de levantar informações sobre como estes créditos são gerados no mercado. Um segundo está previsto e deve ser publicado ainda no primeiro semestre de 2025, trazendo como foco a infraestrutura e os registros das compensações.

"As atividades garantem que a construção domercado de carbonoseja baseada em um processo participativo e alinhado às melhores práticas, permitindo um ambiente regulatório mais eficiente e funcional", destacou Rollemberg.

GabrielaDorlhiac, diretora executiva da ICC Brasil, destacou que a regulação já era uma demanda forte dosetor privadonos últimos anos e que definir as regras não é algo trivial. "Buscamos não apenas apoiar tecnicamente o governo nessa jornada, mas criar essas pontes de diálogo e cooperação público-privada a fim de acelerar adescarbonizaçãoda economia", disse à EXAME.

Henrique Pereira, COO daWayCarbon, complementa que o documento faz uma avaliação de outrosmercados internacionaiscom o olhar de integridade, entendendo quais projetos são considerados mais robustos e relevantes. "Isso com o olhar datecnologiapara o contexto do Brasil -- um país rico em biomassa, renováveis, etanol e mais -- e também pensando emvolume e custos", destacou.

Por fim, o estudo também enfatiza a necessidade de um engajamento contínuo entre governo, setor privado e sociedade civil para o sucesso da regulamentação.

O que está em jogo

Na prática, há alguns instrumentos primordiais que estabelecem o mercado de carbono brasileiro. O primeiro deverá definir q uais empresas vão ter que reportar suasemissõesem inventários e comunicá-las no âmbito federal. Aquelas queultrapassarem as 20 mil toneladas de C02 por ano vão ser obrigadas a compensar, por exemplo.

Em seguida, entra o mais importante: o chamadoplano de alocação.Este ainda precisa estabelecer três regras: umameta de tempopara a redução dasemissões brasileiras, quais empresas deverão participar obrigatoriamente, e em terceiro,em qual proporção cada setor vai contribuir.

Além do volume reportado no inventário, ocusto da redução da pegada de carbonopor algumas indústrias deverá ser considerado, explicouHenrique Pereira, em entrevista à EXAME.

"O objetivo do instrumento de mercado é ocusto-efetividade.Ao permitir que os agentes regulados comparem custos relativos de redução, ou seja, o valor de reduzir internamente em comparação ao docarbonono mercado, espera-se atingir a meta da maneira mais barata", disse.

Além das empresas obrigadas a reduzir pela lei, o governo também pode optar por aceitar créditos de outras que estão investindo, por exemplo, em reflorestamento ou outros projetos de baixo carbono – esses são chamados de "offsets", de origem no mercado voluntário.

Segundo Henrique, a aceitação de créditos offsets é importante por dois motivos. Primeiro, pois setores como o químico e o siderúrgico, que demandam altos investimentos em infraestrutura e tecnologia, podem encontrar nos offsets uma forma de reduzir o custo efetivo de sua participação no sistema de emissões ao comprar créditos gerados por outros projetos sustentáveis.

Em segundo, por incluir setores não regulados no mercado de carbono, como é o caso do próprio agronegócio, e que ao mesmo tempo podem trazer benefícios ambientais, seja por meio de reflorestamento, conservação de biomas ou energia renovável.

"A lógica é trazer eficiência para o setor industrial. No regulado, o governo não quer saber o que você está fazendo, é mais sobre ter uma metalimite de emissões", ressaltou Henrique. Enquanto a companhia que for 'ultrapassar' este teto poderá optar porcomprar créditosno mercado, a que tiver uma 'sobra' poderá vender.

No mercado regulado de carbono, os preços dos créditos variam conforme a região e a dinâmica de oferta e procura. No Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia, por exemplo, os preços são significativamente mais altos do que no mercado voluntário. Em fevereiro de 2025, os contratos futuros estavam sendo negociados a aproximadamente € 76,59 por crédito (R$ 460,77).

No Brasil, estes valores ainda não foram definidos, devido às brechas que ainda precisam ser regulamentadas na lei. Mas transações significativas já aconteceram no país: a exemplo do estado do Pará, que vendeu créditos de carbono a US$15 (R$ 86,55), valor acima da média do mercado voluntário.

Impacto na meta climática brasileira

A novaContribuição Nacionalmente Determinada (NDC)divulgada pelo governo brasileiro durante aConferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP29)em Baku, no Azerbaijão, estabeleceu ameta climáticade redução entre 59% e 67% das emissões até 2035 – em relação aos níveis de 2005.

A peça-chave para seu cumprimento é alcançar o desmatamento zero, mas o mercado de carbono também pode impulsionar o país de forma mais eficiente e estruturada para agir na mitigação em indústrias altamente emissoras e ao trazer mais projetos verdes.

"Com ocompromisso doCódigo Florestalde zerar odesmatamento ilegal, nós já chegaríamos lá. O plano de energia reduz emissões, mas contribui pouco, assim como outras indústrias", ressaltou Henrique.

Práticas internacionais

O relatório destaca que há hoje em torno de30 mercados de carbono regulados no mundo. Entre os analisados, aChinaaceitacréditos offsets,mas apenas de projetos nacionais.

Já a Europa, maiormercado global regulado, abrange cerca de 40% dasemissões totais de gases de efeito estufada União Europeia e desde 2020, deixou de aceitar os offsets.

Nos EUA, onde a posse de Trump coloca em xeque políticas de combate àcrise climática, não existe ummercado nacional,apenas estaduais. O mais abrangente foi implementado em 2012 naCalifórniae abrange geração de energia, manufatura e distribuição de combustíveis.

A Coreia do Sul adotou o mercado em 2015, e hoje lidera como segundo maior do mundo, contemplando 70% das emissões nacionais.

EXAME na COP29: veja imagens da Conferência do Clima da ONU

Acompanhe tudo sobre:ESGCarbonoCréditos de carbonoSustentabilidadeClimaMudanças climáticas

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as notícias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de ESG

Mais na Exame