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Impacto social: quem é Luana Ozemela, vice-presidente em cargo inédito no iFood

Luana Ozemela, vice-presidente do iFood, detalhou com exclusividade à EXAME a estratégia para combater casos de racismo, ampliar a formação de entregadores no ensino médio e o destaque de empreendedores negros na plataforma

Luana Ozemela, vice-presidente de impacto do iFood (Gunther Werk/Exame)
Marina Filippe

Repórter de ESG

Publicado em 25 de julho de 2023 às 07h00.

Última atualização em 27 de julho de 2023 às 13h44.

Luana Ozemela é do tipo que busca resolver problemas complexos. No início da carreira, na empresa de tecnologia HP, desenhou um projeto para aumentar a acessibilidade dos computadores para crianças em vulnerabilidade social. Mais tarde, no doutorado, quis entender o impacto econômico do racismo. E, agora, aceita o desafio de ser vice-presidente de impacto do iFood para ampliar a formação dos entregadores no ensino médio, combater os casos de racismo, e aumentar as vendas dos restaurantes liderados por empreendedores negros.

Para isto, ela passou seis meses como "empreendedora em residência" viajando da Noruega, onde mora com a família, para o Brasil a cada três semanas até abril, quando assumiu a vice-presidência. "Assumi o cargo depois de realizar mais de 300 reuniões em três ou quartos meses. Essa jornada intensa é algo que toda pessoa executiva deveria fazer para conhecer profundamente o negócio", afirma em entrevista exclusiva à EXAME.

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Toda a estratégia de Luana, que já passou, por exemplo, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), é baseada em dados, de olho no resultado efetivo, assim como a experiência pessoal já na infância em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ao acompanhar a trajetória de militância dos pais no movimento negro.

"Entendi que além da educação, o empoderamento econômico é o que de fato me abriria espaços. Quando conquistei meu empoderamento passei a olhar como impactar outras pessoas, considerando não apenas renda, mas também patrimônio para a redução das desigualdades". Agora, Luana detalha como tem trabalhado no iFood e os resultados esperados. Confira a entrevista completa:

Como a busca por impacto social faz parte da sua trajetória?

Nunca separei o lado profissional do pessoal e da luta histórica do movimento negro. Eu nasci em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1980, num contexto de vulnerabilidade e desigualdade social. Ao mesmo tempo, meus pais fizeram Universidade e me mostraram como a educação é fundamental para a mudança. Minha mãe até hoje é ativista do movimento negro feminino. E meu pai atuava como ativista do movimento estudantil.

Entendi que além da educação, o empoderamento econômico é o que de fato me abriria espaços. Aos quinze anos, meu irmão gêmeo e eu fizemos um curso técnico em informática e, depois disso, aos 19 anos, comecei uma carreira de sete anos na HP, onde lancei programas como o 441, que conectava quatro teclados e mouses em uma CPU para aumentar o acesso de crianças em vulnerabilidade social.

Acho que uma grande questão é que sempre pensei em acesso e impacto. Na vida pessoal, por exemplo, eu era lider dos jovens da igreja protestante. Ali, cantava rap, pegando músicas dos Racionais MC’s, por exemplo, e colocando textos bíblicos (risos). Hoje, ao invés de usar o holofote para ir para as ruas, pedir cotas e fazer passeata, transformei o ativismo em algo baseado em evidência. Não sou menos apaixonada e determinada, mas as abordagens mudaram.

Como sua juventude em Porto Alegre, uma cidade majoritariamente branca, influencia seu trabalho?

Passei por muitas situações de racismo, desde cedo. Por exemplo: estudava numa creche em que eu e meu irmão éramos os únicos negros. Lá, todos os dias, acontecia um sorteio para definir quais crianças iam lavar os copos de toda a classe. Era um exercício de disciplina, mas toda vez eu era sorteada.

Num dia, cheguei em casa e falei para a minha mãe que estava cansada de lavar os copos. Minha mãe questionou a escola sobre como eu tinha tanta “sorte”. Ali se confirmou uma situação de racismo e acabei saindo da creche. Já em outra creche meu irmão foi trancado no banheiro.

Situações como essas não acontecem exclusivamente em Porto Alegre, mas a cidade tem muita segregação. Pouca gente sabe que as pessoas negras são 40% da população porque a maioria está nos morros.

Eu cresci no Morro da Cruz ouvindo sobre o apagamento da população negra. Eu amo Porto Alegre, mas reconheço os desafios. Ao mesmo tempo, olho para cidades como Salvador, com população majoritariamente negra e ainda assim economicamente segregada. Esses contextos influenciam diretamente na minha atuação.

De qual forma?

Quando comecei a trabalhar com tecnologia passei a ganhar vinte vezes mais do que meus pais ganhavam, mas eu sentia uma necessidade de combater desigualdades e fui estudar economia, me aprofundar nas questões de desigualdade e exclusão na ótica racial.

Sai do país para fazer mestrado e doutorado me especializar em economia da discriminação racial. Hoje, entendo que economia é mais do que uma questão de maximização de lucros, de qual é a receita e o lucro marginal. Para mim, economia é acesso e patrimônio.

As desigualdades patrimoniais estão aumentando exponencialmente no recorte de raça. Estamos caminhando para um Brasil perfeitamente desigual por focar na questão da pobreza, que tem seu valor e importante papel com a renda, mas sem considerar patrimônio. Durante o doutorado na Escócia, comecei a estruturar uma ideia de que patrimônio deveria estar no centro das políticas de desigualdade, pois renda é mais vulnerável aos choques econômicos, aos temas políticos, aos mercados.

Foi a partir dessas ideias que estabeleci meu trabalho no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Um dos projetos que realizei lá, enquanto liderava iniciativas de equidade racial e de gênero na América Latina, foi a reforma da Rua do Curuzu, em Salvador. Junto ao Paulo Rogério Nunes e a aceleradora Vale do Dendê, entendemos que a reforma era essencial para, por exemplo, fechar o esgoto a céu aberto e favorecer o comercio local dos empreendedores negros em uma rua bastante importante para a cidade.

Qual o papel do setor privado na mudança e como pretende impactar diferentes pessoas por meio do iFood?

Recebi uma proposta do iFood por conta da minha bagagem e compromisso com o impacto social. O Fabricio Bloisi, CEO do iFood, me convidou para uma posição de “empreendedora em residência” a partir de outubro de 2022, cargo que ocupei até abril deste ano.

Neste período, eu que moro na Noruega, estive no Brasil a cada três ou quatro semanas para conversar com proprietários de restaurante, entregadores e funcionários – do junior aos executivos. Só para se ter uma ideia, foram trezentas reuniões nos primeiros três ou quatro meses.

Com o trabalho de escuta, foi criada a vice-presidência de impacto social, com a intenção de combater o socialwashing e o greenwashing. Isto porque o impacto social implica em demonstrar a efetividade dos investimentos em transformação social.

Como será o trabalho na vice-presidência de impacto social?

A vice-presidência nasceu de um sonho grande de que a gente precisa transformar o trabalho de entrega por plataforma em algo valorizado. O iFood faz 75 milhões de pedidos ao mês, então imagina quantas coisas erradas podem acontecer a cada segundo. Em picos, em um segundo, 900 entregas são realizadas. Para fazer as entregas, a gente conta com um contingente de pessoas: são 330.000 estabelecimentos e 280.000 pessoas entregadoras.

A minha decisão de trabalhar para o Ifood é estar em um ecossistema onde consiga fazer a transformação em escala. A vice-presidência deve pensar em como assegurar condições dignas de trabalho para as pessoas entregadoras e reduzir as desigualdades ao investir em restaurante de pessoas negras.

Como colocar isto em prática?

Durante os meses de residência mapeamos cem itens em uma lista e decidimos começar por poucos deles para fazermos bem-feito. Estamos apostando, por exemplo, em tornar o acesso universal para todos os entregadores que queiram fazer o ensino médio.

Para isto, é importante saber o contexto: a maioria dos entregadores usam o iFood como complemento de renda e ao menos 20% deles estão em vagas CLT, de acordo com a RAIS. Ainda assim, há questões importantes como carga horária e renda, que nos faz apostar em uma bolsa auxílio para que a pessoa compareça na prova. Também queremos trabalhar com parceiros e grupos educacionais que nos ajudem a encontrar espaços de silêncio para que ao longo do dia os entregadores possam parar para estudar. Há universidades com salas vazias em alguns períodos, por exemplo, então porque não abrir para que possam fazer pausas. Nossa meta é formar ao menos 5.000 entregadores no ensino médio, isto significa quase 1% de todas as pessoas que fazem o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCEJA).

Também temos a plataforma “Decola”, e estamos introduzindo pílulas de aprendizado no aplicativo do entregador. Chamamos isto de “onboarding educacional”, com dicas de uso da plataforma. Depois há o programa “jornada de segurança máxima”, com a intenção de minimizar acidentes nas entregas no contexto difícil das cidades.

Analisamos os dados das entregas para ver onde aconteceram os acidentes, quais foram as jornadas e quem eram as pessoas envolvidas. Assim temos pistas do que podemos fazer para mudar comportamentos. Queremos parcerias com a iniciativa pública para melhorar a infraestrutura das cidades, pois ninguém melhor do que os entregadores para dizer como estão as vias.

Há um olhar para os recortes de raça e gênero quando são desenvolvidos programas para os entregadores?

Sim, no pilar “valorização e respeito” estamos encarando o fato que a sociedade brasileira é racista, machista e homofóbica, e que os entregadores são o elo mais fraco. Recentemente, lançamos apoio jurídico e psicológico para caso eles sofram algo. Também temos um canal de comunicação com as lideranças de entregadores para fomentar a comunidade, inclusive com um trabalho de ouvir as mulheres entregadoras, que são 5% do total.

Elas, por exemplo, têm necessidades especificas, como a bag que foi desenhada para um corpo masculino, ou em relação ao seguro saúde. Então, queremos abrir cada vez mais um canal de comunicação que considera a pluralidade existente no grupo de entregadores e entregadoras.

Quais são as práticas de impacto para os restaurantes?

Estamos focados em acelerar os restaurantes de pessoas negras, que estimamos ser 40% do total na plataforma. Queremos encontrar formas de acelerar esses empreendimentos que, historicamente, são segregados.

Estamos testando alavancas como a redução de taxas, condicionada a participação em programas de educação sobre como vender mais e outros temas. Também podemos colocar esses restaurantes no topo das listas e criar frentes de visibilidade com abas de comida afro-brasileira e africana, por exemplo.

Isto acontece paralelamente aos nossos programas internos de diversidade e inclusão, que já atingiu a meta de equidade de gênero e tem metas de equidade racial, especialmente em cargos de liderança, onde o desafio é maior.

Anteriormente, você disse que a diversidade ficou perdida dentro do ESG. Como a vice-presidência olha para diversidade e inclusão?

O que eu quis dizer é que ESG é uma pizza dividida em três partes, sendo um deles o social, que tem muitos outros temas. Para mim, diversidade deveria ser uma grande fatia em cada uma das letras, e não apenas no social. É por isto que, tudo que pensamos em impacto considera a inclusão.

No iFood, estamos construindo uma estratégia robusta para mostrar o que estamos fazendo para enfrentar esses sistemas excludentes. Falar desses temas em impacto social é ir além das notas de repúdio. A gente espera, por exemplo, que o canal de denúncias gere segurança nos entregadores para que eles denunciem mais e sem medos infundados de, por exemplo, serem bloqueados da plataforma. Este é apenas um dos exemplos de como ter estratégia e fazer absolutamente tudo baseado em dados pode mudar um cenário complexo no país.

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