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Adaptação e prevenção: restauração de manguezais, dunas, restingas e recifes podem reduzir os impactos de ondas, ventos e ressacas, além de proteger a biodiversidade (Ricardo Lima/Getty Images)
Jornalista
Publicado em 14 de novembro de 2025 às 19h55.
O número de desastres climáticos causados por ciclones, frentes frias e ondas de frio no Brasil aumentou 19 vezes nas últimas três décadas. A informação faz parte de um estudo divulgado nesta sexta-feira (14) durante a COP30, em Belém.
O levantamento, apresentado durante a COP30, em Belém, foi elaborado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, em parceria com o Programa Maré de Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
O relatório mostra os desastres climáticos aumentaram o equivalente a 1.800% na comparação com a década de 1990. Entre 1991 a 2024, foram registrados no país 407 desastres climáticos. A média anual saltou de 2,3 registros nos anos 1990 para 44 registros anuais entre 2021 e 2024 - alta de 240% em relação à década passada (2011 a 2020).
“A superfície do mar mais quente, em um estado que chamamos de oceano febril, libera mais calor e umidade, alimentando e intensificando esses sistemas e provocando ventos e chuvas cada vez mais fortes”, explicou por meio de nota Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Unifesp e integrante da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
Ainda segundo o levantamento, entre os tipos de desastres, as ondas de frio representam 54% dos casos (218 registros), seguidas por ciclones (38%, 156 registros) e frentes frias (8%, 33 registros). As frentes frias, mesmo que menos comuns, são responsáveis pela maioria dos episódios de chuvas intensas e extremos climáticos no país.
Desastres causados por ciclones, frentes frias e ondas de frio afetaram 232 municípios - 70% estão localizados no interior e 30% na zona costeira. O interior sofre principalmente com ondas de frio (83%), enquanto os municípios litorâneos são impactados em particular por ciclones (93%). O Sul e Centro-Oeste concentram 74% dos registros. O estudo destacou um aumento relevante de eventos extremos no interior do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Recentemente, o país viu mais uma dessas situações climáticas extremas. Após um tornado devastar cidades paranaenses no início deste mês, deixando ao menos 7 pessoas mortas e mais de 700 feridos, novos ciclones extratropicais devem atingir o Brasil em novembro.
Perdas financeiras e estruturais
Além das vítimas, há graves impactos econômicos e estruturais, como avalia o levantamento. Foram destruídos ou danificados pelo desastres climáticos 142 mil bens e infraestruturas em todo o país - 94% deles causados por ciclones. O total de prejuízos chegou a R$ 2,74 bilhões, com R$ 1,5 bilhão somente nesta década. O número representa quatro vezes mais que a década anterior e 17 vezes o valor da década de 1990.
O estudo mostra que o setor público arcou com cerca de R$ 200 milhões em perdas. Os prejuízos concentraram-se principalmente nos setores de energia, transporte e distribuição, mais vulneráveis aos ciclones. O setor privado, por sua vez, registrou R$ 2,5 bilhões em prejuízos, com impacto maior causado pelas ondas de frio, que afetam a agricultura e o comércio. Habitações correspondem a 52% dos bens danificados. Já as obras de infraestrutura representam 46% do total de danos.
Os desastres analisados impactaram 1,2 milhão de pessoas no Brasil desde 1991 - crescimento de 206% em relação à década anterior e quase 40 vezes mais que nos anos 1990. O estudo revela que a média anual de pessoas afetadas hoje é três vezes maior do que a da década passada.
Foram 27,6 mil desalojados e desabrigados, 2,2 mil feridos ou enfermos e 8 mortes nos registros diretos. O levantamento alerta para o impacto indireto. Ao todo, 97% dos afetados (mais de 1 milhão de pessoas) sofrem consequências emocionais, socioeconômicas e culturais.
Christofoletti argumenta que os dados do estudo mostram a urgência das discussões sobre adaptação climática. “Os municípios vão enfrentar cada vez mais situações extremas como essas e precisarão de apoio e financiamento climático para ações imediatas de prevenção e recuperação. A pauta climática é urgente e precisa ser tratada agora”, analisa.
Entre as formas de fortalecer a adaptação e a prevenção aos desastres estão, no caso das cidades costeiras, o uso de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) . É o caso da restauração de manguezais, dunas, restingas e recifes, que podem reduzir os impactos de ondas, ventos e ressacas, além de proteger a biodiversidade e oferecer benefícios como alimento, turismo e pesca.
Segundo Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, as cidades costeiras precisam adotar soluções fundamentadas na ciência para enfrentar, de forma integrada, os impactos crescentes dos eventos climáticos extremos.
"Em vez de apostar apenas na rigidez da infraestrutura cinza, precisamos ampliar investimentos em soluções verdes e azuis, como manguezais recuperados, dunas preservadas e áreas verdes urbanas, que se adaptam ao ambiente, reduzem riscos e criam cidades mais saudáveis”, diz Janaína.
No caso do interior, ainda segundo o relatório, o foco deve ser o fortalecimento da agricultura sustentável e da segurança alimentar. A adoção de práticas como sistemas agroflorestais, plantio direto, rotação de culturas e o manejo eficiente da água é fundamental para aumentar a resiliência climática e produtiva das comunidades rurais.
“Fortalecer a resiliência na cidade e no campo significa investir hoje em prevenção e adaptação de longo prazo, colocando a natureza no centro das estratégias de segurança física, social e econômica”, aponta a gerente da Fundação Grupo Boticário.
Gestores públicos e a sociedade podem usar a ferramenta Plataforma Natureza ON na prevenção de desastres e no enfrentamento das mudanças climáticas, desenvolvida em parceria entre a Fundação Grupo Boticário, Google Cloud e MapBiomas.
Com tecnologia, ciência e dados geoespaciais, o recurso possibilita identificar áreas de vulnerabilidade climática no país, oferecendo informações sobre riscos de inundações, alagamentos, deslizamentos e ondas de calor.
Com base nessas informações, a plataforma indica Soluções Baseadas na Natureza, como a restauração de manguezais, matas ciliares e áreas de vegetação nativa, capazes de reduzir impactos, proteger comunidades e fortalecer a resiliência dos ecossistemas.
“Com a Natureza ON, qualquer gestor público ou cidadão pode visualizar onde estão as maiores vulnerabilidades climáticas do seu território e quais soluções naturais podem ajudar a reduzi-las. A plataforma reúne dados de solo, relevo, cobertura vegetal e uso da terra, oferecendo um mapa completo dos riscos e das oportunidades para fortalecer a resiliência local frente aos eventos extremos”, explica o gerente de Economia e Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, Andre Ferretti.