As mudanças climáticas são o grande tema do momento para o Reino Unido, que sediará a próxima COP (Jack Taylor/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 19 de maio de 2021 às 09h16.
Última atualização em 16 de junho de 2021 às 18h06.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, se mostrava cético quanto ao potencial da energia eólica. Ao menos inicialmente. “Hoje, ele está com a meta de abastecer todas as casas com eletricidade dos ventos”, afirma John Murton, ex-embaixador e atual enviado do Reino Unido para a COP26, conferência climática da ONU a ser realizada em novembro, em Glasgow, na Escócia. Para Murton, compromissos como esse trazem investimentos.
“O setor privado quer certezas para investir”, disse o diplomata, em entrevista à EXAME. “Compromissos climáticos, como o feito pelo presidente Bolsonaro (de atingir a neutralidade em carbono até 2050), sinalizam ao mercado a direção a seguir, o que traz mais confiança”.
As mudanças climáticas são o grande tema do momento para o Reino Unido. O governo Johnson tem grandes ambições para a COP26, o primeiro grande evento global realizado pelo país após a saída da União Europeia. O primeiro-ministro acredita que a conferência climática representa uma oportunidade de se firmar como uma liderança verde no mundo. “Deixamos a União Europeia, mas não abandonamos a Europa, nem os valores europeus”, afirma Murton.
De fato, a COP26 está sendo considerada a mais decisiva da história. Ela é aguardada por diversos motivos. Há a expectativa de, finalmente, regulamentar o Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da criação de um mercado global de carbono. O evento também marca o retorno dos Estados Unidos a um lugar de protagonismo nas discussões climáticas, já que o país esteve ausente dos debates nas últimas três COPs, realizadas durante a presidência de Donald Trump.
A China também deverá desempenhar um papel mais relevante na conferência. No final do ano passado, o líder chinês Xi Jinping anunciou uma ousada meta de zerar as emissões do gigante asiático em 30 anos. A promessa colocou a Europa sob pressão, pois a ambição chinesa, de certa forma, ofuscou os esforços do velho continente em tornar sua economia mais limpa por meio do Green Deal, plano de recuperação econômica pós-pandemia baseada na economia de baixo carbono.
Negociações em andamento
Os países que pretendem iniciar negociações na COP26, no entanto, devem se frustrar. Segundo Murton, a conferência será palco mais de confirmações do que negociações. “Há uma percepção de que estaremos negociando como em Kyoto, mas, na realidade, muito do trabalho está acontecendo agora, na medida em que encorajamos os países a usar os mecanismos de Paris e os compromissos”, afirmou o diplomata, se referindo ao encontro que deu origem ao primeiro grande acordo climático global, o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997.
É nesse sentido que ele elogia a decisão do governo brasileiro de se comprometer em neutralizar as emissões. “Temos esse compromisso há dois anos, e cada dia é um aprendizado. Estamos ansiosos em trabalhar com o Brasil para ajudar a entregar esse resultado”, afirma. “É um princípio organizacional. Quando se fala em carbono zero, todos entendem que são responsáveis. O que veremos agora é a vontade de trabalhar com a comunidade internacional.”
Murton também ressalta que o Brasil tem muito a ganhar com a transição para a nova economia. Com a regulamentação do Artigo 6, e a consequente criação de um mercado global de carbono, o país pode lucrar bastante, já que é considerado a “Arábia Saudita do carbono” pela quantidade de florestas nativas intactas. Nos últimos dois anos, no entanto, o Brasil construiu uma imagem contrária à de defensor do meio ambiente. Na COP25, o governo brasileiro sequer montou um estande no pavilhão de exposição, como era de costumo, e levou uma delegação formada apenas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, e alguns assessores.
A mudança de Bolsonaro
O compromisso de zerar as emissões, feito pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima organizada pelos Estados Unidos, em abril, é uma tentativa do governo de reverter essa imagem negativa. Em sua fala de 3 minutos, Bolsonaro adotou uma narrativa de defesa ao que considera ações positivas do Brasil em relação à proteção ambiental. Também solicitou recursos internacionais para a conservação ambiental no país sem, no entanto, citar cifras. "A comunidade internacional terá oportunidade de cooperar com nosso destino comum durante a Conferência do Clima", afirmou.
A mudança de postura, no entanto, carece de credibilidade, avalia Fábio Alperowitch, fundador e gestor da Fama Investimentos, gestora que foi pioneira no país em investimentos ESG. “Até ontem, o Brasil derrubava floresta. Não vai mudar da noite para o dia”, disse o investidor. Para conseguir algum resultado, diz ele, o presidente deveria ter apresentado um plano junto com o compromisso de atingir a neutralidade em carbono até 2050.
O analista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, também afirma que o Brasil deveria ser um dos protagonistas dos debates da Cúpula de Líderes sobre o Clima. "Não foi o que se viu. Apesar da postura mais efetiva do governo Bolsonaro, com a promessa de metas ambiciosas, o discurso do presidente brasileiro ficou no final da fila, desprestigiado pelos principais líderes mundiais. No mundo da diplomacia, deram o recado."
O enviado para a COP26 do Reino Unido não entrou nessa polêmica. Disse, apenas, que o compromisso brasileiro é “bem-vindo”. Mas, a julgar pela forma como descreveu o andamento das negociações, já em curso, o Brasil terá de se esforçar mais para garantir bons resultados na COP britânica. Como no filme Campo dos Sonhos (1989), estrelado por Kevin Costner, em que o protagonista decide abrir mão de parte de sua colheita de milho para construir um campo de baseball, após ouvir vozes do além, o governo terá de ter fé e escutar as vozes vindas do outro lado do oceano.
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