‘Combustível da transição’, gás natural encarece e força países a voltar para o petróleo
Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia, demanda por petróleo deve quadruplicar em função da baixa competitividade do gás natural, que é fóssil, porém, emite menos carbono
Bloomberg
Publicado em 15 de agosto de 2022 às 15h31.
Com os altos preços do gás natural sem sinais de redução e as cadeias de produção prejudicadas, alternativas mais baratas, porém mais sujas, ao combustível parecem cada vez mais tentadoras.
Os preços do gás natural liquefeito na Ásia agora estão próximos de US$ 50 por milhão de Btu (unidades térmicas britânicas). Em uma comparação equivalente, o gás era cerca do dobro do preço do diesel na sexta-feira, com o óleo BPF (com alto teor de enxofre) e carvão ainda mais baratos, de acordo com dados da S&P Global Commodity Insights.
Na Europa, a situação é semelhante e o gás natural custa em torno de US$ 60, mais que o triplo do preço do HSFO e do gás propano, segundo a consultoria de energia FGE.
O gás natural tornou-se a commodity mais requisitada à medida que a Rússia, fonte crucial de gás canalizado para a Europa e de GNL para a Ásia, está reduzindo o fornecimento em meio a uma crise global de energia. Não há o suficiente para todos, e a situação deve piorar com a chegada do inverno. Ao mesmo tempo, o aumento dos preços está tornando o combustível inacessível a algumas nações. Como resultado, países ricos e pobres estão de olho em outras alternativas.
“Com a preocupação de que o fornecimento possa ser insuficiente neste próximo inverno, vários governos anunciaram recentemente que permitirão mais queima de óleo combustível e de carvão em usinas de energia”, disse Steve Sawyer, diretor de refinaria da consultoria FGE. “Se a flexibilidade para a queima de outros combustíveis além do gás natural já está instalada, suspeitamos que ela já esteja sendo usada”, disse ele.
A Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) revisou, na quinta-feira, a previsão de demanda global de petróleo de 380 mil para 2,1 milhões de barris por dia, na expectativa de que indústria e empresas de energia optem pelo petróleo. A demanda extra que motivou a revisão está “esmagadoramente concentrada” no Oriente Médio e na Europa, disse a agência.
A opinião da IEA foi ecoada por Damien Courvalin, chefe de pesquisa de energia do Goldman Sachs, que espera que a migração de gás para petróleo represente um adicional 1,5 milhão de barris na demanda diária neste inverno, em comparação com um milhão de barris por dia no ano passado. A demanda virá do setor de energia, bem como das indústrias, disse ele em entrevista à Bloomberg.
Na Ásia, Paquistão e Bangladesh estão entre os países com instalações consideráveis que podem alternar entre gás natural e óleos combustíveis para geração de energia.
Paquistão e Bangladesh “têm uma capacidade significativa de geração de energia com petróleo e estão enfrentando severas restrições orçamentárias para continuar comprando GNL caro”, disse Max van der Velden, principal consultor da Wood Mackenzie. “Eles estão tentando manter as luzes acesas e evitar um severo estresse econômico ao usar o petróleo.”
O abandono do gás é um retrocesso nos esforços globais pela geração de energia mais limpa. Muitos países recorreram ao gás natural como parte das tentativas de descarbonização, pois é o combustível fóssil mais limpo. Alternativas mais “sujas”, do carvão aos combustíveis líquidos, dificultarão o alcance de metas climáticas por algumas nações.
Analistas da Fitch Solutions afirmaram, em 8 de agosto, que a Comissão Europeia continuará permitindo o aumento da geração de energia a carvão neste ano e no próximo, revertendo temporariamente o longo declínio no consumo de carvão na Europa. Além disso, os preços mais altos do GNL incentivarão os geradores de eletricidade em todo o mundo a optar pelo carvão ao invés do gás sempre que possível.
Contudo, há limites para a quantidade de troca de combustível. A capacidade limitada de geração de energia a petróleo é um problema, pois pode ser difícil reativar as usinas de petróleo ou de carvão.
“A reativação dessas usinas dependerá de quão bem elas foram fechadas e mantidas”, disse Sawyer, da FGE. “Não espere que elas voltem a funcionar da noite para o dia.”
A maior parte das geradoras de energia a partir de petróleo no Japão está atualmente ociosa. As usinas são antigas, seu custo de reativação é caro, especialmente para um funcionamento de curto prazo, e há resistência ambiental e política, de acordo com van der Velden.
“O Japão ainda verá um crescimento anual da demanda de petróleo para o setor de energia, mas suas vantagens são limitadas”, disse ele.
Ainda assim, os incentivos fiscais pela troca de combustível são difíceis de ignorar e a FGE espera que mais países pressionem pela reativação das usinas de petróleo. “O processo precisará começar agora para que no inverno elas estejam trabalhando para ajudar a atender”, disse Sawyer.