ESG

Chuvas no Rio Grande do Sul: qual o papel do setor de seguros em eventos climáticos extremos?

Embora as cifras se aproximem da marca de R$ 4 bilhões, o produto de seguro tem pouca penetração e as coberturas contratadas são limitadas em comparação aos danos na região

Rio Grande do Sul é afetado por chuvas e enchentes (Fraport Brazil/AFP)

Rio Grande do Sul é afetado por chuvas e enchentes (Fraport Brazil/AFP)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 30 de junho de 2024 às 08h02.

Por Leonardo Hijino de Oliveira e Kenyth Freitas*

A destruição ocorrida no Rio Grande do Sul entra para a história do Brasil como um dos maiores desastres ambientais já registrados. Em balanço divulgado pela Defesa Civil do estado em 24 de junho de 2024, as chuvas impactaram 478 municípios (96% do total) e um total de 2.398.255 pessoas. Destas, 388.781 estão desalojadas, 806 ficaram feridas, 34 estão desaparecidas e 178 tiveram óbitos confirmados. Além das perdas humanas e sociais, o desastre climático também teve um impacto material crítico para os gaúchos.

Ruas, estradas, casas, centros comerciais, indústrias, armazéns e plantações ficaram alagadas ou foram destruídas pela força da água, afetando quase que completamente a cadeia de produção e distribuição do estado. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), “os problemas logísticos devem afetar de forma significativa todas as cadeias econômicas do Estado”, sendo necessário não somente desobstruir como reconstruir estradas, pontes, ferrovias e até mesmo o principal aeroporto do estado, o Salgado Filho, em Porto Alegre.

Neste processo de reconstrução, as seguradoras terão um papel bastante relevante. De acordo com a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) junto às suas 150 associadas, em balanço divulgado em 19 de junho de 2024, foram registrados 48.870 avisos de sinistros, totalizando R$ 3,89 bilhões em indenizações a serem pagas.

Os números ainda são preliminares, mas será a maior indenização paga pelo setor de seguros no Brasil para um único evento natural. “Esse número deve continuar crescendo nas próximas semanas, inclusive porque as chuvas voltaram a cair no estado”, afirmou Dyogo Oliveira, o presidente da CNSeg.

Apesar do evento ser extraordinário, as seguradoras brasileiras têm reservas técnicas para fazer frente ao pagamento de todas as indenizações. As coberturas que registraram os maiores avisos foram “Residencial e Habitacional”, “Automóvel”, “Agrícola” e “Grandes Riscos”, que incluem empreendimentos de infraestrutura como, por exemplo, estradas concedidas à iniciativa privada ou complexos industriais.

Tabela 1 - Sinistros avisados desde o início das chuvas

ProdutosQuantidadeValor (R$)
Automóvel19.0671.277.064.213
Residencial + Habitacional22.673524.664.255
Agrícola2.215181.687.725
Grandes Riscos5991.322.167.840
Outros *4.316580.005.687
Total48.8703.885.589.720

*Empresarial, Transportes, Riscos de Engenharia, Vida, Máquinas e Equipamentos/Benfeitorias (Rural) e Riscos Diversos (Patrimonial)

Nota.: balanço divulgado em 19 de junho de 2024.

Fonte: CNSeg.

Embora as cifras se aproximem da marca de R$ 4 bilhões, o produto de seguro tem pouca penetração e as coberturas contratadas são limitadas em comparação aos danos na região. O Rio Grande do Sul é o estado com maior taxa de contratação de seguro residencial do país: 38% das residências têm apólice – em segundo lugar vem São Paulo, com 29%.

Entretanto, diferente do ramo de automóveis, muitos contratos residenciais (e até mesmo empresariais) não possuem cobertura contra enchentes e alagamentos, uma vez que se trata de uma proteção adicional que nem todo mundo costuma incluir na apólice. Outra cobertura facultativa é a de lucros cessantes, fundamental quando há o rompimento da cadeia.

É fato que a população de baixa renda sofrerá ainda mais: habitam as regiões menos favorecidas das cidades (com menos infraestrutura e mais expostas à inundação), muitas vezes não possuem renda e, menos ainda, qualquer tipo de proteção.

Apesar de haver uma proposta em discussão no Congresso para a criação de um seguro social contra catástrofes, com cobrança no valor de R$ 3 por cliente e embutida na conta de luz, essa parcela da população precisará contar, por enquanto, com ajuda governamental. Tanto o governo do Rio Grande do Sul quanto o Governo Federal lançaram programas de auxílio e reconstrução com benefícios de R$ 2.500 a R$ 5.100, em parcela única.

Eventos climáticos extremos se tornarão mais comuns

Os impactos das mudanças climáticas são uma realidade e cada vez mais frequentes. É válido lembrar que o Rio Grande do Sul vivenciou episódios similares, mas em menor proporção, em 2023, onde famílias reconstruíram suas vidas e perderam tudo novamente. O relatório “Catástrofes Naturais de 2023”, elaborado pela gestora de riscos Swiss Re Institute, aponta que os desastres naturais no mundo geraram uma perda econômica de US$ 291 bilhões em 2023, US$ 56 bilhões acima da média dos últimos 10 anos. Enquanto isso, o setor de seguros cobriu US$ 117 bilhões em indenizações, US$ 18 bilhões acima da média dos últimos 10 anos. O relatório ainda sugere que esse montante de perdas tende a aumentar nos próximos anos.

O ano de 2023 foi o mais quente já observado na história. Logo, é de extrema importância que governos estipulem metas sérias e viáveis para o desenvolvimento econômico sustentável, e invistam, por meio de políticas e incentivos, na adoção de novas práticas nos diversos setores produtivos da economia. Na outra vertente, será necessário investir na conscientização do consumo sustentável, que busca equilibrar as necessidades humanas com a preservação dos recursos naturais.

O papel do setor de seguros

A indústria de seguros, por sua vez, desempenhará papel crucial nessa transição. De acordo com a diretora de Sustentabilidade e Relações de Consumo da CNseg, Ana Paula de Almeida, “à medida que enfrentamos riscos emergentes cada vez mais complexos e desafiadores, o seguro torna-se cada vez mais necessário para garantir a manutenção de renda, a proteção da vida, da saúde e do patrimônio. É impossível pensar em crescimento econômico, sustentável e em transição climática sem pensar em seguros, uma vez que a exposição a riscos é parte inerente dessa agenda e as seguradoras são as instituições financeiras com expertise para avaliar, gerenciar e precificar riscos”.

Através da integração das melhores práticas de ESG, ou seja, geração de valor aliado à preocupação com questões ambientais, sociais e de governança corporativa, o setor poderá influenciar tanto na redução de riscos climáticos quanto no estímulo de práticas empresariais sustentáveis, principalmente através da subscrição de riscos.

“Ao incluir critérios ESG nesse processo, as seguradoras consideram os impactos ambientais e sociais das empresas e projetos que estão segurando e usam esses fatores para precificar um risco ou mesmo para rejeitá-lo, promovendo e incentivando a responsabilidade dos diversos setores da economia”, avalia Jessica Bastos, diretora da SUSEP, autarquia responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguros no Brasil.

O setor também vem desenvolvendo produtos específicos que fomentam práticas sustentáveis (como adoção de carros elétricos, propriedades com eficiência energética e projetos de energia renovável), além de oferecer o Seguro Inclusivo já há alguns anos, voltado para a proteção da população menos favorecida e auxilia na diminuição das desigualdades.

Além disso, as seguradoras têm olhado para dentro de suas operações e adotado diversas iniciativas para a redução e compensação das emissões de carbono, digitalização de processos e o descarte correto de resíduos provenientes dos processos de sinistros, como sucatas de automóveis, material de demolição e outros.

Toda essa transformação levará tempo e custará caro. Enquanto isso, será necessário preparar as cidades para a nova realidade climática, a fim de minimizar a perda de vidas humanas e os prejuízos financeiros causados pelos desastres ambientais cada vez mais frequentes.

*Leonardo Hijino de Oliveira é Atuário e Estatístico, Mestrando em Administração pelo Ibmec Rio e Kenyth Freitas é Professor do Ibmec Rio, Doutor em Administração pela FGV.

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