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As instituições precisam agir contra apagamento histórico da população negra

Para membros da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP, o país não está garantindo o direito constitucional à memória dos milhões que aqui foram escravizados

O Museus Memorial dos Povos Pretos, no Rio de Janeiro (Tomaz Silva/Agência Brasil)

O Museus Memorial dos Povos Pretos, no Rio de Janeiro (Tomaz Silva/Agência Brasil)

As instituições e a sociedade brasileira têm reconhecido, de forma justa e reparadora, a memória dos mais de 4 milhões de africanos escravizados que aqui chegaram em mais de três séculos de vigência do sistema escravocrata, bem como de seus descendentes? As decisões políticas e institucionais tomadas ao longo do tempo sobre a região da Pequena África, no Rio de Janeiro, por exemplo, não endossam positivamente o questionamento posto acima.

A região do Cais do Valongo, considerado o maior porto de desembarque de africanos escravizados das Américas e o segundo maior ponto de origem dos navios negreiros do mundo, passou por dois momentos de apagamento de memória e gentrificação: (I) em 1834, quando se transforma no Cais da Imperatriz, em razão da chegada da futura imperatriz Tereza Cristina; e (II) em 1911, quando as reformas urbanísticas do prefeito Pereira Passos aterram o Cais do Valongo para a construção da Praça do Comércio.

Embora o direito à memória esteja expressamente previsto no artigo 216 da Constituição Federal, o desinteresse das instituições brasileiras em fomentar a construção de lugares de memória que efetivamente reconheçam e valorizem a história negra e sua resistência secular é validado por exemplos mais atuais, como (I) a “descoberta” do Cemitério dos Pretos Novos, no bairro da Gamboa, no Rio, e a criação do Instituto de mesmo nome, que desenvolve projetos e investigações arqueológicas a fim de valorizar a memória e a identidade cultural brasileira em diáspora sem qualquer subsídio de ordem estatal, ou, ainda, e (II) o abandono às ruínas da casa de Machado de Assis, localizada no Morro do Livramento.

Hannah Arendt cita que "a memória (...) é impotente fora de um quadro de referências preestabelecido, e somente em raríssimas ocasiões a mente humana é capaz de reter algo inteiramente desconexo (...)". A memória, portanto, está intrinsecamente relacionada à identidade, seja ela individual ou social, e a preservação deste direito constitucional é essencial para a continuidade histórica de um povo.

O silenciamento e o apagamento histórico são cúmplices da amnésia coletiva que paira sobre a sociedade brasileira. Ante a ausência de políticas que endereçam o assunto, iniciativas como as Comissões Nacionais da Verdade da Escravidão Negra materializam o entendimento de que a garantia do direito à memória é ato político, que ressignifica o passado e constitui elemento de transformação, influenciando o presente.

A displicência do Estado brasileiro viola direito constitucional e explicita sua falta de compromisso com a efetivação de mudanças sociais relevantes, posto que valida e naturaliza realidade social que não reconhece nem valoriza uma identidade nacional multicultural, mas reproduz história hegemônica que não possibilita à população negra o resgate de suas origens e histórias.

*Nathalia Costa e Fernanda Santiago são integrantes da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP

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