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Vizinho endinheirado

Os negócios decolam em Moema, o distrito que vive sob o ronco dos aviões e ostenta o mais elevado índice de consumo por habitante de São Paulo

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h28.

Ser destacada com freqüência em pesquisas como uma das regiões com melhor qualidade de vida em São Paulo já bastaria para fazer a fama e atrair uma legião de interessados. Mas também ser apontada por especialistas como uma das regiões mais promissoras para o desenvolvimento de novos negócios faz de Moema, o reduto paulistano da zona sul conhecido por suas ruas com nomes de pássaros e de tribos indígenas, um dos espaços mais cobiçados entre os chamados bairros nobres da capital. Veja por quê:

Ostenta o mais elevado índice de consumo por habitante entre os 96 distritos da capital, segundo levantamento da Target Marketing, uma empresa de pesquisa de São Paulo. Em média, cada morador de Moema tem para gastar 9,6 mil dólares por ano, em comparação com a média paulistana de 4,2 mil.

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O valor médio dos aluguéis é superior a 2 mil reais por mês, o maior de São Paulo, segundo levantamento da consultoria Urban Systems.

Ocupa a segunda posição no ranking de lançamentos imobiliários por área total (210 mil metros quadrados) e valor do produto (173 milhões de dólares) em 2000.

O consultor Luiz Paulo Pompéia, diretor da Embraesp, especializada no setor imobiliário, aponta uma lista de fatores que valorizam os empreendimentos situados no território de Moema. A proximidade com o aeroporto de Congonhas. Fácil acesso a todas as regiões de São Paulo. Zoneamento favorável para praticamente todos os tipos de construção. Ruas largas e âncoras importantes como o shopping e o parque do Ibirapuera. A diversidade desse pedaço de São Paulo, com apenas 9 quilômetros quadrados (ocupa pouco mais de 1% da área urbana do município), onde vivem cerca de 74 mil paulistanos, surpreende até quem acompanha a evolução do bairro urbanizado em 1913, com o loteamento do sítio Traição, nome emprestado do córrego que banhava o trecho cortado hoje pela avenida dos Bandeirantes.

O distrito de Moema, que desde um decreto transformado em lei em 1991 também engloba bairros nobres como a Vila Nova Conceição (o metro quadrado mais caro de São Paulo, onde um apartamento com cinco suítes pode chegar a 5 milhões de reais), tem o privilégio de incluir em seu território o parque do Ibirapuera. De dia, é intenso o movimento nos pontos comerciais. A avenida Ibirapuera, com suas lojas de decoração e vistosas revendedoras de veículos importados, já era agitada no começo do século XX. Servia de leito para uma linha de bonde que percorria os trilhos entre as tecelagens.

Servida por 90 linhas de ônibus, e ainda aguardando o metrô, sem prazo de construção, o próprio perfil dos consumidores, classes média e alta, faz do automóvel o transporte mais usado por quem sai carregado de sacolas de compras. No quesito consumo, o templo de Moema continua sendo o Shopping Center Ibirapuera, 25 anos completados em agosto passado, e previsão de fechar este ano tendo vendido 360 milhões de dólares. Com suas 504 lojas, gera cerca de 6 mil empregos diretos em atendimento e operações das lojas ou indiretos como segurança, manutenção e limpeza. Com uma circulação diária de 86 mil pessoas, o centro de compras possui uma área de influência que se estende além dos domínios do distrito. "Mas já foi maior, atraindo moradores até do ABC", diz o executivo Armando de Angellis, superintendente do Ibirapuera. "O adensamento da população foi um dos fatores que impulsionaram e determinaram o potencial do empreendimento, ainda novidade para a época."

Em cada quilômetro quadrado de Moema vivem estimados 8,5 mil moradores. Seu índice de verticalização corresponde a 70% da ocupação da área do distrito, mais acentuado do que os vizinhos Itaim Bibi (55%) e Vila Mariana, que têm 60% de sua área coberta por edifícios.

A fachada do Shopping Ibirapuera vai sofrer uma cirurgia em 2002. A atual área para estacionamento de carros ao ar livre dará lugar a um novo projeto com espaços para eventos culturais e artísticos. A reforma prevê a construção de salas de teatro e cinemas mais modernos, além de um local para desfiles e eventos especiais. Também está nos planos trazer para seus novos corredores nomes estrelados de grifes européias, como a Maison Dior.

Serviços ainda são a maior fonte de empregos na região, com 31 mil pessoas empregadas e cerca de 3 mil estabelecimentos, segundo dados do IBGE. O comércio também é bem representado, com 1,8 mil casas e cerca de 10 mil postos de trabalho. Ter um negócio ou empreendimento no bairro pode significar uma guinada na carreira e status no portfólio de uma empresa. Foi o que aconteceu com o empresário Antonio Setin, que transformou sua construtora numa marca de referência nacional para a construção de hotéis com bandeiras internacionais. Setin, arquiteto de formação, acredita que a experiência adquirida com a construção de prédios de alto padrão em Moema, no início dos anos 80, foi decisiva para o crescimento de suas operações.Ele ainda não ergueu nenhum hotel no bairro, mas continua mantendo laços com a região com serviços de marcenaria e decoração de flats, uma atividade que deverá representar de 10% a 15% do faturamento da Setin. O trânsito caótico e o custo salgado dos estacionamentos particulares não têm desestimulado o surgimento de novos negócios. Nem desanimam os ávidos consumidores que se deslocam de regiões distantes atraídos por lojas sem filiais em outras regiões. Exemplo disso é a Shoestok, uma superloja de calçados localizada na rua Bem-Te-Vi que em 12 anos se transformou num fenômeno de vendas. Fernando Mendes, diretor de marketing, diz que nos sábados mais de mil clientes passam pelos caixas da loja com no mínimo três compras entre sapatos e bolsas. Também não faltam revendedores que levam dezenas de pares numa única visita. Exatamente como faziam as irmãs Fabrício, Lucíola e Márcia, as proprietárias da Shoestock, no tempo em que eram universitárias e traziam calçados de sua cidade, Franca, para revender às colegas de faculdade.

Já na Vila Nova Conceição, um bairro de perfil de classe média alta, ocorre o oposto. São raros os empreendimentos comerciais que se aventuram a enfrentar uma rigorosa lei de zoneamento que tenta inibir esse tipo de atividade na maioria das ruas. Resistem por lá as butiques que surgiram como atividade alternativa na garagem de casas de família. Nomes como Daslu e Claudeteedeca são bastante conhecidos, embora suas donas façam um grande esforço para manter os negócios longe dos olhos de estranhos. Quase escondidas em fachadas discretas, as butiques fechadas fazem do ato de comprar um ritual. Mimadas por vendedoras que conhecem o perfil de cada cliente, muitas gastam até o preço de um carro popular, perto de 13 mil reais, num vestido de festa bordado com pedrarias. Com freqüência, as clientes endinheiradas são convidadas para eventos entre desfiles e almoços. Se quiserem, a loja leva roupas para escolherem em casa.

A especulação ainda não atingiu a rua Normandia, um verdadeiro tesouro arquitetônico que já serviu de cenário para gravação de comerciais e novelas antes de assumir sua vocação comercial. O conjunto de 54 casas em estilo europeu, incluindo uma calçada da vizinha rua Gaivota, hoje forma o Normandia Street Shopping, que virou atração turística de Moema, principalmente no Natal. Nessa época, as lojas adotam decorações artesanais com gigantescos bonecos de pano e prometem -- e cumprem, com a ajuda de maquinaria especial -- fazer "nevar". "A tradição já dura seis anos e vem atraindo visitantes até de outras cidades", diz a empresária Regina Vaz, sócia numa loja de decoração da Normandia.

Esta face de Moema, como a de um recanto amigável e aberto para visitantes e novidades, é conhecida desde o início do século passado, quando cresceu abrigando imigrantes operários que vinham trabalhar nas emergentes indústrias têxteis da região. Quem viveu esses tempos, em que o bairro era conhecido por "Fazendinha" e pessoas vinham fazer piquenique à sombra dos eucaliptos plantados nas margens do córrego da Traição, recorda, como o casal Roberto e Lygia Horta, a aventura de chegar ao bairro numa longa viagem de bonde -- extinto em 1966. Até então, Moema tinha características fabris, com a forte presença de ingleses e alemães. Numa interpretação bem-humorada, isso explicaria a vocação do bairro e o grande número de bares e choperias. A mais antiga delas, o Joan Sehn, funciona desde 1937.

Medo de avião
Presidente da Associação dos Moradores e Amigos de Moema (Amam), a advogada Lygia Horta acompanha desde 1954 a transformação da região, que naquele tempo precisava até "importar" água potável. A circulação era precária, com ruas sem asfalto e muitos córregos, como o Uberaba, que só foram canalizados no fim dos anos 80. Hoje, segundo ela, um dos maiores problemas não está no solo, mas no ar. São os aviões que partem e chegam em direção ao Aeroporto de Congonhas que, para Lygia, representam um constante risco à segurança dos moradores. A difícil solução para o impasse é que o espaço aéreo de Moema já está consolidado como rota utilizada há mais de 60 anos. Em dias de grande movimento, o intervalo entre pousos e decolagens é inferior a dois minutos, e não raro ocorrem desrespeitos às limitações de horário e ao uso obrigatório de equipamentos abafadores de som.

No entanto, a proximidade do aeroporto também traz benefícios. O movimento gerado pelo trânsito de visitantes em turismo de negócios, a modalidade explorada pelos empreendimentos mistos de escritórios e unidades de hospedagem que vem crescendo na região, também deverá atrair para o bairro novos segmentos em serviços e comércio. O consultor Thomaz Assumpção, da Urban Systems Brasil, confirma essa tendência. "A presença de uma população flutuante, com perfil de bom poder aquisitivo, faz surgir demanda de consumo por compras, facilidades de serviços e lazer próximo a suas instalações", diz Assumpção.

Segundo ele, Moema está apta a absorver essas novas necessidades, que acabam trazendo também benefícios para os moradores. Um projeto audacioso é o dos empresários Yolanda e Samir Joukhadar. Junto com um grupo de investidores, inauguraram em agosto passado o Cyber Café The Red Lion, com características inéditas para o padrão das dezenas de bares e restaurantes que vêm disputando esquinas e calçadas de Moema. O surgimento dessas casas diferenciadas, misto de bar e restaurante, tornou-se visível nos últimos anos. E, mesmo em tempos de apagão, continuam brilhando o temático Mercedes, instalado numa antiga oficina dessa grife de automóveis, o Original e o Armazém Paulista, com jeitão de boteco de antigamente. É a nova geração, com perfil bastante diferente dos bares dos anos 70, quando as grandes atrações de Moema eram as casas de sambão ou o Bierhalle, uma choperia que fez história e fechou há alguns anos, dando lugar a um supermercado.

Os sócios do The Red Lion, por exemplo, apostaram em um novo público e privilegiaram o foco sobre estrangeiros residentes ou de passagem por São Paulo. Para isso, contrataram garçons poliglotas que dominam inglês, alemão, francês e até japonês. No elaborado espaço oferecem, além de pratos rápidos, charutaria, computadores conectados à internet e marcas internacionais de uísque e cerveja.

Mas nem só de comer fora vive Moema. Até o início dos anos 90 era bastante limitada a opção por supermercados mais refinados com uma seleção de produtos que atendesse ao apetite de consumidores por artigos mais sofisticados, com variedade, bons preços e atendimento de quem entende do ramo de alimentação que absorve, segundo a pesquisa da Target Marketing, cerca de 74 milhões de dólares por ano na região. Detectar essa lacuna foi o que norteou, em 1991, o ingresso de Marcos Maluf e Cristiano Murad, dois jovens recém-formados em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas, a colocar em prática a teoria aprendida nos livros sobre empreendimentos no ramo dos supermercados. Maluf conta que enfrentaram preconceito de alguns professores a quem pediram assessoria, mas foram em frente e hoje já estão na terceira unidade da rede Emporium São Paulo, exclusiva de Moema. Sua loja mais vistosa fica na Vila Nova Conceição. O local foi escolhido em 1998 com a intenção de enfrentar o concorrente Pão de Açúcar, que tinha bem na frente uma antiga loja que foi reformada com presteza. Com mais um sócio, Juliano Hannud, foram introduzidos conceitos diferenciados, como a fachada de tijolinhos. No novo espaço, de 840 metros quadrados, estão reunidos 22 mil itens, que vão de artigos básicos de mercearia até bebidas importadas e queijos de fabricação artesanal e de produção limitada.

Uma das peculiaridades de Moema, além dos extravagantes nomes das ruas, é que lá todas as tribos têm vez. Um segmento dos mais lucrativos salta à vista de quem percorre o bairro. São os bufês infantis, que com suas instalações coloridas fazem de Moema uma festa para os olhos. Isso começou no início dos anos 80 com um espaço para entretenimento chamado Mundo Encantado. "Era um misto de salão de festas com monitores e brinquedos em espaço coberto e fechado que nos horários vagos recebia crianças para que as mães pudessem trabalhar ou fazer compras", recorda Sara Amaral, a segunda proprietária do bufê, adquirido em parceria com a cunhada Luíza.

O negócio prosperou e começaram a surgir outros empreendimentos do gênero no bairro. Hoje, é um pólo de 30 casas especializadas em festas infantis. Os lucros, assim como os investimentos, são de gente grande. Uma recepção para 50 pessoas pode custar de mil a 3,8 mil reais, conforme local, atrações e cardápio. Mesmo assim, a agenda dos bufês está sempre lotada, e em alguns chegam a acontecer até três eventos num mesmo sábado.

Cães e gatos
Outro negócio lucrativo também encontra em Moema sua clientela ideal. São as petshops que oferecem produtos e serviços para animais e somam atualmente quase 40 lojas especializadas, segundo Madalena Garcia, dona da Dogstore, uma das pioneiras do ramo no bairro. No início dos anos 80, Madalena vislumbrou oportunidade ao ocupar um espaço ocioso da clínica de seu marido, um veterinário tradicional, com a venda de acessórios como coleiras, xampus, comedouros e rações. Hoje, existem mais de 500 artigos voltados para bichos -- desde roupinhas até itens para higiene bucal e brinquedos. Não existem estatísticas oficiais para a população de pets do bairro, mas o cadastro da Dogstore supera 3 mil fichas de animais atendidos em quase 20 anos.

Para ter uma idéia do dinamismo do bairro, esta reportagem começou a ser realizada em julho. Até o fechamento desta edição, foram inaugurados dois bares, O Elephante e o John & Jack, e uma pet shop, e dois empreendimentos imobiliários foram lançados, entre outros negócios. Moema é a mais perfeita tradução de São Paulo: também não pode parar.

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