Virada súbita do BC americano alimenta teorias da conspiração
Jerome Powell, chefe do Federal Reserve, está querendo agradar Trump? Ou sabe algo preocupante da economia mundial que não sabemos?
João Pedro Caleiro
Publicado em 5 de fevereiro de 2019 às 16h24.
Última atualização em 5 de fevereiro de 2019 às 16h25.
A súbita e misteriosa virada de 180 graus da política monetária dos EUA nesta semana deu origem a uma série de teorias da conspiração sobre o que se passa no banco central mais poderoso do mundo.
Há as teorias simples, como a de que o Federal Reserve está cedendo às exigências dos mercados financeiros e/ou do presidente Donald Trump para frear os aumentos de juros.
E as mais sutis: o regime mudou e a instituição agora tenta deliberadamente fazer com que a inflação supere a meta de 2 por cento.
Outra possibilidade levantada é que o comandante do Fed, Jerome Powell , sabe algo preocupante sobre a economia mundial que os investidores desconhecem. Ou que ele tem tendência a pegar os mercados desprevenidos.
Apenas seis semanas depois de declarar que estava na rota de “aumentos adicionais graduais’’ nos juros, o Fed sinalizou na quarta-feira que não vai mais apertar por ora e deixou aberta a possibilidade de cortar os juros na próxima vez que agir.
E fez isso mesmo acreditando que o crescimento econômico será sólido em 2019, em um contexto de mercado de trabalho forte e inflação próxima da meta.
Powell tentou explicar a virada do Fed citando uma variedade de riscos: desaceleração do crescimento global, condições financeiras mais restritas e fatores geopolíticos, como o Brexit e a tensão comercial entre EUA e China.
O problema com esse argumento é que todos esses riscos já eram evidentes em dezembro, quando o Fed elevou a taxa básica de juros pela quarta vez em 2018 e projetou mais dois acréscimos em 2019.
Os profissionais de mercado identificaram um vácuo de explicação, que vêm tentando preencher. Estas são algumas das hipóteses em circulação:
Ajuda de Powell
Defensores dessa teoria afirmam que Powell está agindo como seus antecessores. Quando as ações desabam, como ocorreu após a reunião do Fed em dezembro, o banco central se dispõe a dar suporte às bolsas com dinheiro fácil.
Para Omair Sharif, do Société Générale, o comunicado do Fed nesta semana foi uma “carta pedindo desculpas’’ aos mercados.
Powell disse a repórteres na quarta-feira que o Fed leva em conta mudanças sustentadas nas condições financeiras porque impactam a economia, mas que foca em diversos mercados, não só no acionário.
Triunfo de Trump
Segundo esta teoria, Powell cedeu não aos mercados, mas a Trump, após repetidos ataques ao Fed.
Powell tocou no assunto durante a entrevista coletiva: “Nós nunca levaremos considerações políticas em conta ou discutimos isso como parte do nosso trabalho.”
Mudança de regime
Talvez esta seja a conjectura mais intrigante. Defensores como o economista-chefe para os EUA do JPMorgan Chase, Michael Feroli, acreditam que o “desfecho desejável’’ para o Fed agora é a inflação superar a meta de 2 por cento.
Seria uma grande mudança em relação ao que foi seguido por antecessores de Powell, incluindo Janet Yellen. Como parte da mudança, na visão de Feroli, “Powell está fazendo o melhor que pode para enterrar’’ a Curva de Phillips — conceito tradicionalmente seguido pelo banco central, que relaciona variações na inflação a desdobramentos no mercado de trabalho.
Almejar inflação pouco acima da meta pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação em 2 por cento após anos em que os índices de preços ficaram aquém desse patamar.
Fed onisciente
Será que o Fed ficou subitamente bonzinho porque sabe que a economia global — especialmente a China — vai bem pior do que os especialistas pensam? A julgar pela disparada das bolsas após a reunião do Fed, poucos investidores acreditam nisso.
Namorado não confiável
Foi assim que o comandante do Banco da Inglaterra, Mark Carney, foi chamado em 2014 porque dava sinais conflitantes sobre a política monetária. Agora alguns se referem a Powell da mesma maneira, após comentários dele provocarem solavancos nos mercados nos últimos meses.
“A política de comunicação do Fed está em frangalhos’’, afirmou Michael Gapen, economista-chefe para os EUA do Barclays, em relatório divulgado em 30 de janeiro.
“Nossa preocupação é que o Fed tenha trocado o suporte de curto prazo aos mercados financeiros e à economia por outra rodada de volatilidade mais adiante no ano se for forçado a subir os juros.’’