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Da Redação
Publicado em 18 de março de 2010 às 13h07.
Seria difícil achar no mundo ou na Europa um país mais arrumado, seguro e confiável do que a Islândia. No último levantamento da ONU sobre o bem-estar mundial, em 2007, tirou o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Tem um PIB per capita de 55 000 dólares, ou até 60 000, segundo o critério de cálculo adotado. Vive com uma economia pequena, descomplicada, próspera e produtiva. Sua lista de carências sociais é equivalente a zero. Pouca gente conhece a Islândia e menos ainda se fala dela no noticiário, o que é sempre ótimo; é sinal de que não causa problemas, nem a si própria nem aos outros. Tudo é bem mais simples, é verdade, quando se tem uma população nacional pouco superior a 300 000 habitantes, menos gente do que há em Bauru. Mas nem por isso o país perde o seu valor como uma das mais notáveis ilhas de tranqüilidade num mundo em pleno ataque de nervos - até mesmo porque é uma ilha de verdade, ao contrário de certos países sul-americanos cujos governos gostam de se imaginar como tal sempre que as coisas começam a ficar pretas. O que poderia dar errado na Islândia? Foi assim até agora, mas eis aí o drama: já não existem mais, na economia global, oásis onde a segurança é garantida, nem que sejam ilhas com as melhores notas de IDH e todas as virtudes recomendadas pelos manuais de conduta do FMI e de outros grandes tribunais da ordem financeira. De um dia para o outro, a Islândia teve de estatizar o seu segundo maior banco, um certo Landsbanki, para impedir que quebrasse - e tornou-se subitamente parecida com os demais países da Europa, onde os governos estão gastando nestes dias montanhas cada vez maiores de dinheiro para estatizar bancos em situação de falência, fazer empréstimos para que não quebrem e garantir os depósitos dos clientes, a qualquer limite.
Até a Islândia, então? Sim, até a Islândia. Mais ainda, descobriram-se, junto com os abismos existentes na contabilidade do banco nacionalizado, coisas que ninguém imaginava haver por ali. O Landsbanki tinha 200 000 contas na Inglaterra, onde oferecia aos clientes investimentos com altas taxas de retorno. Estava metido com a papelada do subprime americano, claro. Seu proprietário era dono, a título pessoal, de um clube de futebol profissional de Londres, o West Ham. Todo o sistema bancário da Islândia, na verdade, estava navegando em mar de nevoeiro. Os ativos somados dos bancos islandeses, pelo que consta em seus balanços, são oito vezes maiores que o PIB total do país, de 20 bilhões de dólares. Quanto valerão, de verdade, se forem passados a limpo? O governo se viu obrigado a comprar, por 800 milhões de dólares, 75% de outro banco, o terceiro maior da Islândia, para salvá-lo da bancarrota imediata - e, para manter-se solvente, ele próprio recebeu um empréstimo de 5,5 bilhões de dólares da Rússia. O que sobrou, no fim das contas, foi a constatação de que as práticas financeiras do país não eram mais sadias que as seguidas em praças supostamente muito mais aventureiras.
Os valores, em si, não chegam a impressionar. O que são meros 5 bilhões ou 10 bilhões de dólares hoje em dia? Nada. Nem os 700 bilhões que o governo dos Estados Unidos pretende enterrar no seu hospital de emergência financeira parecem o fim do mundo - as Forças Armadas americanas, por exemplo, têm um orçamento anual equivalente a isso, e ninguém acha nada demais. O que realmente assusta, mais do que os montantes em dinheiro, é a comprovação de que a desordem se espalhou para muito além do que seria razoável supor - e, com ela, vem a desconfiança. Hoje em dia os bancos relutam em fazer negócios entre si, pois um não acredita na contabilidade do outro - mesmo porque, em muitos casos, não acredita nem na própria. Os governos europeus, embora falem de "trabalho em equipe", também desconfiam uns dos outros; a Alemanha, por exemplo, não quer colocar dinheiro num fundo comum de socorro, pois não sabe como, e com quem, ele será gasto. O público não tem fé nem nos bancos nem nos governos - motivo que levou países como a Irlanda e a própria Alemanha a dar garantia integral aos depositantes, a arma mais forte de que dispõem para combater uma corrida da população aos caixas.
A falta de confiança começa a transbordar, agora, para dentro das empresas, onde está, realmente, o ativo que mais importa em qualquer economia: os empregos. Se elas forem pela mesma trilha dos bancos, o mundo ainda vai sentir saudade da crise como ela é hoje.