Energia elétrica: outubro deverá ser mês decisivo para risco de racionamento no país (Getty Images/Getty Images)
Carla Aranha
Publicado em 25 de setembro de 2021 às 12h00.
Última atualização em 25 de setembro de 2021 às 15h07.
Uma das maiores apostas do governo para driblar a crise hídrica e afastar o risco de racionamento de energia é o acionamento de quatro usinas térmicas, que, juntas, têm condição de produzir 1.300 MW. "As termelétricas estão prontas para serem acionadas, só há um problema", diz Xisto Vieira, CEO da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget). "E preciso gás natural para alimentá-las e o insumo ainda não está disponível em volume suficiente, embora haja diversas tratativas do governo para aumentar os suprimentos".
Uma das alternativas é incrementar as importações da Bolívia, um maiores produtores mundiais de gás natural. As negociações, no entanto, não têm avançado. A Petrobras, responsável pela intermediação com a estatal boliviana Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPFB), tenta assinar um novo contrato com volumes de importações superiores aos atuais 20 milhões de metros cúbicos por dia – o objetivo é chegar a 30 milhões. “Até o momento, as tratativas não lograram êxito”, informou a Petrobras à EXAME por meio de nota. “Conforme já divulgado, a Petrobras está atuando junto à YPFB na busca de um novo contrato interruptivel para incremento temporário da importação da Bolívia”.
A alta demanda mundial pelo gás natural, com a retomada econômica, e o crescimento exponencial do preço do produto, que aumentou 1.000% na Europa desde o ano passado, é apontada por fontes de mercado como uma das barreiras à assinatura de novas cláusulas contratuais. Outro, igualmente importante, é a própria limitação do parque gerador da YPFB. “A empresa vem sofrendo com questões estruturais que não têm permitido a retomada da produção nos níveis de alguns anos atrás”, diz Rivaldo Moreira Neto, presidente da consultoria Gas Energy.
As quatro térmicas listadas pelo governo para entrar em operação em outubro, a Cuiabá, Uruguaiana, Termonorte 1 e Termonorte 2, aguardam a chegada do insumo. Juntas, elas têm capacidade para produzir 1.300 MW. Com a crise hídrica, o país precisará gerar algo próximo a 5.000 MW para que não falte energia, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
“No momento, parece um pouco difícil fechar essa conta, dadas as próprias restrições do sistema e a dificuldade em conseguir volume significativos de gás natural para alimentar as usinas”, diz o economista Adriano Pires, sócio-fundador da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Na corrida em busca de soluções para a crise, o país vem aumentando as importações de gás de países como a Argentina, Uruguai e Estados Unidos. Hoje, o Brasil já figura entre os principais compradores de gás natural liquefeito (GNL) produzidos por companhias americanas, ao lado da Coreia do Sul, China e Japão – seis navios petroleiros estão a caminho do litoral brasileiro com carregamentos do insumo. O país vem batendo recordes de compra do GNL: em julho, os volumes chegaram a 28 milhões de metros cúbicos por dia, segundo a Wood Mackenzie.
Uma malha extensa de gasodutos leva o insumo até as usinas. Mas o sistema convive com alguns gargalos. No Nordeste, a rede encontra limitações que não permitem o pleno abastecimento de térmicas como a Termofortaleza e Termoceará.
Uma das esperanças é a retomada operacional do gasoduto Rota 1, que transporta o gás produzido no pré-sal da Bacia de Santos, em São Paulo, programada para outubro. A rede ficou parada neste mês para manutenções. “Mesmo assim, precisamos aumentar muito o volume de gás natural disponível para que de fato seja possível acionar as quatro termoelétricas previstas para entrar em operação”, diz Xisto Vieira, CEO da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget).
Por enquanto, o que parece mais certo é a geração de 1.300 MW pela usina GNA 1, acionada no último dia 16. Depois de uma parada por problemas técnicos na segunda, 20, a usina voltou a funcionar na quinta, 23. A questão não apresentou dificuldades significativas de resolução, segundo fontes de mercado, e não deve comprometer a operação.
A crise energética ameaça ganhar corpo em um momento no qual as empresas consolidam a recuperação econômica e cresce a demanda por eletricidade. O consumo de energia deve aumentar 4,7% este ano, segundo um estudo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) realizado em conjunto com a NOS e a Empresa Brasileira de Pesquisa Energética (EPE).
“É a chamada tempestade perfeita, em que a retomada demanda uma expansão do uso de energia justamente em um período de crise hídrica e preços globais do gás natural em ascensão, o que bate na inflação”, diz Pires. “O Brasil poderia ter planejado melhor a questão energética tempos atrás, quando já tinha ficado claro que iria chover menos, como vem acontecendo. Agora, temos que lidar com um problema emergencial”.
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