Economia

Uma cidade dividida

A desigualdade em São Paulo segue um padrão geográfico: quanto mais longe do Centro, mais perto da exclusão social. A periferia é um mundo à parte

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h42.

É meio-dia no distrito paulistano de Lajeado. O cabeleireiro Joel Barbosa Souza, de 27 anos, acaba de atender seu primeiro cliente. Preço do corte: 3 reais. "Num dia muito bom, dá para fazer 50 reais", diz Souza. Lajeado fica no extremo leste da cidade, no limite com o município de Ferraz de Vasconcelos. Longe dali, a também cabeleireira Miriam Rocha, de 34 anos, consegue ganhar mais que Souza: fatura 80 reais. Por corte. Esse é o preço no arrumadíssimo salão da rede Jacques Janine em Moema, na zona sul. "Com lavagem usando xampu e creme, o preço aumenta 20 reais", diz Miriam, que é sócia do estabelecimento e cuida do cabelo de executivos, empresários e artistas de televisão.

Diariamente, histórias paralelas como a de Miriam e Joel se desenrolam em São Paulo. De acordo com o Mapa da Exclusão/Inclusão Social, um projeto coordenado pela assistente social e vereadora Aldaíza Sposati, do PT, Moema e Lajeado são os distritos extremos da capital. O primeiro é o mais "incluído" entre os 23 assim classificados. O segundo, o mais "excluído" entre 73. Na avaliação, contam fatores como renda, qualidade de vida, escolaridade, violência e acesso a serviços públicos. Poderia-se imaginar que o Morumbi, bairro com a maior proporção de moradores de classe média alta, seria o mais incluído. Mas, como também abriga favelas, acaba sendo a síntese da desigualdade de São Paulo.

"Em Moema, a saúde, a educação e o lazer estão lá, as pessoas não precisam se deslocar", afirma a assistente social Dirce Koga, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. "Em Lajeado não há creches, hospitais nem infra-estrutura adequada. Lá não adianta só dar renda mínima, tem de levar todo o resto." Dirce faz parte da equipe que elaborou o Mapa. A rotina do cabeleireiro Souza confirma as conclusões do estudo. "Aqui não tem nada. Para pegar um ônibus, é preciso andar 15 minutos." Essa situação cria um paradoxo. "Em princípio, um salário mínimo em Lajeado pode valer menos do que em Moema, pois não há como gastá-lo", afirma Dirce.

Além de representar extremos sociais, Souza e Miriam são exemplos dos contrastes do setor de serviços, que hoje ocupa mais da metade dos trabalhadores da região metropolitana de São Paulo -- o equivalente a 4 milhões de pessoas, o dobro de 15 anos atrás. O salão de Miriam oferece serviços de extensão capilar que chegam a custar 1,3 mil reais. Ela faz curso de inglês para atender clientes estrangeiros e já viajou para Paris, Roma e São Francisco em busca de aperfeiçoamento. Já o corte mais caro de Souza não passa de 5 reais.

As diferenças entre os bairros da cidade são enormes: enquanto em Moema o potencial de consumo anual per capita é de 9 678 dólares, no distrito de Anhangüera é de 2 080 dólares (o último colocado no ranking, Marsilac, tem consumo menor ainda, mas é uma área rural). Praticamente todos os indicadores sociais paulistanos seguem o mesmo padrão do consumo per capita: são bem melhores nas áreas centrais do que nas periféricas. A taxa de desemprego, que em novembro de 2001 atingia 18% da população economicamente ativa, varia conforme o lugar. Na extrema zona leste, onde fica o salão do cabeleireiro Souza, é de 21%. Nas áreas mais centrais, como Moema, não costuma passar de 10%. A maioria dos bairros com boa qualidade de vida está no chamado centro expandido (a área onde há rodízio de automóveis), que tem cerca de 2 milhões de habitantes -- a periferia fica com os 8 milhões restantes da população da capital.

Sustentado pelo alto potencial de consumo de seus moradores, o centro expandido consegue manter sua economia funcionando mesmo em situações de crise. "Essa massa que consegue consumir em padrões internacionais garante o movimento da produção", afirma a economista Paula Montagner, da Fundação Seade. "Enquanto isso, a cada chacoalhada da economia, boa parte das atividades da periferia são extintas, precisam começar do zero." Isso se explica pela baixa renda dos moradores: em caso de desemprego, eles têm muito menos recursos para continuar consumindo.

Como se não bastasse a fragilidade econômica, a periferia ainda traz desvantagens como o alto índice de violência. O empresário Antônio Fortunato Fernandes, de 53 anos, já foi dono de uma padaria no Campo Limpo, na periferia da zona sul, em meados dos anos 80. Apesar de considerar o negócio rentável, desistiu em um ano: precisava pagar "pedágio" para não ser assaltado. "Os bandidos comiam e bebiam lá de graça em troca de proteção", diz. Hoje Fernandes é sócio de uma padaria na rua João Lourenço, no distrito de Moema, onde dispensou a contratação de seguranças (está há mais de um ano sem ser assaltado). Seu estabelecimento é vizinho da sofisticadíssima butique Daslu e do salão da cabeleireira Miriam. Bem longe de Lajeado, onde o dono de uma das poucas padarias se recusou a dar entrevista com medo de assaltos.

Para solucionar os problemas sociais, a economia de São Paulo precisa crescer e gerar empregos de melhor qualidade. Para isso, é necessário encontrar um caminho entre a herança industrial e a explosão dos serviços. O caso da cidade americana de Detroit pode servir de referência. "Antiga capital mundial do automóvel, Detroit se transformou numa cidade fantasma durante os anos 80, com a fuga da indústria ", diz Márcio Pochmann, secretário municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade. Na década passada, Detroit retomou seu ímpeto: recuperou a base automotiva, mas abriu espaço para entretenimento e turismo. "São vocações que a capital paulista já tem e que precisam ser mantidas e melhoradas, assim como os serviços de excelência na área de saúde", afirma Pochmann.

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