Eletrobras: distribuidoras já receberam 4,4 bilhões em empréstimos da Reserva Global de Reversão (Adriano Machado/Bloomberg)
Reuters
Publicado em 9 de agosto de 2018 às 17h38.
São Paulo - Uma proposta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de aumentar um encargo nas tarifas de eletricidade para cobrir custos de operação de distribuidoras da Eletrobras, em meio ao atraso nos planos de privatização das empresas, pode ser alvo de questionamentos judiciais por consumidores, alertavam advogados especializados do setor nesta quinta-feira.
A agência reguladora aprovou na terça-feira uma audiência pública para discutir uma alta de 1,4 bilhão de reais na arrecadação com um encargo em 2018. Desse valor, cerca de 760 milhões devem-se à necessidade de bancar até o fim do ano as despesas de distribuidoras da Eletrobras, que são fortemente deficitárias e operam no Norte e Nordeste.
Essas empresas decidiram não renovar seus contratos de concessão, que expiraram em 2015, e desde então têm operado em regime precário, com custos cobertos por empréstimos de um fundo do setor elétrico, a Reserva Global de Reversão (RGR).
O problema é que a RGR deveria bancar essas empresas apenas até junho. Com o atraso na venda de cinco das seis distribuidoras, a conta não terá sobras que estavam programadas para pagar outras despesas com subsídios. Isso exigirá arrecadação maior por outro fundo setorial, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), abastecida por encargo cobrado na conta de luz.
"A tarifa já chegou em um limite em que qualquer aumento no valor é pauta de discussão. Existem várias discussões no mercado que no final do dia são devido ao tamanho da tarifa de energia. Talvez em outro momento essas decisões não fossem tão polêmicas, mas hoje sim, porque está caro", disse o especialista em energia do escritório ASBZ Advogados, Rafael Janiques.
Ele lembrou que há diversas ações de sucesso nesse sentido, em que grandes indústrias ou associações empresariais têm conseguido nos últimos anos evitar o pagamento de uma parte do encargo que abastece a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) que consideram controversa.
"Em tese, a Aneel tem essa competência de aumentar o encargo para equilibrar a conta... mas sabemos que essas distribuidoras foram dilapidadas, elas chegaram à situação em que chegaram por excessos e má gestão. Então tem, sim, espaço para questionamento jurídico. Os consumidores, todos eles, têm que pagar esse custo?", apontou.
As distribuidoras da Eletrobras já receberam 4,4 bilhões em empréstimos da RGR. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) alertou a Aneel em junho que faltariam recursos para bancar as empresas até o final de 2018.
As ações movidas mais recentemente contra a CDE questionam a disparada do encargo, que custeia subsídios, após o governo ter ampliado por meio de decretos nos últimos anos o número de iniciativas e programas bancados pela conta, lembrou o advogado do escritório Demarest para energia, Pedro Dante.
Embora os empréstimos às distribuidoras saiam oficialmente da RGR, a Aneel propõe aumentar o encargo que abastece a CDE porque contava com uma sobra de fundos da primeira conta que não vai mais se concretizar.
Dante disse que as ações contra a CDE são um precedente para que consumidores insatisfeitos possam questionar na Justiça se a Aneel poderia aumentar o encargo para custear a operação das distribuidoras.
"A discussão sobre a CDE já está muito judicializada, há consumidores processando a União faz tempo... aconteceu no passado e a tendência é que aconteça de novo. O consumidor pode entrar com uma ação em que ele questione e peça a suspensão desse repasse", explicou.
As primeiras liminares judiciais para reduzir custos com o encargo foram abertas pela Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), que tem entre os membros grandes empresas como Alcoa e Braskem, por exemplo.
O presidente da entidade, Edvaldo Santana, que já foi diretor da Aneel, chegou a comentar em seu perfil no Facebook na quarta-feira que a proposta de aumentar encargos devido ao atraso nas privatizações poderia ser ilegal.
"A CDE pode ser utilizada, em lugar da RGR e sem autorização do Congresso, para tapar os rombos das distribuidoras do grupo Eletrobras? Acho que não... se eu estiver certo, é ilegal a proposta da Aneel de repassar para os consumidores mais uma continha", escreveu.
A Eletrobras só conseguiu privatizar até o momento a Cepisa, do Piauí, adquirida pela Equatorial Energia. As vendas de empresas do Acre, Alagoas, Amazonas, Roraima e Rondônia dependem da aprovação de um projeto de lei em tramitação no Senado, mas o texto enfrenta resistência até por parte de senadores do MDB, partido do presidente Temer.
O leilão das distribuidoras está previsto para 30 de agosto, mas especialistas avaliam que é grande a chance de fracasso ou mesmo adiamento se o projeto não tiver sido aprovado até lá, uma vez que a matéria legislativa solucionaria passivos das empresas com fundos setoriais.