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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h35.
A prolongada batalha da Nestlé para levar a Garoto, que esteve em avaliação por dois anos nos órgãos antitruste brasileiros, no Cade reacenderam a questão: por que as decisões no conselho demoram tanto?
Primeiro, é preciso dizer que o caso Nestlé está longe de ser o mais longo da história do conselho. A aprovação da aquisição da Bestfoods pela Unilever, por exemplo, em pauta há mais de quatro anos, ainda está pendente. O caso Nestlé-Garoto apresenta razões particulares pela demora, além da já amplamente comentada complexidade da discussão, que envolveu modelos econômicos complicados que somaram mais de 6 000 páginas de documentos.
Os motivos para a lentidão generalizada são de natureza estrutural. O conselho avaliou 700 casos no ano passado, uma média de mais de 100 para cada um dos cinco conselheiros-relatores. O relator Thompson Andrade, responsável pelo caso Nestlé-Garoto, por exemplo, tinha pelo menos mais outros dois casos relevantes para resolver ao mesmo tempo - a fusão entre a TAM e a Varig e a disputa entre a DirecTV e a Rede Globo. Sua equipe de apoio para avaliá-los consiste em um advogado, um economista e duas estagiárias. O caso dos demais relatores não é diferente. Há poucos dias, uma liminar determinou a contratação de mais 30 técnicos para o conselho, o que poderá amenizar - mais não resolver - a situação.
A legislação antitruste atual, revista pela última vez em 1994, apresenta falhas. As regras vigentes dizem que todas as negociações que envolvem empresas com vendas de mais de 400 milhões de reais (incluindo eventuais operações fora do país), ou que resultam numa concentração de mais de 20% de mercado nas mãos de uma única companhia, devem ser submetidas ao órgão. Esse limite atrapalha o andamento dos casos relevantes e dá margem a situações no mínimo inusitadas. Há cerca de dois anos, a Kodak foi autuada por ter vendido duas divisões de negócios, a Curtis e a Alex, para uma empresa chilena que não tinha operações no país. Obviamente não havia um caso de concentração envolvido. O caso se enquadrava na lei apenas pelo fato da Kodak ter um faturamento superior a 400 milhões de reais, diz Gianni Nunes de Araújo, do escritório de advogados Franceschini e Miranda, que cuidou do caso. Como não prestou contas ao órgão até 15 dias após a negociação, a Kodak recebeu uma multa de 60 000 reais. O motivo: ter agido, como define o Cade, com intempestividade - ou seja, sem consultá-lo como prevê a legislação. Até hoje a Kodak recorre na Justiça comum para não pagar.
"Muitas vezes é difícil explicar para as matrizes de grandes corporações por que os casos no Cade demoram por aqui", diz a advogada Fabíola Cammarota de Abreu, do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch. "O modelo brasileiro é absolutamente peculiar." Uma das singularidades é a existência das duas instâncias de avaliação que antecedem a do Cade - a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a SDE, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, a Seae.
Quando a atual lei antitruste foi criada em 1994, a SDE já existia e apoiava as decisões do Cade. O Ministério da Fazenda, que também discutia o assunto, decidiu montar um órgão de apoio. Foi o que se entendeu melhor na época, diz o economista Gésner de Oliveira, ex-presidente do Cade e sócio da consultoria Tendências. Mas não é uma boa idéia.
Outra excentricidade: nos Estados Unidos e na Europa, as empresas devem submeter a transação ao órgão regulador antes de concretizá-la. No Brasil, tanto faz se a empresa apresenta o caso antes ou em até 15 dias após o fechamento do negócio. A maioria fica com a segunda opção. "Não há multa prevista para a demora na prestação de informações", diz o relator Andrade. "E o fato do negócio estar concretizado não incentiva a rapidez do processo na empresa."