(Amanda Perobelli/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 8 de março de 2021 às 09h41.
Última atualização em 8 de março de 2021 às 09h43.
A falta de ação do governo federal no combate à pandemia está levando empresas a reviverem o pesadelo de março de 2020. Com reservas financeiras exauridas e caixa à míngua, principalmente no setor de serviços — que responde por 70% do PIB do país — companhias e especialistas afirmam que, sem o retorno de medidas de socorro, haverá disparada no desemprego e no fechamento de negócios.
Izabel Serra, de 54 anos, teve de fechar seu restaurante Canto D’Alice, no bairro de Laranjeiras, após 27 anos. Ela tentou vender refeições usando um aplicativo de entrega, mas o faturamento era muito baixo.
Sem conseguir crédito e com pouco caixa para manter sua equipe depois da suspensão da medida que permitia reduzir salário e jornada e suspender salários de funcionários, optou por demitir parte deles no ano passado.
— De todas as crises, esta foi a pior. Não tem banco, não tem ajuda, não tem empréstimo, os preços subiram e não tem como repassar ao cliente. O proprietário (do imóvel) chegou a oferecer aluguel gratuito até o fim do ano, mas não vale a pena. Estamos abandonados — lamenta a empresária que está vendendo móveis e equipamentos do restaurante para pagar as rescisões.
Como a retomada que se desenhava no último semestre foi revertida pelo recrudescimento da pandemia, com a iminência de um novo lockdown, as empresas pedem principalmente o retorno do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), a prorrogação do prazo para pagamento de empréstimos concedidos via Pronampe (linha de crédito com juros menores criada na crise) e parcelamento de tributos.
O Ministério da Economia trabalha para retomar medidas, ainda sem previsão de quando serão implementadas.
— A recuperação em “V” foi abortada pela segunda onda (de casos). Seria necessário ter nova rodada de estímulos porque o cobertor está curto e vai faltar pano. Mas eles não virão na mesma proporção. As consequências já são visíveis: a inadimplência está subindo — alerta Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
A lentidão do governo em trazer de volta as medidas de 2020, avaliam os especialistas, infla o dano à economia do Brasil. Desde o início da pandemia, 300 mil bares e restaurantes fecharam, com corte de um milhão de postos de trabalho.
Quase 80% das empresas desse segmento dizem que vão encerrar operações se não houver reedição do BEm, mostra pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
— Agora, os empresários estão enfrentando o vencimento dos empréstimos do Pronampe e sem caixa. Em fevereiro, um em cada cinco empresários estava com a dívida atrasada — frisa Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.
Na sexta-feira, a entidade conseguiu liminar na Justiça para reduzir a restrição de horário a operações de bares e restaurantes decretada pela Prefeitura do Rio na véspera. Mas a liminar foi cassada. Empresários pedem contrapartidas, como suspensão de corte de luz e proibição de despejo por atraso de aluguel.
O Centro do Rio é a microrregião que enfrenta a situação mais delicada, pois muitos funcionários de escritórios estão em home office. Os donos do DarkCoffee, que fica perto do Boulevard Olímpico, chegaram a suspender o contrato de funcionários, mas agora não sabem como farão para pagar os salários:
— Na hora foi uma boa medida, mas como tenho que manter os funcionários pelo mesmo período da suspensão e o movimento não voltou ao normal, está pesando no bolso. A situação já está batendo no pescoço, a gente consegue segurar uns seis meses nesse ritmo — conta o gerente João Barreto.
Rubens Massa, professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV, destaca que o governo tarda em anunciar socorro:
— Nas pequenas empresas, é morte por inanição. Não têm mais de onde tomar recurso e já queimaram reservas. O efeito se multiplica porque cada dívida não paga é um fornecedor que deixa de receber.
No varejo, a situação se repete. Em 2020, 75 mil lojas encerraram suas atividades no país. No Rio, nem mesmo as vendas de fim de ano ou crédito salvaram as lojas e, em janeiro, houve queda de 15%, ante igual mês de 2020, de acordo com o CDLRio e o SindilojasRio.
Jaqueline Karina Bispo dos Santos, de 35 anos, e o marido vendiam roupas numa feira na Tijuca, fonte de renda da família. Com queda no movimento, ela ficou cinco meses parada, teve de negociar dívidas com a organização da feira. Neste ano, atrás de clientes, montou uma loja num trailer que tem no Grajaú.
— Tive que pegar empréstimo e adquirir dois cartões de crédito para fazer o giro porque não tinha caixa. Com a vacina, a expectativa era que melhorasse, mas olha como está....
Para Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio, é preciso socorrer as empresas, com atenção para serviços:
— Este ano, a indústria vai se voltar para a exportação, enquanto o comércio pode se agarrar à venda on-line. Mas, e os serviços?
Na hotelaria carioca, a ocupação caiu à metade no verão, para 40%, diz Alfredo Lopes, à frente da Associação de Hotéis do Estado do Rio. Ele ressalta que os hotéis já usaram todos os recursos.
Eduardo Seixas, diretor de reestruturação de empresas da Alvarez & Marsal, pontua que há grandes empresas que saíram fortalecidas da crise. E, no todo, a ajuda do governo em 2020 jogou para frente a explosão de pedidos de recuperação judicial:
— Esse movimento deve vir neste ano. Estimamos aumento de 53% nos pedidos de recuperação judicial. Mesmo empresas que resolveram entraves vão morrer na praia diante do agravamento da pandemia, a depender do que será anunciado pelo governo federal.
A consultoria prevê que o número de pedidos de recuperação suba a 1.800, voltando à alta histórica de 2015 e 2016.
— Dependemos da aprovação da PEC Emergencial e, claro, da vacina — diz Silas Santiago, gerente de Políticas Públicas do Sebrae.
A PEC, que destrava o pagamento do auxílio emergencial, foi aprovada no Senado e deve ser votada na Câmara nesta semana.
Santiago sublinha que cresce o nascimento de empresas, apontando o empreendedorismo por necessidade. Em 2020, houve alta recorde de 16,27% em novos registros de microempreendedor individual (MEI), ou 2,965 milhões. Em janeiro, a alta foi de 21%, com 312 mil novos MEIs, contra igual mês do ano passado. Em fevereiro, subiu mais de 30%, com 276 mil.